"Acordos" de Toronto
Impotência e divisões do G-20 frente ã crise mundial
05/07/2010
A crise que golpeia a Europa, enquanto os recentes dados negativos referentes ã economia norte-americana e o anúncio de uma provável diminuição no ritmo de crescimento da economia chinesa, provocaram uma queda generalizada das bolsas do mundo. Essa situação põe em dúvida a débil recuperação em curso da economia mundial levantando a possibilidade de um recaída na recessão, questão que afetaria os atuais índices de crescimento da economia do conjunto dos países semicoloniais.
Toronto, Canadá, foi cenário da reunião em 27 de junho dos 20 países que incluem as principais potências industriais (G-7 mais Rússia), as chamadas economias emergentes e um representante do restante da União Européia. O pano de fundo posto estava marcado por vários pontos de divergência. Em primeiro lugar, uma disputa entre os países da Europa (com a Alemanha ã frente) e os Estados Unidos, acerca da vantagem ou não de retirar os planos de estímulo estatal e aplicar planos de ajuste e redução de dívidas públicas. Por outro lado, uma discussão sobre a imposição de um imposto internacional aos bancos ou ás transações financeiras. Outro aspecto de disputa versava sobre a exigência ã China para que aumente o valor de sua moeda, o Yuan, com a finalidade de obrigá-la a reduzir a competitividade de suas exportações.
Nenhuma dessas questões teve resolução nos “acordos” de Toronto. O resultado foi uma declaração eclética e de compromisso, que ainda que seja mais favorável á posição da Europa e do FMI, mantém a principal disputa exatamente nos termos em que estava colocada originalmente. A declaração proclama tanto que “os países com sérios problemas fiscais necessitam acelerar o caminho da consolidação” como que é “essencial reforçar a recuperação” sublinhando a necessidade de aplicar os planos de estímulo já acordados. Com respeito ã instauração de um “imposto bancário global”, a Reunião obteve o notável acordo que sustenta que cada país poderá aplicar o imposto que lhe convier, eliminando qualquer data concreta de efetivação e jogando a discussão para a próxima Reunião que será em Seul, na Coréia do Sul, no mês de novembro. Por último, a China, que com seus anúncios prévios sobre a duvidosa revalorização do Yuan tinha conseguido tirar essa questão do centro da reunião, negou que sua tímida medida fosse sequer registrada na declaração por medo de ficar presa a algum compromisso efetivo.
Uma nova terça-feira maldita
À “contundência” desses acordos globais somaram-se, na última terça-feira, três fatores. O temor de uma diminuição do crescimento da economia chinesa devido a que seu principal índice econômico de abril foi revisado a baixo (de 1,7% a 0,3%) gerando fortes quedas nas bolsas asiáticas. Um manto de dúvida sobre a possibilidade dos bancos europeus de devolver seu vencimento, ou seja, no dia da data, a impactante soma de 442 bilhões de euros (545,5 bilhões de dólares) ao Banco Central Europeu que sob a forma de empréstimos de emergência foram concedidos há um ano. Finalmente, o instituto The Conference Board (o mesmo que realizou o anúncio sobre a China), informou que a confiança dos consumidores nos Estados Unidos na evolução da economia caiu de 62,7 pontos em maio a 52,9 pontos nesse mês, quando a previsão dos economistas esperava que se situasse em 62 pontos. As palavras de Obama e do presidente do Banco Central dos EUA, Ben Bernanke, assegurando que “a economia se fortalece” ainda que “ainda haja muito trabalho por fazer”, não tiveram efeito. As bolsas desabaram de um lado a outro do Atlà¢ntico provocando uma nova terça-feira maldita. Mas para além dos fatos, vejamos que há por trás da principal discussão que para além da reunião do G-20 e seus resultados imediatos, instalou-se no crítico cenário de situação econômica mundial.
Os capítulos da crise
Desde que o risco de fim de pagamentos na Grécia ocupou o centro da cena, estendendo-se posteriormente aos denominados PIGS, afetando em cheio a zona do euro e sua moeda como também os países fundamentais da União Européia como a Inglaterra, abriu-se o segundo capítulo da crise econômica mundial. Mas essa diferenciação em capítulos ou fases não se refere somente a uma questão temporal, mas também de conteúdo que dá conta das formas particulares que adotam as respostas dos principais Estados capitalistas.
Durante a primeira fase da crise, que por sua magnitude ameaçava transformar- se na segunda Grande Depressão depois da dos anos 30, os Estados capitalistas vítimas do pânico, respondiam de forma coordenada. Hasteando a máxima “quando estamos no buraco, somos todos keynesianos” [1], os Estados levavam ã mínimos históricos as taxas de juros bancários, resgatavam o sistema financeiro (o núcleo onde se originou a crise e o setor que através do “efeito riqueza” contribuiu com a sustentação da demanda durante os últimos anos) e desenvolviam planos de estímulo fiscal. Por mais que essas políticas tenham conseguido evitar que a Grande Recessão se convertesse em uma nova Grande Depressão, não conseguiram resolver os grandes problemas estruturais que estavam na origem da crise [2]. Permitindo um respiro, esquivando a depressão e conseguindo um grau de recuperação débil da economia mundial, da crise e do endividamento do setor privado, ainda sem resolver-se, transladavam- se para o setor público originando um nível de endividamento estatal sem precedentes que foi o ponto de partida do presente segundo capítulo.
Sobre “planos de estímulo” e “planos de ajuste”
A característica deste segundo momento é que como subproduto dos distintos ritmos com que vieram à luz as conseqüências do endividamento estatal, põe-se em cena políticas distintas de resposta ã crise, ou seja, não coordenadas, por parte dos principais Estado. Esse é um elemento muito importante que explica a atual divergência entre os principais países da Eurozona (ainda que também da Inglaterra) por um lado e dos Estados Unidos por outro, sobre a necessidade de aplicar “planos de ajustes” ou continuar com os “planos de estímulo”. A aplicação inicial coordenada dos “planos de estímulo” estava associada ã necessidade de resgatar o sistema financeiro evitando uma paralisação do crédito. O salvamento dos bancos comerciais e de investimento assim como das seguradoras visava re-estimular (mediante dinheiro estatal, ou seja, impostos que são pagos centralmente pelos trabalhadores e setores populares) um setor que durante os últimos anos tinha sido um pulmão essencial da demanda. Por sua vez, os estados aportavam da mesma - da mesma fonte-, fluxos extra de demanda como por exemplo o plano norte-americano de troca de carros novos por “ferro velho”. O que se esperava era que esses planos evitassem a depressão e reanimassem a economia para tentar voltar a um funcionamento “normal”. As bolhas de dívida e em particular o estouro na zona euro foram o sintoma do fracasso da volta a essa “normalidade”.Os Estados Unidos ia tentando desmontar os planos de salvamento e subir paulatinamente as taxas de juros, aproveitando a desvalorização do dólar que lhe permitiria a redução de seu déficit comercial e uma maior competitividade externa. No entanto, a abrupta desvalorização do euro, a negativa da China de revalorizar o Yuan e a debilidade de sua recuperação que permaneceu extremamente dependente dos estímulos estatais, frustraram essa via. As políticas deflacionárias e de ajuste na Europa que começaram na Grécia, continuando depois pela Espanha e Portugal e chegando mais tarde ã Itália, ã própria Alemanha, França e até a Inglaterra são respostas ao estouro das dívidas e ã crise do euro e, em última instância, ao fracasso das políticas de resgate. Mas agora os ritmos da crise divergem, favorecendo um aprofundamento dos desequilíbrios. As medidas recessivas na Europa constituem um elemento muito prejudicial para a política norte-americana. Quanto mais recessão haja no resto do mundo, menos os Estados Unidos podem brigar por uma recuperação mais ou menos “genuína” de sua economia, descarregando a crise sobre o resto do mundo. Em um sentido, isso lhes impõe que para manter o poder imperial e o dólar como moeda de reserva, tenham que continuar acumulando dívida, déficits e desequilíbrios. Em um sentido, ainda que salvando as grandes distâncias (entre as quais, a ausência de um substituto ã vista é um elemento fundamental) , a situação se parece um pouco para os Estados Unidos com a situação da Inglaterra e a libra esterlina nos anos 20. A preocupação dos Estados Unidos é que quanto mais a crise atue no restante dos países centrais, mais os Estados Unidos terá que sustentar artificialmente a economia, mais terá que emitir dólares sem respaldo e mais terá que fazer crescer sua dívida aumentando o perigo de um estouro espetacular. Ainda mais quando a o cenário interno norte-americano está extremamente complicado para o governo de Obama que entre muitas outras questões, acaba de perder uma votação no congresso para prorrogar os subsídios de desemprego, quando se aproximam as eleições legislativas e reina um profundo ceticismo frente ã recuperação da economia.
Um aumento das contradições
Os Estados Unidos encontra-se pressionado por duas frentes: uma, o medo de que se retirem as medidas de estímulo fiscal, se produza um tipo de efeito “Roosevelt 1937” [3] quando a retirada dos planos de estímulo estatal provocou uma nova queda na recessão. Outro, o medo de prorrogá-los, enfrentando políticas recessivas na maioria dos países centrais, questão que colocaria no centro a debilidade da economia norte-americana, com o conseqüente incremento de suas dívidas, a progressiva deterioração de sua posição comercial e uma reprodução perversa de seus desequilíbrios para evitar a queda. A Europa por sua vez, mas sobretudo, a Alemanha busca através dos planos de ajuste e frente o fracasso dos planos de estímulo, uma via mais clássica de destruição de capitais aproveitando a desvalorização do euro para aumentar sua competitividade comercial externa. A China dificilmente aceitará revalorizar de maneira contundente o Yuan ainda mais quando a desvalorização do euro volta torna mais competitivas as exportações denominadas em euro. Essas condições gerais de incremento das contradições que são o verdadeiro fundamento da divergência sobre “retirar os planos de estímulo” ou “aplicar os planos de ajuste”, provavelmente tendam a incrementar as tendências protecionistas e provoquem maiores tensões desde o ponto de vista comercial. Enquanto isso, o capital financeiro que conseguiu nas últimas décadas um alto grau de internacionalização espreita e está disposto a golpear sobre cada ponto de debilidade. Muitas são as vozes que assinalam que a Grécia não vai poder enfrentar a crise mesmo com o salvamento e que vai ter que reestruturar sua dívida, a agência Moody’s (a única das três que manteve a nota da dívida espanhola) ameaça rebaixar a qualificação. Em uma situação de vulnerabilidade externa não se pode descartar a possibilidade de que ataques especulativos provoquem uma queda coordenada de todas as bolsas que ponha fim ã débil recuperação em curso, reabrindo uma nova recessão de magnitude ao menos parecida ã aberta no fim de 2008 com a quebra do Lehman Brothers.
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NOTASADICIONALES
[1] Robert Kidelsky, O retorno de Keynes.
[2] Nos referimos ao processo de sobre-acumulação de capitais e queda da taxa de lucros que despontou no fim da década de 70, no final do chamado boom do pós-guerra e que foi uma contraposição parcial mediante a ofensiva neoliberal que a partir dos anos 80 desenvolveu, entre outros múltiplos aspectos, um processo de financeirização da economia sem precedentes históricos. Para aprofundar sobre esse tema, ver Crise e contradições do “capitalismo do Século XXI”, Juan Chingo, Estratégia Internacional 24.
[3] O plano conhecido com New Deal que foi aplicado pelo presidente norte-americano Roosevelt 1933 conseguiu uma recuperação da economia norte-americana que, não obstante, não pode recuperar o nível prévio ã queda após o crack de 1929. Em 1937, os planos de estímulo fiscal foram retirados, provocando uma nova entrada em recessão da economia dos Estados Unidos.