França
O fim da lua de mel com Sarkozy
15/02/2008
O novo na França é a acelerada perda de popularidade da figura presidencial, ao calor dos sinais de agravamento da economia no marco da crise econômica mundial, a decepção de uma porção crescente de sua base direitista, o aumento dos preços e a queda do poder aquisitivo - um dos eixos populistas da campanha eleitoral de Sarkozy que o tem afastado de uma parte dos trabalhadores que votaram nele - uma crescente rivalidade entre o presidente, o primeiro ministro e a multiplicação de lutas internas e a crescente distância entre a UMP (União por um movimento popular) e seu principal referente que dão como resultado uma crescente “desconstrução” da hegemonia sarkozysta antes inclusive de que a classe operária tenha golpeado de forma contundente.
Uma acelerada perda de popularidade da figura presidencial
A perda de popularidade de Sarkozy tem sido brutal, como testemunha sua derivação na sondagem no curso das últimas semanas: em cinco meses, depois de setembro de 2007, a cota de apoio da população caiu 23 pontos, segundo a empresa de pesquisas Sofres. Pareceu que tudo que o havia beneficiado no começo de seu mandato e até o outono, tem se convertido bruscamente em seu contrário, o que alguns analistas chamam de efeito bumerangue.
A imprensa dá testemunha dessa nova realidade do presidente francês. O esquerdista Le Nouvel Observatour apresenta a manchete: “O presidente que faz pife”. Porém, mas expressivo é o que dizem as revistas claramente direitistas que até a pouco não se cansavam de contar as bondades do habitante do palácio do Eliseu: Le Point anuncia em sua última capa com a foto de Sarkozy “Aquele que manca” o L’Espress tem na manchete outra foto do mandatário com “ A decepção”. No entanto, junto a isso também tem mudado a atitude das rádios, da televisão e dos periódicos que antes se deixavam hipnotizar por sua magia e agora ao calor das pesquisas desfavoráveis começam a mudar de atitude e se tornam mais desinibidos e críticos. Para uma pessoa que fazia ostentação de sua desenvoltura com a mídia, é um duro golpe. Daí o nervosismo e as querelas judiciais que começou a lançar contra os meios de comunicação, rompendo uma tradição posterior a primeira presidência de François Miterrand de que os presidentes não costumam demandar judicialmente ã um órgão de imprensa. Assim em 7 de fevereiro, seu advogado denunciou a edição digital de Le Nouvel Observateur, que expôs na rede uma suposta mensagem do presidente francês para sua ex-mulher, Cecília: “Se volta, eu anulo tudo”, antes de se casar com Carla Bruni, a ex-modelo e cantora italiana. Por sua vez a presidência francesa ganhou uma querela contra a companhia aérea irlandesa Ryanair por causa de um anúncio publicado no jornal Le Parisien para promover suas passagens utilizando uma foto do presidente e sua então namorada. Da boca de Bruni sai um balàozinho que diz: “Com Ryanair, toda a minha família pode vir ao meu casamento”. Também se proliferaram piadas de todo o tipo contra a investida presidencial. Contudo, vamos as razões de fundo da queda.
Uma economia que não melhora, ainda piora
Longe do choque de confiança que havia prometido Sarkozy, a economia francesa não melhora; senão que pelo contrário piora. Pelo quarto ano consecutivo, a França acusou em 2007 um saldo negativo de sua balança comercial - 39170 milhões de euros. Um recorde depois de 2006 que registrou 28.200 milhões de euros de déficit e 22.800 milhões de euros em 2005. [1]
Esse deterioramento de sua frente econômica externa não se deve somente a elementos conjunturais como o aumento dos preços do petróleo ou a valorização do euro, senão que reflita uma realidade mais estrutural: a perda de competitividade da economia francesa e a perda de posições no mercado mundial. O retrocesso é significativo na zona do euro comparado, por exemplo, com o superávit comercial (215.000 milhões de euros em 2007) e fiscal da Alemanha. O saldo de intercâmbios comerciais se degrada ou, quando muito, se estabiliza de forma negativa - em todas os ramos de produção, sejam os bens de produção, os bens de consumo, ou os bens intermediários (produtos químicos, metais, minerais, materiais elétricos, cartão de papel, têxteis, pneumáticos, madeira,etc.). No setor automotriz a queda é constante desde 2003. Em 2007, a venda na França de automóveis fabricados no exterior aumentaram 8,8% dando conta de 994.000 veículos, isso quer dizer 48,2% do mercado (frente a 45,7% em 2006). Os dados globais mostram uma debilidade da industria francesa e uma forte dificuldade para posicionar-se nos produtos de alto conteúdo tecnológico. Assim, as empresas que exportam passaram de 110.000 em 2000 a 98.000 na atualidade, as exportações se concentram em um núcleo cada vez mais reduzido(as 100 primeiras empresas representam 40% do total, e 1% das quase 100.000 companhia exportadoras dão conta de 70% do valor das exportações) e o mais preocupante é que no segmento da alta tecnologia, as mesmas estão ligadas somente ao setor aeronáutico, o que faz estreitamente dependente a balança comercial francesa das vendas da Airbus.
Entretanto, essa debilidade da economia francesa não significa que os lucros de seus maiores grupos não aumentaram de forma importante. Os lucros das empresas do CAC 40 [2] progrediram 26% entre 2004 e 2005 e 10% entre 2005 e 2006, alcançando quase 100 milhões de euros. Contudo, essa alta dos lucros não se explica fundamentalmente pela conquista de novos mercados nem por um crescimento da produção, senão pelas fusões, reestruturações, deslocalização, assim como também pelo aumento da taxa de exploração dos trabalhadores com o conseqüente incremento da precariedade do trabalho, a redução dos planteis de empregados, as horas extras, etc. A debilidade do investimento segue as características do desenvolvimento da economia mundial das últimas décadas [3], e é uma expressão da falta de perspectivas em longo prazo do capitalismo francês e mundial [4].
De conjunto, a economia francesa se estanca. Durante 2007 cresceu míseros 1,9% contra as previsões do governo que dizia entre 2% e 2,5%. O agravamento constante de sua dívida pública é outra expressão da crise do capitalismo francês. Ao final de 2006, o déficit público dava conta de 3% do PIB e a dívida acumulada chegava a 64,2% do PIB. Segundo estimativas do FMI, poderia alcançar 67% do PIB ao final de 2008. Tenhamos em conta que o máximo do endividamento autorizado pelo “Pacto de estabilidade e crescimento”(tratado de Maastricht) é de 60% do PIB.Os juros rendidos pelo Estado através do pagamento de sua dívida são próximos a 17% do orçamento estatal, uma soma superior a totalidade das entradas pelo imposto de renda.
Em 2008, a taxa de crescimento se prognostica ainda mais débil ao calor da recessão norte-americana e seus efeitos na economia mundial em geral e na zona do euro em particular [5]. Para completar, ao contrário de muitos de seus sócios europeus, a França não tem margem de manobra orçamentária - “seus caixas estão vazios”, disse recentemente o presidente para negar todo aumento salarial-, o que a priva do único elemento disponível de política econômica contracíclica frente ã crise. O outro, a desvalorização monetária, desde a existência do euro como moeda comum já não depende das autoridades francesas e sim do BCE. Daí os crescentes choques de Sarkozy com essa entidade, que reflete as posições economicamente mais ortodoxas e os interesses do mais forte imperialismo alemão, apesar de estar dirigido por um francês. Esses podem crescer no segundo semestre com o exercício da presidência da EU por parte da França. Muitos em Bruxelas temem essa perspectiva.
Uma crescente perda de sua base social de direita e conservadora
Junto ás perspectivas econômicas sombrias para o futuro, a queda de popularidade de Sarkozy se explica porque suas políticas e o acionar delas, não contentam ao núcleo duro de sua base social, os eleitores de direita e conservadores. É surpreendente que os farmacêuticos, cabeleireiros, tabeliões, taxistas, setores tradicionais da direita, estejam enervados contra o presidente e possam se vingar nas próximas eleições municipais.
As razões da cólera são variadas e vão desde a ostentação da função pública que faz o presidente com sua vida privada convertida em espetáculo midiático, seus gostos de novo rico e contatos com os poderosos; passando pela oposição à liberalização de muitos ofícios profissionais e/ou artesanais como os que se propõem na reforma Attali, avalizada em todas as suas medidas pelo presidente com o desagrado da mesma UMP, até as vantagens que recebem os grandes grupos em detrimento aos pequenos patrões das Pymes (pequenas e médias empresas).Na realidade todas se combinam. As revistas e diários reúnem as expressões dessa fúria: “Eu sempre votei na direita, senhora, mas com um presidente assim de indecente...” [6]. É que os romances presidenciais chocam profundamente um eleitorado de direita burguesa, provinciano e grande em idade. Porém, esse seria um comentário moral se não se combinou com outras iras. Essas são as que desataram as propostas de reforma da comissão “para liberar o crescimento” encabeçadas por Jacques Attali, social democrata e antigo conselheiro de Miterrand. Sua proposta, de aumentar o número de táxis e permitir a entrada de remises [7], tem causado insubordinação aos taxistas que baixo ao lema de “Não toquem no meu táxi” tem paralisado durante dias as artérias das grandes cidades e em particular de Paris, fazendo recuar sobre essa reforma. Mas os cabeleireiros não estão atrás: A Federação nacional de salões de beleza (6000 aderentes sobre 147.000 ativos) está indignada com a idéia de suprimir a exigência de um diploma profissional para abrir um salào. O conselho Superior de tabeliões não quer saber nada da liberdade de instalação e nem da supressão das tarifas regulamentadas. Os advogados também rechaçam os considerandos do relatório Attali “baseados em afirmações errôneas e caricaturescas”. Por esquerda, digamos de passagem, que as direções sindicais denunciaram o caráter “antisocial” e “ultraliberal” das proposições do relatório. Os sindicatos de docentes denunciam a “liberdade de escolha total” dos estabelecimentos escolares pelos padres que vai aprofundar as diferença entre eles, assim como rechaçam que os chefes dos estabelecimentos educativos possam escolher os docentes. É significativo, por sua vez, que o Relatório foi cumprimentado por Segolène Royal, a candidata do PS na última eleição presidencial.
Junto a essas fontes de ira, a base social dd direita do atual mandatário também está enervada pelas vantagens que recebem os poderosos. Em Alsacia, onde Sarkozy havia ganhado amplamente nas presidenciais, se escutam os seguintes comentários de cidadãos de direita: “Sarkozy não apóia as empresas familiares” [8]. “‘O artesão não se enquadra com esse delírio de grandeza. Sarkozy forma parte das elites econômicas mundializadas, sempre entre dois aviões, que fazem as reuniões em inglês por telefone’, deplora Jean Pierre Beschler, artesão padeiro forte e presidente da Câmara dos ofícios desde 2000... ‘Eu votei por Sarkozy, eu era sensível a sua vontade de liberar o trabalho. Porém, depois compreendi que ele não conhecia o terreno e que nós não teríamos nada a ganhar” [9]. E todas as iras mesclam como demonstra o seguinte comentário deste pequeno comerciante: “Nós depositamos muita esperança em Nicolas Sarkozy. Estivemos esperando e por agora não aconteceu nada... Estamos dispostos a esperar, todavia, mas que nossas cargas fiscais diminuam, também a ganhar, mas ainda que seja trabalhando um pouco mais. Mas é necessário que ele também ponha as calças. Está calro que ele tem o direito de casar e sair de férias, mas podia fazer mais discretamente. Não está obrigado a tomar um yate para descansar.” [10]
A espada de Dâmocles [11] do aumento de preços e a queda do poder aquisitivo
Contudo, se existe algo que enerva, isso sim, ao conjunto das massas e em particular as massas trabalhadoras e assalariadas, é o aumento dos preços dos produtos de consumo, o aluguel da moradia e a míngua constante do poder aquisitivo. Tão assim palpável é a situação, que o famoso lema da campanha eleitoral sarkozista de “trabalhar mais, para ganhar mais”, com o que havia dado uma resposta pela direita a um ponto amplamente sentido pela população trabalhadora- a queda do poder aquisitivo do salário- se transformou no oposto “Trabalhar mais para pagar mais”. E assim que segundo as pesquisas, mas de 58% dos franceses julgam mal sua política econômica contra 39% que ainda consideram-na boa. Mas ainda quando o presidente aumenta seu próprio salário em 140% e frente ao crescente mal estar popular por causa do poder aquisitivo, somente se atreve a provocar dizendo que “os caixas estão vazios”.
Essa desilusão e essa necessidade cada vez mais premente para milhões de assalariados com ganhos super baixos, é que está detrás de fenômenos novos da luta de classes como foi a paralisação de uma ou duas horas em todas as cadeias de supermercado da França, onde trabalham 650.000 trabalhadores e a ameaça das três centrais sindicais que chamaram a medida (CGT, CFDT e FO), de prosseguir com novas ações em fevereiro se os patrões não ouvirem suas reclamações. As caixas dessas grandes cadeias, um dos setores mais explorados da classe trabalhadora francesa, cujo salário apenas chega a 600 euros ao mês e que sempre sofrem sua brutal exploração em silêncio, começaram a falar. Mas também a queda do poder aquisitivo é a discussão dos chamados “cadres”, um setor de profissionais (engenheiros, arquitetos, designers, etc.) que se encontram no setor mais aristocrático, o de chamados trabalhadores de “colarinho branco”. No marco do crescente aumento dos produtos alimentícios que vem se manifestando e que pode se acelerar durante todo o ano, a reclamação de um aumento imediato de salários pode ser a pedra de toque que eletrize de uma vez por todas os distintos setores assalariados contra o sarkozismo.
Tensões do Palácio e no partido do governo
Ao calor da perda acelerada de popularidade do presidente, começou a surgir de forma aberta ou encoberta todas as tensões dentro da maioria da direita. O Primeiro Ministro, François Fillon, conta com mais popularidade que Nicolas Sarkozy. Isso foi registrado duas vezes usando o mesmo barômetro IFOP, em 1981 para a dupla Miterrand-Mauroy e em 1995 para a colaboração Chirac-Juppe.Porém, o inovador é que isso se dá somente sete meses após a eleição presidencial.Isso é inédito na história do regime da V república, onde a figura do Primeiro Ministro atua como uma válvula de escape da ação governamental preservando a figura do presidente do desgaste. No entanto, o sarkozismo implicou uma inversão dos papéis onde a hiperconcentração e o hiperativismo de Sarkozy relegou a figura do primeiro ministro um rol inteiramente passivo. Essa nova função da presidência não é somente uma expressão do caráter de Sarkozy, senão uma expressão da necessidade da burguesia francesa, que depois de anos de paralisias e resistências que bloquearam parcialmente a aplicação do plano neoliberal, creia encontrar em Sarkozy uma figura que aqui e agora, o mais rapidamente possível e até o final, sem desperdiçar a onda inicial de apoio, avançava qualitativamente com as reformas capitalistas postergadas.Mas o prematuro desgaste da autoridade presidencial está levando a uma relação instável com Fillon, de competência e desconfianças, que pode terminar com a renúncia do Primeiro Ministro mais cedo que tarde.
Contudo, as intenções da dupla de governo se estendem e multiplicam no seio do gabinete, que se converteu em uma caverna de intrigas e conspiração. Os rumores sobre a demissão da ministra de economia, a crítica pelos membros do governo a política de seus colegas, a promoção de Xavier Bertrand, atual ministro do trabalho, por Sarkozy como um recurso útil contra a figura ascendente de Fillon, assim como os adjetivos que entre eles se dirigem (Rachida Dati, ministra de justiça, é batizada como “rainha da intriga” por um de seus colegas masculinos em tanto que Xavier Bertrand tem sido erguido como cabeça de turco por seu “ativismo, sua ambição e sua atitude bajuladora” [12]; são uma mostra do ambiente podre que se cheira no palácio a semanas das eleições municipais.
Mais significativas ainda são as distâncias com respeito a Sarkozy dos prefeitos e dos candidatos da UMP em Marselha, Lyon, Toulouse, Arles, Angers e outras numerosas cidadades, que não querem baixo a nenhum aspecto a visita de apoio do presidente por suas terras. Alain Juppe, prefeito de Bordeaux, e quem foi ministro do atual governo até sua derrota nas passadas eleições parlamentarias, chegou ao ponto de publicar um comunicado dizendo que rechaçaria um posto no governo e fez desaparecer de seus panfletos e documentos eleitorais toda a referência ao partido sarkozista, a UMP.
A gota que encheu o copo foi a obrigada demissão do “sarko boy” e porta-voz presidencial, David Martinov [13], da carreira da prefeitura em Neuilly-sur-Seine- o feudo de 60.000 habitantes de classe alta e aristocrática que dirigiu Sarkozy durante anos- devido a sua inevitável derrota a mão de um chefe de empresa, Jean-Christophe Fromantin, toda uma revolução para essa fortaleza aristocrática. Inclusive agora a UMP se presta a apoiar esse candidato de direita, mas não membro da UMP, e não ao filho de Sarkozy, Jean Sarkozy, que foi pressionado por seu pai a dar um passo de canto.
As primeiras “desconstruções” da hegemonia sarkozista
Todo o anterior não somente grava uma perda de popularidade senão que, mais profundamente, começa a mostrar as primeiras brechas da hegemonia sarkozista. O sarkozismo como fenômeno bonapartista, é expressão de uma saída pela direita ã “instabilidade hegemônica” [14] que havia se aberto na França nos inícios do século XXI. Forte na aparência frente ã débâcle e covardia do PS e do PC e das direções oficiais do movimento operário e da ausência de respostas pela esquerda está se demonstrando estrategicamente demasiado débil frente as gigantescas tarefas que implicam liquidar o conjunto das conquistas obtidas pela classe operária francesa desde a Liberação e de restaurar a competitividade e o lugar da França no mundo.Em outras palavras, antes de que a classe operária tenha dado golpes decisivos, a hegemonia sarkozista começa a se “desconstruir” por suas próprias contradições, expressão em última instância do declínio do capitalismo francês.
Isso é o que prova a política e a ação sarkozista que não se decide, no terreno econômico, entre um “ofertismo” a lá Reegan-Thatcher, ou uma política da demanda keynesiana, questão que faz com que se choque com Bruxelas, aplicando pedaços de ambas sem convencer a nenhuma. O mesmo no terreno da desregularização e liberalização dos negócios capitalistas onde seu liberalismo até a morte no discurso e certas propostas, como as recomendadas pela Comissão Attali, se choca com suas políticas intervencionistas ou estatísticas, como frente ã crise e plano de demissões da fábrica siderúrgica Arcelor-Mittal de Gandrange, propriedade do magnata hindu e um dos homens mais ricos do mundo, Lakshmi Mittal, onde Sarkozy se comprometeu a que o Estado fará “todos ou parte dos investimentos necessários”, ou sua ingerência para substituir o CEO da Société Génerale, Daniel Bouton, depois da escandalosa e massiva fraude. Sem nomear as contradições de sua política exterior entre seu discurso que enfatizava os direitos do homem e as necessidades da “Realpolitik”.
Todas essas ambigüidades, apesar de seus avanços em liquidar as “aposentadorias especiais” dos ferroviários, empregados da RATP e trabalhadores de GAZ de France e de EDF (provedora de energia elétrica), entre outros, o dos passos dados em acordar com as direções sindicais a “flexibilização trabalhista francesa” a começo de janeiro, leva a muitos setores da patronal ou dos meios financeiros franceses ou da Europa a duvidar de seu caminho e sua promessa de “ruptura”, ficando para eles em uma frustrante “metade do caminho”.
Esse começo da perda de hegemonia do sarkozismo (seu grande sucesso político que, ao estilo gramsciano segundo as mesmas palavras do então candidato Sarkozy, permitiria a ele reformar a França), começa a ser notado com a virada ao sakoceticismo de alguns intelectuais que haviam apoiado a ele e que haviam ajudado a construir esse novo discurso hegemônico. Esses intelectuais atlantistas, liberais, a flor e nata da inteligência “anti-norteamericana” estão em uma severa desilusão com o atual presidente. A política exterior sarkozyana deixa-os estupefatos e assim como ontem o louvaram, hoje batem em cólera, como é o caso de Pascal Bruckner que escreve um artigo chamado “A desonra”: Ah, è bela a ruptura! Já tivemos a visita humilhante ao regime anti-semita de Bouteflika [15], o chamado caloroso ao autocrata Putin, o convite a Paris do bufão Chaves.
Para quando o tapete vermelho diante de Ahmadinejad [16]? [17] Para outros como Marc Weitzmann, um sarkofilo assumido, durante toda a campanha eleitoral, a frente de rechaço que suscita Sarkozy se compõe em grande parte de uma burguesia legitimista, reticente em forma inata ao liberalismo, que toma ao presidente por um novo rico” [18]. Outro grande ramo de desilusão são os intelectuais abertamente liberais que creiam nele. “Em todo caso- confessa a meia voz o papa da sociologia liberal, Raymond Boudon-, eu lamento vivamente que, desde sua eleição, o presidente não tenha clarificado os princípios sob os quais fundamenta sua ação. Tivera sido possível explicar aos franceses que o imposto sobre as fortunas era um dispositivo absurdo. A Suécia, que não é um exemplo de ultraliberalismo, abandonou, ela mesma, esse imposto!” [19]. Para o ensaísta liberal conhecido mundialmente, Guy Sorman: "o contrato está quebrado. Ele [Sarkozy] foi eleito sob um programa relativamente preciso: em política exterior, o apoio a democracia; em política interna, a necessidade de encaminhar a França até um sistema econômico mais liberal. Esse programa não foi executado. É o democrata em mim que está decepcionado" [20].
Para os trabalhadores é fundamental aproveitar esse começo do declínio da hegemonia sarkozista, que pode ter sua primeira grande manifestação política nas eleições municipais de março, para dar um salto em sua resistência contra a ofensiva capitalista. Mas para isso, não somente devem se livrar da nefasta influência da burocracia sindical - que se passou com armas e bagagens ao campo da contra-reforma capitalista- senão também do caráter limitadamente corporativo de suas lutas, que junto ã ação das direções sindicais foi, ainda que em menor medida, o que impediu um verdadeiro “tous ensemble” [21] no primeiro teste de força contra o governo em novembro passado [22]. Somente uma luta que reúna todas as misérias e injustiças a que são submetidos o conjunto dos trabalhadores, desde baixos salários, desemprego massivo, descriminação dos jovens das banlieues, assim como contra as intervenções imperialistas francesas em seu pátio traseiro como é o caso atual de Chad, pode unificar as filas da classe operária francesa contra as divisões que impõe a patronal e avaliza a burocracia. Dessa maneira, uma reconquistada “centralidade operária” poderia ser capaz de opor uma contra hegemonia a da França burguesa e aristocrática, que seja uma saída para os milhões de assalariados ao mesmo tempo em que ganhar a centenas de milhares de pequenos artesãos, comerciantes e membros de outras profissões, sem cuja simpatia ou ao menos neutralidade, é impossível a perspectiva da revolução socialista em um país imperialista como a França.
Traduzido por: Paula Litcha
NOTASADICIONALES
[1] É interessante notar que a degradação da balança comercial tem sido espetacular ao cabo de uma década, se temos em conta que em 1997 a economia francesa tinha um excedente de 23.800 milhões de euros.
[2] Principal índice da Bolsa de Paris.
[3] Ver revista Estratégia Internacional N° 24 em www.ft-ci.org
[4] O investimento no setor industrial aumentou 1% em 2001, caiu 13% em 2002 e nos anos seguintes sua evolução é próxima de zero.
[5] Ainda que tenham se mantido invariáveis as taxas de lucro ao contrário, de sua contraparte, da Reserva Federal norte-americana, o Banco central europeu(BCE) começa a mostrar-se inquieto pela economia européia, como demonstram as declarações de seu presidente que abriu as portas a uma eventual baixa das taxas nos próximos meses.Jean-Claude Trichet tinha julgado “ não geralmente elevadas” as incertezas que rondam sobre a economia, uma linguagem pouco habitual para ele.Em 29 de janeiro, o FMI publicou uma análise, na qual prediz que a zona do euro poderia passar de + 2,6% em 2007 para +1,6% em 2008.
[6] Marianne N° 564, de 9 a 15 de fevereiro.
[7] Nota do Tradutor: tipo especial de carro alugado com motorista, chamado por telefone.
[8] Idem.
[9] Idem.
[10] Idem. Igual bronca, têm os donos de bares que devem respeitar a proibição de fumar desde o começo desse ano, que levou a uma considerável perda de clientela em particular nas zonas de província, onde o bar é refúgio de operários e camponeses depois de uma dura jornada de trabalho; quando vêm a Sarkozy fumar seus grandes cigarros como mostram as fotos de Paris Match.Muitos estão se organizando para resistir a essa medida, inclusive realizando greves de fome.
[11] NT: Sobre a expressão “a espada de Dâmocles". O nome vem de Dâmocles, um personagem de uma anedota da mitologia grega, que depois foi usado por Cícero. O homem vivia na corte de Siracusa, freqüentava o palácio e era amigo do rei, expressava constantemente sua inveja pelas delícias proporcionadas pelo trono. O rei, para mostrar-lhe o perigo e as contradições do poder, ofereceu-lhe um requintado banquete, ao mesmo tempo em que deixara suspensa sobre a cabeça de Dâmocles uma espada que pendia ameaçadoramente do teto, presa apenas por um único fio delgado.
[12] Le Monde, 11/02/08
[13] David Martinov, 36 anos, no começo dos 90 foi secretário geral dos coletivos de estudantes liberais da França. Entrou na função pública depois de sua promoção em 1998 na ENA, a Escola Nacional de Administração de onde surgem as elites que vão dirigir a França.
[14] Está expressão poulantziana dos anos 70, se utiliza Stahis Kouvélakis em seu livro “La France em revolte”. Alé a define nos seguintes termos: “A capacidade de direção e de obtenção de consenso dos “de cima” está diminuída, uma crise de representação e de governabilidade (uma crise de estado nos termos de Poulantzas) se desenvolve e se aprofunda, sem que “os de baixo” sejam, no entanto, capazes de impor suas próprias soluções e de ir mais além de infligir derrotas (bem entendido decisivas) ás ofensivas parciais da classe dominante “Esse período se manifesta abertamente em 21 de abril de 2002 quando nas eleições presidenciais o Partido socialista não chega ao segundo turno relegado por Le pen, passando pela derrota do Tratado Constitucional europeu no plebiscito de maio de 2005, e tem seu ponto culminante na revolta das banlieues no final desse mesmo ano e no movimento de massas contra o CPE de fevereiro-abril de 2006.
[15] Presidente da Argélia.
[16] Presidente do Irã.
[17] Le Monde, 14/12/07.
[18] Marianne N° 564, de 9 a 15 de fevereiro de 2008.
[19] Idem.
[20] Idem.
[21] NT: todos juntos
[22] Ver La Verdad Obrera N° 260 e 261 em: www.pts.org.ar