Nova declaração da LER-QI
O Katrina brasileiro
20/01/2011 Uma tragédia natural...mente capitalista
A região serrana do Rio de Janeiro tem sido palco da maior tragédia na história recente do país. No momento em que fechávamos esta declaração já haviam 742 mortos entre as cidades de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e Bom Jardim. Somente nas três maiores cidades, e também as mais afetadas, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo já estão contabilizados mais de 21 mil desabrigados e desalojados. A população local de Teresópolis e Nova Friburgo espera um infeliz número de ao menos mil mortos em cada uma destas cidades.
Uma tragédia naturalmente capitalista e organizada pelos governos
Guha-Sapir, especialista da ONU, declarou dias atrás ao jornal Estado de São Paulo que “enchentes ocorrem sempre nos mesmos lugares, portanto não são surpresas” e que em um país que tenta se alçar como potência seriam ainda mais absurdas em sua repetição, ela declara que “o Brasil não é Bangladesh e não tem nenhuma desculpa para permitir, no século 21, que pessoas morram em deslizamentos de terras causados por chuva”.
A repetida tragédia nacional de enchentes e deslizamentos tem ceifado centenas de vida em todo o país todos anos. Não há nada de imprevisto nem nas localidades afetadas, nem sequer na intensidade e concentração das chuvas ora em uma localidade ora em outra. Não há nada de natural que uma chuva, forte que seja, abata tantas vidas. A comparação com a Austrália, onde chuvas ainda mais torrenciais ceifaram somente 50 vidas escancara o descaso no Brasil.
A causa de tamanha destruição é a absoluta anarquia na organização dos espaços urbanos e rurais sob o capitalismo no Brasil e a garantia desta forma determinada de ocupação dos solos por todos governos brasileiros. Segundo a presidente Dilma as “moradias em áreas de risco são a regra e não a exceção”. O ministro de ciência e tecnologia, Mercadante, deu ã imprensa o lúgubre número de 5 milhões de pessoas vivendo em áreas sujeitas a enchentes e deslizamentos em todo o país.
A magnitude deste número de pessoas expostas contrasta com a inação e descaso dos governos. O governo Lula deixou ao governo Dilma um plano de habitação, o “Minha Casa Minha Vida” que prevê a construção de pouco mais de 1 milhão de moradias até 2014, e não serão todas elas destinadas a moradores de áreas de risco. As lágrimas que estes governantes hoje choram são lágrimas de crocodilo pois mesmo se seus melhores planos se realizarem, alguns milhões de pessoas, ora em um estado ora em outro, continuarão expostas as estes riscos e mortes recorrentes.
O Katrina brasileiro
Tal como o furacão Katrina que causou tremenda destruição e mortes em Nova Orleans nos Estados Unidos, onde era completamente possível retirar as populações e que os mortos e afetados eram principalmente pobres e negros, as chuvas da região serrana do Rio de Janeiro obedecem ã mesma lógica. Detectadas na capital do estado no começo da tarde de terça-feira as populações locais não foram avisadas, pois o sistema de aviso consiste em um envio de uma mensagem de texto de celular ás defesas civis locais, e estas, sempre desmobilizadas, ou não acusaram recebimento ou simplesmente não tinham como avisar a população e menos ainda planos e meios de evacuação.
Tal como o Katrina americano que teve sua devastação aumentada por falhas em um sistema de diques e contenção da maré, a prevenção brasileira é absolutamente pífia. O governo Lula gastou menos de R$ 170 milhões em contenção de encostas e prevenção de enchentes em todo o país em 2010, um valor que é o equivalente ao que é pago aos 25 mil detentores da dívida interna e externa em 10 horas (ou R$ 122 bilhões ao ano)! O governo Dilma, que vem promovendo cortes no orçamento, reduziu esta verba para pouco mais de R$ 140 milhões. E agora querem enganar a população com uma verba de mais de R$ 1 bilhão somando todos os níveis de governo para reconstruir as regiões afetadas. Com a ciência do governo Dilma e Cabral todos foram pegos de surpresa.
Tal como no Katrina americano que atingiu toda a cidade, brancos e negros, mas que teve a maior parte de suas vítimas entre os negros que não puderam deixar a cidade, o mesmo se desenvolve na região serrana. Grande parte da atenção dos governos e da mídia concentra-se em bairros centrais, nobres ou mistos; no entanto, as regiões rurais das cidades estão deixadas a sua própria sorte com praticamente nenhum bombeiro ou resgatista trabalhando. A população é quem se ajuda e desenterra seus próprios mortos.
A cara serrana de uma tragédia nacional
Há um sem número de desabrigados e desalojados em todo o país, concentrados na mais rica região sudeste. Com menor intensidade que na região serrana a tragédia que se abate sobre cidades da região metropolitana de São Paulo e quase uma centena de municípios em Minas Gerais é produto da mesma lógica capitalista de ocupação dos solos e descaso dos governos. O caso de São Paulo é ao mesmo tempo emblemático e aberrante. Cidades como Franco da Rocha estão completamente inundadas porque a empresa estatal de águas, SABESP, sob a lógica do lucros dos governos tucanos tem deliberadamente inundado a cidade para auferir maiores pagamentos.
No estado de São Paulo as represas, mesmo as da estatal, são remuneradas pelo nível de água na mesma e a empresa ao invés de verter o excedente paulatinamente conforme ia subindo seu nível no decorrer dos meses deixou para fazê-lo em forma abrupta após o reservatório alcançar cerca de 100% para no ínterim conseguir os pagamentos máximos por sua represa. A ganância capitalista mata!
Da criminalização da pobreza a militarização da tragédia
Seguindo o mesmo ganho subjetivo recente a partir da ocupação militar dos complexos da Penha e do Alemão no Rio de Janeiro, a burguesia brasileira tem promovido uma imensa militarização da região serrana. Se no Rio de Janeiro haviam implementado o “expertise” adquirido por anos reprimindo a população haitiana, trata-se agora de garantir a propriedade privada contra as necessidades da população. Se no Rio de Janeiro tratava-se de uma faceta particular de um processo denunciado por diversos movimentos sociais como “criminalização da pobreza” agora trata-se de garantir a mesma pobreza e a ordem capitalista mesmo em meio ã tragédia.
As cidades da região serrana estão militarizadas com diversos corpos policiais estaduais e federais, e ainda o exército as ocupando. No centro das cidades e nos supermercados diversos policiais garantem a continuidade dos preços abusivos fruto do descarado roubo dos capitalistas ou da mais corriqueira inflação produto da destruição e da nova enxurrada de demanda por água mineral e velas, por exemplo. As declarações da polícia de que prenderão quem abusar nos preços são declarações ao vento, pois garantem militarmente que aqueles que tem fome e não tem dinheiro não possam ter acesso ao que necessitam.
Por um programa de resposta ã emergência e pela garantia de moradias dignas e seguras
Os governos estão garantido a continuidade da catástrofe ao militarizar as regiões, ao mesmo tempo que nos bairros afastados, pobres e rurais nesta região que é o cinturão verde do Rio de Janeiro, promovem a continuidade de uma resposta ã emergência que é anárquica, irracional e incapaz de garantir decentes condições de saúde e vida para os moradores. Exigimos:
– Uma ampla campanha nacional de solidariedade operária e popular em cada local de trabalho e moradia coordenada pelos sindicatos, organizações de esquerda e associações de moradores!
– Pela imediata disponibilização de resgatistas, médicos, enfermeiros, psicólogos e maquinaria por todas grandes empresas como a Petrobrás e Vale do Rio Doce e as universidades! Pela formação de uma brigada de resgate e obras coordenada por especialistas de universidades e centros de pesquisa junto a sindicatos e grupos de moradores e voluntários!
– Pelo confisco dos quartos dos hotéis desta região turística para garantir decentes e higiênicas condições de moradia a tantos desabrigados! Pela imediata utilização dos prédios públicos e privados desocupados, para fins de abrigo e das necessidades da população!
– Pelo confisco dos estoques de supermercados, grandes redes de farmácia e todos outros produtos de necessidade imediata! Por sua distribuição racional segundo planos coordenados pelos moradores, sindicatos e voluntários!
– Pela imediata instalação de postos volantes de primeiro atendimento médico em todas localidades coordenadas ã ambulà¢ncias e hospitais. Por uma brigada médica formada por estudantes de medicina e enfermagem. Que os centros acadêmicos e sindicatos organizem estas brigadas!
– Pela imediata desmilitarização da região serrana! Retirada de todas tropas! Pela retiradas das tropas e reversão dos gastos com a ocupação do Haiti e dos morros no Rio para gastos com esta emergência! O povo precisa de resgatistas, engenheiros, obras e máquinas, não de soldados!
– Fim de todos impostos destinados aos monopolistas do solo urbano, sobretudo a família Bragança e Orleans, herdeira do trono brasileiro, que recebe impostos por todo centro de Petrópolis. Pela expropriação das propriedades desta família para fins de moradia!
– Pela expropriação dos campos de golfe e clubes de campo para garantir terras cultiváveis aos pequenos agricultores! Pela estatização sob controle operário de todas grandes fazendas para garantir hortaliças e alimentos ã toda população!
– Pelo não pagamento das dívidas e sua imediata reversão em um plano de obras públicas!
– Pela reestatização sob controle operário de empresas de água para que mais nenhuma tragédia por ganância capitalista ocorra!
– Que os sindicatos e centrais governistas rompam com seu silêncio em apoio a “seu” governo e encabecem uma campanha por estas reivindicações emergenciais! Que os sindicatos e as centrais sindicais constituam um urgente plano de lutas para impor esta resposta ã emergência!
A atuação da LER-QI e da esquerda nesta tragédia
Como era de se esperar a CUT e sua regional CUT-RJ demoraram quase uma semana para sair de seu silêncio sepulcral cúmplice das mortes para defender seu governo. Agora organizam contas para doações e incentivam os trabalhadores a doarem nos postos oficiais. Mas como seguir esta orientação se até a Cruz Vermelha, conhecida por “conseguir” trabalhar com sangrentas ditaduras em todo o mundo, tem denunciado a atuação da prefeitura de Teresópolis?! Tal como ocorrido em outras catástrofes há denúncias de corrupção. A esquerda, com um atraso semelhante aos governistas, também demorou dias para começar uma campanha.
Nós desde a LER-QI, junto a companheiros petroleiros efetivos e terceirizados pudemos organizar e participar da imensa solidariedade demonstrada no terminal de Campos Elíseos em Duque de Caxias. Esta campanha, organizada pela CIPA e por trabalhadores que vivem na região afetada, conseguiu levar duas caravanas de doações ã população organizada, sobretudo no interior de Teresópolis, região esquecida pelas autoridades. Os petroleiros de Campos Elíseos mostram o caminho! Por sua vez, a CSP-Conlutas, dirigida pelo PSTU e com uma importante participação de correntes internas do PSOL, que reúne importante sindicatos de funcionários públicos no Rio de Janeiro, iniciou uma campanha de solidariedade operária e popular para garantir, por seus meios, o envio de doações ás populações afetadas. Saudamos esta primeira iniciativa e nos propomos a coordenar ações comuns. Entretanto, este primeiro passo está, ainda, longe das possibilidade desta central nacional. É fundamental que cada sindicato que dirigem e as oposições que fazem parte organizem uma grande campanha em cada lugar de trabalho e convoquem uma plenária estadual para colocar de pé um plano de luta para impor uma saída operária e popular a esta crise. Também precisamos organizar manifestações no Rio de Janeiro e em todo o país em apoio aos afetados e em denúncia do desinteresse destes governos pelas condições de vida da população!