Bolívia
O que se decide nas próximas eleições?
07/12/2009
No dia 06/12 acontecem na Bolívia as eleições presidenciais e legislativas. O governo do MAS, encabeçado por Evo Morales e Álvaro García Linera, busca o voto popular em nome do “processo de mudança”. Mas para além das grandes expectativas que havia aberto o governo do MAS, durante esse primeiro mandato, não existiram soluções reais aos grandes problemas nacionais dos trabalhadores e do povo humilde. Não desapareceram os baixos salários nem a precarização do trabalho, enquanto persistem o desconhecimento dos direitos operários e os abusos empresariais; preservou-se a grande propriedade de terras e a reforma agrária ficou no esquecimento; e a prometida libertação dos povos originários ficou reduzida ao “reconhecimento constitucional” e algumas concessões parciais.
A quatro semanas da votação, Evo Morales e o MAS mantêm uma clara vantagem, com mais de 50% da intenção de voto frente a uma oposição direitista debilitada e desacreditada. Frente o previsível triunfo da fórmula oficialista, o centro da disputa eleitoral muda para como se integrarão as câmaras de deputados e senadores que conformam a “Assembléia Legislativa Plurinacional”.
Como o MAS chega ás eleições?
Ainda que com uma situação econômica de “desaceleração”, o governo do MAS se beneficiou de um crescimento de 3% do PIB durante esse ano e o “equilíbrio macro econômico”, o que lhe valeu a complacência de empresários, banqueiros e até felicitações do FMI. Evo Morales conta, além disso, com um amplo apoio social e conseguiu cooptar ás direções da Central Operária Boliviana e a maioria dos sindicatos e organizações sociais, o que lhe garante controle sobre o movimento de massas, lhe permite isolar as lutas e até perseguir os setores de vanguarda.
Essa fortaleza política do MAS tem um de seus pontos de apoio chave nos pactos e acordos com as distintas expressões da classe dominante (com o aval da OEA, do Brasil e da UNASUL), que, em troca de enormes concessões e garantias ã burguesia tem viabilizado a aprovação de uma nova CPE (Constituição Política do Estado) “consensuada” com a direita e o chamado a essas mesmas eleições de dezembro.
Apesar da campanha, seguem primando os pactos
Apesar das tensões características da campanha eleitoral, existe um clima de distensão por trás da grande crise política que percorreu o país recentemente. Isso se deve centralmente aos pactos que tem limado as diferenças e aproximado as posições do governo e da direita. O governo vem girando ã direita, como garantia da contenção do movimento de massas e “árbitro” nacional, a frente de um plano de reformas nos marcos da ordem burguesa que foi aceito, com algumas reparações, pela maior parte da classe dominante, pois para nada põe em risco a propriedade privada (como o próprio Evo não cansa de repetir) nem os interesses principais da burguesia e do imperialismo.
A oposição direitista sofreu derrotas políticas durante o ano passado, mas conseguiu pactos favoráveis e grandes concessões na CPE e bem ou mal, prepara-se para ser oposição dentro do novo esquema econômico e político, para obter o máximo de benefícios possíveis, bloquear qualquer “desvio” populista do governo e por limites em seu uso de autoridade, esperando tempos melhores para voltar ao poder.
Nem oficialismo nem oposição
No dia 06/12, além de definir os atores políticos que sentarão no palácio Quemado (casa do governo) e no Congresso, não se vota “o aprofundamento do processo de mudança” nem “um passo para a libertação nacional”, mas a consolidação do projeto do MAS de colaboração de classes com os empresários, os banqueiros, os proprietários de terras e o capital estrangeiro, e um salto na estabilização política do país, baseada em enterrar a “Agenda de outubro” e postergar as demandas operárias, camponesas, indígenas e populares, no que basicamente, apesar de suas diferenças e disputas, coincidem o MAS e a oposição. É contra esse novo regime que os trabalhadores e o povo pobre terão que preparar-se para lutar por suas demandas imediatas e interesses históricos. Por isso, os socialistas da LOR-CI (frente ã ausência de uma alternativa de independência de classe, pese a que demos um forte combate político por uma frente socialista e dos trabalhadores) chamamos a votar em branco ou nulo no dia 06/12 e a somar-se na luta pela organização política independente da classe trabalhadora, com um programa operário e popular para que a crise seja paga pelos empresários, os proprietários, os banqueiros e as transnacionais, e por uma saída socialista.
Balanço
Por que não se concretizou uma alternativa operária e socialista?
Desde a LOR-CI viemos dando um forte combate político por colocar em pé um pólo de independência de classe, tanto frente ao oficialismo, como frente aos partidos da direita empresarial e latifundiária. Em meses anteriores se levaram a cabo várias reuniões com grupos de esquerda, para o que abrimos as portas de nossa sede, a Casa Operária e Juvenil de El Alto. Nessas discussões insistimos na necessidade de apresentar uma opção de classe dos trabalhadores, com um programa operário e popular, claramente anticapitalista e pelo socialismo, oposta a toda variante de colaboração de classe com a burguesia, que como mostra a experiência do MAS, só serve para preservar os interesses dos exploradores, postergar as demandas operárias, camponesas e populares e é incapaz de resolver os grandes problemas nacionais, como a liberação dos imperialismo.
No número 37 de nosso jornal Palabra Obrera, chamamos ã conformação de uma frente dos trabalhadores, anticapitalista e pelo socialismo para as próximas eleições de dezembro. Tal convocatória, fundamentada na necessidade de dar passos no reagrupamento da vanguarda operária para enfrentar os primeiros efeitos da crise econômica internacional e pela resolução de todas as demandas dos setores operários e populares como são o salário, trabalho, cumprimento das agendas de outubro, etc., propunha começar a sentar as bases de uma expressão política própria dos trabalhadores e independente frente ao governo tanto como ante os partidos empresariais, ante a política da cúpula cobista que se somou ao carro do governo, pisoteando a independência de classe e subordinando nossa central aos ditames do governo do MAS e sua política de conciliação com a burguesia.
Neste cenário é que algumas organizações socialistas e dirigentes mineiros, fabris e de serviços, como o Partido Socialista-1 Marcelo Quiroga, Santa Cruz, o Movimento Socialista dos Trabalhadores, Soberania y Libertad Katarista, e a Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional , chegamos a acordar os pontos de uma declaração política progressiva que apontava ã independência política dos trabalhadores e com um programa para que a crise a paguem os capitalistas e o imperialismo, como base para constituir a Frente de Trabajadores y por el Socialismo. O POR-Masas, impotente para levantar nenhuma política concreta que ajude aos trabalhadores a organizar-se politicamente de maneira independente, tem mantido sua rotineira e velha linha abstencionista frente ás eleições.
Este primeiro passo se deu no meio de uma forte luta política contra grupos que, dizendo-se de esquerda e até revolucionários, querem, entretanto, impor uma “frente ampla” para ir detrás de Loayza, Roberto de la Cruz e outros “figurões” populistas e reformistas, com o argumento de “unir aos atores de outubro”, sem ver que hoje essa unidade não só é impossível – pois divide águas a posição ante os últimos 4 anos de governo de Evo, que por exemplo Lozyza integrou presidindo a bancada constituinte masista, senão até reacionária, pois tal unidade, sem programa nem definição de classe, só pode fazer retroceder aos setores de vanguarda que vem fazendo uma experiência com o MAS e buscam uma alternativa. Ao não poder impor sua política, alguns elementos, como as JVR (ligados ã LIT-CI), que tem trabalhado sistematicamente, como operadores políticos de oportunistas como De La Cruz , uma ala do Movimiento Sin Tierra de Bolívia (cuja fração de “esquerda” esteve ligada ao My. Vargas e Loayza), o FAUP ou o membro da chamada “Confederação Nacional de Desocupados” preferiram retirar-se.
Lamentavelmente, logo de haver aceitado o acordo e a último momento, membros da Central Obrera Departamental de Oruro, particularmente o ex-executivo da COB Jaime Solares, retiraram-se da Frente por considera-la “sectária” e ã espera de negociar algum compromisso oportunista com De La Cruz , Loayza e outros. Esta defecção terminou sabotando a possibilidade de apresentar um pólo por uma política independente da classe operária.
A reacionária legislação eleitoral, herdada do neoliberalismo, defendida pelo governo e pela oposição e administrada pela CNE para fazer quase impossível a representação de novas forças operárias e socialistas, fechou toda possibilidade de apresentar candidaturas operárias e socialistas nestas eleições, que puderam utilizar a tribuna eleitoral para apoiar as lutas e demandas operárias e populares e propagandear um programa dos trabalhadores.
Entretanto, esta luta segue colocada. Por isso, os socialistas da LOR-CI chamamos ã vanguarda operária, e aos setores avançados do movimento estudantil, vicinal e popular a não depositar seu voto nem no oficialismo reformista nem na oposição empresarial, e a somar esforços para colocar em pé uma alternativa de independência de classe dos trabalhadores.
Por Javo Ferreira, da LOR-CI