França
Necessitamos de outra perspectiva para ganhar
29/11/2007
Apesar da política dos dirigentes, a greve dos trabalhadores ferroviários do metrô e do transporte coletivo da região parisiense já dura mais de uma semana. Com níveis de adesão relativamente baixos tomado de conjunto (mais ou menos um terço dos trabalhadores) se mantém uma importante paralisação (e em algumas regiões na capital e nos subúrbios completa) da rede de transporte nacional. Isso porque setores intermediários dos trabalhadores, como os setores mais diretamente terciários da SNCF e da RATP que têm pouca incidência no funcionamento concreto da empresa deixaram a greve. Enquanto isso, os setores centrais e chave para o transporte (os condutores, trabalhadores das obras, das oficinas de manutenção) com tradição combativa pela estreita mescla existente entre uma velha geração que está para se aposentar e jovens condutores com alta qualificação, permanecem mobilizados. Os estudantes seguem ampliando seu movimento, e ante o chamado da Coordenadora Estudantil reunida em Tours, os estudantes dos liceus (secundaristas) começam a se incorporar à luta pela derrubada da lei de autonomia universitária.
No dia 20/11 se realizou uma forte paralisação dos servidores públicos pela defesa do emprego, contra os importantes recortes previstos pelo governo e a queda do poder aquisitivo do salário, com índices de aceitação de entre uns 30% nos trabalhadores públicos e de 40 a 60% dos docentes. Todos estes movimentos coincidiram numa jornada de ação no dia 20 de novembro em Paris e demais cidades da França em massivas mobilizações muito superiores em número de participantes ás do último 18 de outubro.
Esta convergência objetiva dos setores em luta, que une de fato a questão do regime de aposentadoria, o tema enormemente sentido pelo conjunto dos assalariados do poder de compra frente ã carestia de vida e ás reivindicações estudantis contra o avanço privatizadores na Universidade, tem se dado apesar de todas as tentativas das burocracias sindicais e estudantis de evitá-lo. Em um extremo, a direção completamente colaboracionista da CFDT (ainda que não tenha um peso decisivo no interior da SNCF) ficou completamente mal conformada apesar dos chamados de Chérèque a negociar e a suspender o movimento. Inclusive na marcha de Paris seu secretário geral foi repelido ao grito de “traidor”. Na semana passada, Maily, secretário geral de Force Ouvriére dizia que “Nós não apoiamos a priori uma convergência com os empregados públicos...Não estamos por fazer um movimento anti-Sarkozy de caráter político”. (Lê Monde, 14/11) Enquanto os empregados públicos convergiam com os ferroviários em 20/11, Alain Olive, secretário geral da UNSA, com presença nos primeiros declarava que: “Eu jamais estive a favor da confusão dos movimentos. O interesse dos empregados e agentes do estado é que suas reivindicações sejam tratadas de maneira separada” (AFP, 20/11). Por sua vez, Le Reste (secretária geral da CGT ferroviários, o sindicato mais forte do setor), apesar de ter feito de tudo para liquidar o movimento o mais rápido possível (o que não significa que tenha estado completamente de acordo com a proposta de Thibault de negociar “a seco” antes do início mesmo da greve na semana passada), se viu obrigado a chamar a greve a prosseguir graças ã pressão da base. Na realidade, Le Reste e outros burocratas sindicais só avalizam, uma vez que tratam de frear a greve o máximo possível com o chamado a negociar nesta quinta-feira, uma política de fatos consumados votada nas assembléias de base que decidem prosseguir a luta. Agora apresentando como triunfo a mesa de negociação aberta com o governo, só pedem que as assembléias gerais os apóiem em relação á necessidade de negociar.
O salto colaboracionista das direções sindicais
As direções sindicais do movimento operário francês não só buscam canalizar o descontentamento das massas contra as reformas neoliberais e evitar sua radicalização, como foi o caso de sua ação na greve geral de estatais de 1995 que fez retroceder parcialmente o então governo conservador de Chirac-Juppe, ou mais recentemente na luta anti-CPE, como mostra sua política consciente de evitar uma convergência dos movimentos em luta. Diferentemente do passado se dispõem a colaborar na aplicação do plano de contra-reformas de Sarkozy. Esta é a aposta de Thibault, secretário geral da CGT, que de ser considerado um herói das jornadas de 1995 passou a trair abertamente o movimento, da mesma maneira que Chérèque e a CFDT o fizeram com a luta dos empregados públicos e docentes em 2003, aceitando o aumento da idade para aposentadoria destes setores, desmontando uma dura luta. Como superar estas direções traidoras é a chave do momento para que a luta dê um salto.
Os limites do movimento atual
Os ferroviários em greve têm demonstrado um admirável grau de militância, coragem e tenacidade. Entretanto, diferentemente do governo não possuem nem uma estratégia, nem uma direção ã altura para triunfar na atual disputa. A crença de que se pode fazer retroceder o atual governo só pela força da mobilização nas ruas, não só é ingênua, como altamente perigosa. É que confinados em seus êxitos relativos de lutas anteriores este pensamento não leva em conta por um lado que estamos frente a um governo disposto a desmantelar o conjunto das conquistas que a classe operária francesa obteve desde a Libertação, e pela outra toma menos ainda em consideração o salto na colaboração da burocracia.
Estas, desesperadas para evitar um confronto político com o governo, estão trabalhando noite e dia para obter um podre compromisso que lhes permita acabar e trair a greve. Já no setor de gás e eletricidade, as burocracias das distintas centrais entraram em negociações desde a semana passada e virtualmente terminaram a greve, dividindo os trabalhadores de Gaz de France e EDF dos trabalhadores do transporte em greve [1]. O mesmo se propõem a fazer as seis centrais sindicais da SNCF, e isso vale também para SUD Rail, que frente ás aberturas de Thibault do dia 13/11 denunciava o “circo” da negociação e agora as aceita com o argumento de não ficar isolado, pactuando uma mesa redonda com os empresários e o governo para o dia 21/11.
Seguindo ã direção confederal da CGT, as direções sindicais aceitaram discutir assinatura por assinatura, avalizando implicitamente a demolição dos regimes especiais. Desta maneira, o governo tem conseguido impor que as direções sindicais aceitem o coração de sua política, em troca de eventuais contrapartidas em aumentos de salários ou de aposentadorias.
A política da extrema esquerda
A “extrema esquerda” na França tem participado desde o começo no atual movimento nas assembléias gerais e comitês de greves colocando a necessidade da unidade das lutas, o “toutes et toutes ensemble” (todos juntos) contra a política de Sarkozy. Mas o faz levantando essencialmente as reivindicações por setor e não lutando entre os ferroviários, empregados públicos e estudantes por um conjunto de demandas únicas que unifique verdadeiramente aos setores em luta e que seja um caminho oposto ao divisionismo e caráter corporativo que as burocracias imprimem a esta luta.
Mas o mais grave de sua política é que frente ao salto na traição das burocracias sindicais, em especial a CGT, tanto LO como a LCR têm se negado a denunciar abertamente a estas direções e fundamentalmente têm se negado a colocar concretamente a constituição de um organismo unificador das lutas em curso, uma coordenação democratimente eleita pela base em dois lugares de trabalho e estudo em luta que começaria por dar voz aos setores mais avançados da vanguarda operária e estudantil, com aspiração a expandir-se e colocar-se como direção alternativa ã burocracia traidora única via em perspectiva para derrotar Sarkozy e seu plano. E mais ainda. Em seu panfleto de 19/11 a direção da LCR se limita só a colocar que “A negociação sem mobilização é o terreno da MEDEF e do governo” e que “a abertura das negociações não pode pôr fim ã greve, senão ao contrário” sem oferecer um programa e um caminho distintos ã aceitação das direções do coração da reforma de Sarkozy que possa oferecer uma saída ã oposição e desconfiança da base sobre a negociação, desvalorizando de fato o caráter político da greve a uma uta reivindicativa ou de pressão sobre o que se negocia.
Em última instância a ausência de uma estratégia operária independente leva ás correntes da “extrema esquerda” frabcesa a se localizar como os setores mais combativos das centrais sindicais, mas sem oferecer uma perspectiva de conjunto oposta a estas que permitam superá-las e derrotar Sarkozy e seu plano. Esta orientação de classe não significa que isso seria realizável na confrontação atual pela força que a burocracia ainda conserva. Mas só uma política deste tipo poderia fazer com que surja uma verdadeira corrente de lutadores operários anti-burocráticos e combativos que nos próximos combates sejam capazes de disputar a direção do movimento com os dirigentes sindicais traidores. A discussão e formação de um “novo partido anticapitalista”, tal como propõe a LCR separado de um partido que se prove para estes combates decisivos na luta de classes careceria de todo valor revolucionário e só pode levar a constituir uma corrente eleitoral que se infle com o descontentamento contra o governo e o giro ao social-liberalismo do PS (e a débaclê do PCF), mas que não seja uma ferramenta poderosa para derrotar a grande patronal e o estado imperialista francês, única forma de dar urgentemente resposta a todos os problemas que afetam aos trabalhadores e ás classes populares na França.
– Para saber mais:
CFDT: Confederação Democrática do Trabalho, seu secretário geral é François Chérèque.
SNCF: Empresa nacional de ferrocarris
RATP:metrô e transporte coletivo da região parisiense
UNSA: União Nacional dos Sindicatos Autônomos, seu secretário geral é Alain Olive.
SUD Rail: ramo ferroviário da União Sindical “Solidarios”.
CGT: Confederação Geral do Trabalho, seu secretário geral é Bernard Thibault
PS: Partido Socialista.
PCF: Partido Comunista Francês
LCR: Liga Comunista Revolucionária, partido trotskista.
LO: Lucha Obrera, partido trotskista.
CPE: Contrato do Primeiro Emprego, repudiado por massivas mobilizações em 2006.
MEDEF: Movimento das Empresas da França, nome da central patronal.
Extrema esquerda: na França se reconhece com esse nome ás organizações de esquerda.
NOTASADICIONALES
[1] Apesar de tudo, tomando en conta a pressão da base em algumas empresas, as direções sindicais tiveram que voltar a chamar a parar no dia 20/11 para aderir ao movimento do setor público.