Venezuela
Debate na esquerda diante da medida de Chavez contra a RCTV
07/06/2007
Juventud de Izquierda Revolucionaria - JIR [www.jir.org.ve]
Fração Pública do Partido Revolución y Socialismo (PRS) - Por uma real independência de classe
Por um partido revolucionário que lute pela independência política dos trabalhadores
Os recentes acontecimentos na Venezuela depois da não renovação da concessão ã RCTV por parte do governo Chavez desencadeou uma série de posicionamentos políticos na esquerda, não apenas na Venezuela, mas também em nível internacional, com os quais debatemos nesta nota.
Todas as posições no interior da esquerda, incluindo a apresentada pela Juventud de Izquierda Revolucionaria (JIR), partem de um ponto comum: o rechaço aos grandes meios de comunicação controlados pelos grandes magnatas das telecomunicações, que em nosso país ocuparam um espaço central como peça chave do plano contra-revolucionário no golpe de abril de 2002 e na paralisação-sabotagem petroleira da burguesia venezuelana sob as ordens do imperialismo norte-americano.
A JIR afirma claramente em sua declaração política “que todos esses meios em mãos dos grandes empresários são uma grande ameaça contra os trabalhadores e o povo. Nosso país continua enfrentando uma constante ameaça da parte do imperialismo e dos agentes da reação interna que controlam mais de 80% das grandes cadeias de televisão e imprensa de maior circulação em todo o território nacional”.
Porém, o debate centra-se em se a medida do governo Chavez deve ser apoiada ou trata-se de levantar uma política operária independente para enfrentar os meios de comunicação e a imprensa reacionária interna. A política real de Chave, enquanto não renova a concessão da RCTV vinha sendo pactuar com os demais setores donos dos grandes meios, como Gustavo Cisneros, reconhecido golpista que agora mantém bom relacionamento com o governo. Chavez, apesar de sua feroz retórica, é incapaz de tomar uma medida como a expropriação imediata, sem indenização, de toda a grande mídia e colocá-la ã disposição, e sob o controle ilimitado das organizações dos trabalhadores, setores populares, camponeses e usuários, os que devem determinar, sem nenhum tipo de restrição a programação a difundir. Parafraseando Trotsky, a quem o presidente Chavez gosta de citar, como revolucionários cremos firmemente que é essencial empreender uma incansável luta contra os meios e a imprensa reacionária. Mas acreditamos que o modo mais efetivo de combater os meios e a imprensa que continuam controladas pela burguesia para manter seu domínio e o sistema de exploração é tomá-los em nossas próprias mãos, criando e estendendo os meios e a imprensa da classe operária e do povo pobre a serviço de seus reais interesses.
Havia que se colocar a reboque desta política de Chavez, como fez o conjunto da esquerda em nível internacional? Como Trotsky propunha: “É essencial empreender uma incansável luta contra a imprensa reacionária. Porém, os operários não podem permitir que o punho repressivo do estado burguês substitua a luta que eles mesmos devem assumir por meio de suas organizações e sua imprensa. Hoje o estado pode aparecer como graciosamente disposto em relação ás organizações operárias; amanhã o governo pode cair, e cairá inevitavelmente, em mãos dos elementos reacionários da burguesia. Nesse caso, qualquer legislação restritiva que exista será lançada contra os operários. Apenas os aventureiros que não pensam além das necessidades imediatas seriam capazes de não considerar este perigo”.
A medida de Chavez é uma medida bonapartista do estado burguês. E isso não se pode perder de vista. Se a adota é para fortalecer o poder do estado burguês sobre a opinião pública para convencê-la ainda mais de seu projeto de conciliação de classes e arregimentação do movimento operário, como se vê em seu projeto de cercear a autonomia sindical e construir um PSUV junto com empresários e altos oficiais das Forças Armadas.
A verdadeira luta a empreender, como política operária independente, é preparar-se para tomar os meios de comunicação, que a burguesia ainda controla, em nossas mãos, tal como fizeram recentemente os trabalhadores e o povo de Oaxaca, apoderando-se pela ação direta de vários meios reacionários de televisão, rádio e imprensa, colocando-os a serviço da luta. Ressaltamos que isso é o que deveríamos fazer na Venezuela com todos os meios de comunicação, e o que se mostrou necessário durante a paralisação-sabotagem petroleira, quando o povo se dirigiu a todos os canais de televisão da reação pró-imperialista para apoderar-se deles, mas a resposta do governo Chavez foi protegê-los do povo usando as Forças Armadas. Que grande medida teria sido se o governo tivesse permitido ao povo tomar em suas mãos estes grandes meios, expropriando-os e passando-os para as mãos dos trabalhadores!
Hoje, no novo canal criado (TVes) nem os próprios trabalhadores muito menos os demais trabalhadores, os camponeses ou o povo pobre têm o mínimo poder de decisão sobre seus programas, menos ainda sobre a política editorial.
Enquanto Chavez pactuava com o magnata da mídia, Cisneros, o setor majoritário da direção do PRS escrevia alegremente: “O Partido Revolución y Socialismo respalda a não renovação da concessão da RCTV”. Por sua parte, os dirigentes sindicais da C-Cura, que entraram no partido de Chavez - o PSUV -, muitos deles alinhados ã política do MST da Argentina, abraçavam a “grande medida revolucionária” do governo, alegando que isso implicava o “aprofundamento da revolução”. Posições similares, umas mais críticas, outras acríticas, se expressaram em nível internacional, mas todas se alinharam ã posição oficial do governo.
Contudo, todos se esquecem, ou evitam quando lhes convém, que a Venezuela continua sendo um Estado burguês onde impera com toda força a lógica e o domínio dos capitalistas, no qual Chavez impulsiona um projeto nacionalista burguês, e por mais que se fala de “socialismo do Século XXI” a realidade é que continuamos vivendo sob o domínio da sociedade burguesa, por mais que também se fale contra o capitalismo. Optar, então, em enfrentar a mídia reacionária da grande burguesia com a política oficial de Chavez não seria negar-se a atuar com uma política independente, dos trabalhadores, na qual realmente sejam eles os que definam os destinos dos meios de imprensa? Dizíamos, então, que “longe de ir a reboque de medidas bonapartistas, mesmo que sejam contra um setor reacionário, a classe operária deve confiar somente em seus métodos de luta e forjar seus espaços e instrumentos midiáticos conquistados por sua própria luta e métodos de ação direta, como fizeram os trabalhadores e o povo de Oaxaca, colocando-os a serviço da luta, porque cedo ou tarde este tipo de medidas governamentais também se voltará contra a classe operária”.
Mas, por acaso, não é melhor que os meios de comunicação estejam nas mãos do Estado e não dos grandes empresários? O melhor é que realmente estejam nas mãos dos trabalhadores e do povo pobre, onde se expressem sem restrição alguma todas as visões dos operários, camponeses e pobres em luta, e a definição de seu conteúdo se dê em função de suas necessidades fundamentais para combater também nesse plano contra as idéias e preconceitos reacionários que a burguesia inoculou nos operários com seus recursos midiáticos e ideológicos. Para lutar conseqüentemente por isso deve-se batalhar para que todos os meios de produção, incluídos os meios de produção da informação pública, estejam nas mãos dos trabalhadores, os únicos que podem garantir uma verdadeira liberdade de imprensa, e não a falsa liberdade de que falam os capitalistas que hoje defendem a RCTV. O governo Chavez é incapaz de colocar a mídia nas mãos dos trabalhadores, e o acordo com o magnata Cisneros é apenas uma expressão disso; assim, por mais retórica que o governo use sobre a liberdade de expressão, tampouco é real, pois todos os grandes meios de produção da informação continuam controlados por um punhado de capitalistas e a outra parte sob os ditames do Estado, onde os trabalhadores e o povo não têm nenhum poder de decisão. Apenas quando os meios de produção em geral e os de produção de informação, em particular, estiverem em mãos dos trabalhadores, teremos uma real liberdade de expressão de todas as correntes da opinião pública em geral, com plena condição de igualdades para garantir realmente esta liberdade.
O governo nacional, assim como hoje se entende com o grande magnata dos meios de comunicação Gustavo Cisneros, se colocará em acordo, amanhã, com os demais meios privados e estatais contra qualquer política independente dos trabalhadores, atacando a liberdade de expressão dos operários e do povo pobre. Isso já foi vivido pelos trabalhadores da Sanitários Maracay que, por conveniências do governo e de seu ministro do Trabalho, não pode ver difundido por qualquer mídia governamental sua grande paralisação operária regional. Uma mídia e uma grande imprensa nacional nas mãos dos trabalhadores e do povo definitivamente teriam dado um grande alcance nacional a esta importante luta, tal como fez o povo de Oaxaca com seu importante combate.
Desgraçadamente, as organizações de esquerda não encontraram outra alternativa a não ser alinhar-se a reboque da política governamental de um projeto nacionalista burguês que cedo ou tarde se lançará contra os trabalhadores, ao invés de buscarem uma política operária independente, conseqüente para fazer frente ã reação interna pró-imperialista, mas também ã política de um governo que se propõe a um “socialismo com empresários”. A direita venezuelana hoje levanta a cabeça, com suas mobilizações, porém graças ás políticas governamentais. Uma política contra a RCTV e todos os outros meios, como a Globovision, Venevision etc., imediatamente após o golpe teria significado realmente uma medida de autodefesa pela atuação desses meios como porta-vozes da reação interna e do golpismo. Entretanto, hoje, castiga alguns, como a RCTV, que não aceitam a relação de forças e premia e pactua com os que a aceitam e se convertem momentânea e convenientemente em “democráticas”, como Cisneros.
Isso é combater a mídia da reação e da burguesa? Triste papel, o da esquerda que inventa revoluções onde não existe e se enfileira sob as medidas governamentais que ao fim e ao cabo em nada favorecerão os trabalhadores. Esta política seguidista do chavismo é conseqüente com a negativa sustentada pelos dirigentes da C-Cura, tanto os que ingressaram no PSUV como os que ficaram no PRS, de levantar uma política de independência de classe diante do governo Chavez.
Repetimos o que dissemos ao final de nossa declaração: “Os trabalhadores devemos nos dotar de meios de comunicação e uma imprensa independente que expresse nossas realidades, defenda nossos interesses, amplie nosso horizonte e prepare o caminho para a verdadeira revolução socialista no país”.