Venezuela
O ressurgir das lutas operárias e os limites do governo
11/12/2005
O ressurgir das lutas operárias e os limites do governo
Por: Milton D’León
Fonte: En Clave Obrera N° 2
O movimento operário pode emergir como força política
Uma série de conflitos de trabalhadores - além dos setores populares - começam a fazer eco na situação política nacional produto da postergação salarial e porque suas demandas mais sentidas não tem sido satisfeitas, ainda depois de ter sido peça fundamental, junto ao povo pobre na derrota do golpe de 11 de abril e a paralisação patronal petroleiro. Estes foram duros golpes que eles desferiram ã reação pró-imperialista encabeçada por Fedecámaras, a CTV, os partidos da direita, os grandes meios de comunicação e a alta hierarquia da Igreja Católica, comandados desde Washington.
Mas a melhora da economia em diversos ramos, o forte ingresso da renda petroleira, não trouxeram uma melhora significativa para as condições de vida do povo trabalhador, enquanto que o setor continua mantendo e acrescentando seus lucros.
Os trabalhadores sabem que se foram capazes de derrotar o golpe e a sabotagem econômica têm força para exigir e lutar por suas demandas. O velho discurso de que toda luta por suas necessidades mais imediatas fazia o jogo da direita perde cada dia mais a credibilidade, pois os trabalhadores e o povo pobre já esperaram o tempo demasiado, enquanto vêem que a economia cresce e nada de ter suas necessidades mais imediatas satisfeitas.
Se abre um processo de discussão muito importante entre setores das filas operárias, como se expressou no último Encontro Nacional de Co-gestão em Valencia, onde os trabalhadores debateram sobre a co-gestão e votaram exigências como a de que o governo não devia indenizar à queles cujas fábricas eram analisadas porque a mantinham fechadas ou funcionando pela metade. Apesar de os limites deste evento, e das políticas que alguns setores tentaram impor-lhe é expressão de uma nova predisposição no ânimo dos trabalhadores. Parte do mesmo foi o recente encontro da UNT, onde um setor da mesma manifestava sua dissidência com determinadas políticas dos setores mais pró-governamentais, exigindo a realização imediata do Congresso da UNT.
Fenômenos anti-burocráticos começam a se desenvolver, ainda que seja de maneira incipiente nas fileiras operárias, contendo uma nova dinâmica de luta, como se expressa em SIDOR, onde um setor importante de trabalhadores se organiza para enfrentar a ala da burocracia de Machuca - responsável direto da privatização da mesma. Em Carabobo, que sabemos abriga a “cidade industrial”, Valencia se tem desenvolvido em dezenas de fábricas e empresas, referendos revocatórios e eleições nas quais se desalojaram dos sindicatos burocratas de longa data, surgindo novos sindicatos e ativistas classistas.
Os “gestos ã esquerda” do governo e suas políticas sociais não ofuscam seus fortes entendimentos com o setor empresarial
Por sua vez, Chávez realiza ações que se somam a suas políticas sociais como as campanhas contra o analfabetismo, bairro adentro, etc (as “missões”), mas que não conseguem ofuscar os acordos com o empresariado em busca de um novo consenso político e econômico. A intervenção de diversas propriedades para o processo de reforma agrária e a intervenção em pequenas fábricas (a bem da verdade só umas 2 ou 3) que se encontram quebradas ou fechadas com o anúncio da possível aprovação de decreto de expropriação são uma expressão destes gestos ã esquerda do governo, mas tentando sempre que não se lhe escape das mãos a situação.
Mas estes gestos não são ações generalizadas, nem vão para além dos limites impostos pela própria Constituição, onde se consagra a propriedade privada sobre os meios de produção. De fato, vemos que alguns setores do próprio chavismo têm sido centralizados quando se animam a tomar-lhe a palavra a Chávez, como o governador de Barinas (pai do Presidente) que lançou o decreto de expropriação das propriedades da Polar, ainda quando o executivo já estava a ponto de fechar um acordo com os empresários, ante o qual Chávez assinalou que “aqui existe um líder, e as decisões têm que ser consultadas primeiro”, em um claro intento de evitar que se escapem situação “pela esquerda” para além do estipulado por ele.
Vemos como no que diz respeito ã gestão agrária na verdade o que está havendo soa negociações com os latifundiários, que não apontam a liquidação definitiva do latifúndio. Na área das fábricas, se trata de centros produtivos muito pequenos os que têm sofrido intervenção e nos quais seus donos são devidamente indenizados, mas que são subproduto das ações e lutas dos trabalhadores, pondo ênfase muito mais em obter acordos com os empresários e deixar intactas as empresas que funcionam normalmente. Estas medidas são apresentadas como grandes disposições, como se tratasse de expropriações ou nacionalizações em áreas ou ramos econômicos inteiros em benefício dos trabalhadores. Sem dúvida, estes gestos têm eco em setores importantes da população, centralmente entre aqueles que durante décadas estiveram oprimidos sob o regime do puntofijismo, que são o apoio de massas central do governo.
Ao mesmo tempo o governo começa a desenvolver fortes entendimentos com setores chaves do empresariado, que apontam para determinar os rumos de sua orientação política, a despeito daqueles que só querem ver uma parte dos movimentos do presidente. O início das negociações com Fedecámaras que cada dia tomam mais corpo, passando a constituir mesas de trabalho cotidianas objetivando atuações conjuntas na política econômica nacional é o mais marcante no período atual. Isto não constitui um dado menor ou perdido na política econômica governamental, senão toda uma orientação política que começa a marcar tendência sobre os rumos do governo. O que antes era um projeto agora se concretiza com um setor real do empresariado.
Já se chegou a um acordo com o setor empresarial de reeditar a “constituinte econômica”, com reuniões semanais tendo em vista apresentar um plano econômico conjunto, empresários e governo, de “desenvolvimento” da economia nacional ã que se soma a banca privada. Chávez, tal como sempre tem feito, lhes oferece plenas garantias de que não atentará contra a propriedade privada. O empresariado começa assim a recompor seu poder e estabilidade, fruto da atuação do governo. As reuniões com Fedecámaras é uma expressão de que a burguesia aceita o papel de Chávez como árbitro e administrador do Estado capitalista.
Reacomodando as forças políticas e a orientação de cooptar ao movimento operário e de massas
A tendência ã estabilidade relativa que começa a imperar no âmbito nacional após a derrota da direita e suas investidas reacionárias (o que não quer dizer que a direita ou o imperialismo não deixa fustigar o governo, sobretudo daqueles que provêm da área mais direitista da administração norte-americana e seus lacaios no plano interno) e a bonança econômica da renda petroleira, dá mais base ao governo para uma espécie de bonapartismo entre as classes sociais em nível nacional como com relação ao imperialismo. No plano nacional se alça cada vez mais entre as classes, fazendo pequenas concessões aos camponeses e trabalhadores, e avançando em direção a entendimentos com setores empresariais, contrabalançando o equilíbrio político para assentar seu projeto.
A oposição reacionária, centralmente ligada ao setor industrial e empresarial tem percebido que com o governo se pode chegar a grandes acordos que lhes permitam continuar com suas margens de lucro, o que se expressa em uma mudança no discurso em relação ã Chávez. Não pe casualidade que este setor empresarial começa a tomar distância dos setores mais reacionários da direita, como Patrícia Poleo, Maria Corina Machado, etc - expressões do mais putrefato servilismo e lacaismo dos últimos anos. Não é casualidade que este setor fustiga a Azpúrua (o dono de La Marqueseña) pelos acordos alcançados com o governo, e a Fedecámaras, chegando Patricia Poleo a tratar a José Luis Betancourt de “traidor”, por este ter alcançado entendimentos com Chávez.
Por sua vez, o governo que vinha arrastando a debilidade de não contar com um forte movimento político organizado, avança em direção ã consolidação de um MVR que lhe responda mais organicamente e de maneira mais vertical. Sobre o MVR, que na verdade é uma associação de clàs e interesses, vem tendo um maior controle, depurando-o de todos aqueles setores não tão confiáveis e que lhe poderiam acarretar problema. Pelo olho de Chávez passa o visto bom dos candidatos ã Assembléia Nacional. Aqueles que timidamente se animaram na questionar temas parciais da política, ou as medidas mais abusivas do Executivo enquanto a vida interna do partido, são fortemente repreendidos ou separados.
No movimento operário, que é onde o governo de Chávez tem tido mais dificuldades, se avança aceleradamente a um processo de cooptação da UNT pelo Estado. As disputas internas e a resistência de alas da mesma central é o que tem impedido de avançar mais do que lhe teria gostado, mas a ingerência do Ministério do Trabalho entre suas fileiras é direta e aberta. Maria Cristina Iglesias - a ministra - atua sem disfarces em todos seus assuntos internos, participando de seus eventos e determinando os rumos dos mesmos. A sindicalista Marcela Máspero, braço forte da ministra, é a representante de uma central completamente adaptada ás ordens do governo e expressão máxima pela estatização dos sindicatos, junto a outros aliados do Movimento Quinta República. Não se pode negar que o governo vem ganhando terreno nesta política, mas ainda não está dita a última palavra, sobretudo daqueles setores de trabalhadores que apontam para uma política mais independente, expressados nas correntes classistas, que se desenvolvem em seu seio, tanto no setor petroleiro, siderúrgico, têxtil, entre outros.
A luta pela independência política dos trabalhadores e a construção do partido revolucionário
Toda esta situação abre os grandes dilemas para o movimento de massas em geral, e para a classe operária em particular, mas também para os marxistas revolucionários se somos capazes de incidir com uma política independente. O Partido Revolución y Socialismo (PRS) que impulsionamos junto a outras correntes políticas deve tomar a bandeira da luta pela independência política dos trabalhadores, se não quisermos que todos os esforços que temos empregado e toda a energia que mantém os trabalhadores e as massas se dissipem e permitam não só a consolidação do projeto de colaboração de classes de Chávez, como também que a reação pró-imperialista retome força, lançando por terra todos os sacrifícios que o movimento de massas tem realizado. Por isso tudo se torna mais necessário que nunca a construção do PRS como um partido de trabalhadores revolucionário, dotado de um programa marxista que permita que a classe operária se transforme em direção dos demais setores explorados e oprimidos, enfrentando as tendências reformistas e conciliadoras, que não permite aos trabalhadores derrotar a classe inimiga.
A Jventud de Izquierda Revolucionaria (JIR) como parte integrante, ativa e orgânica do PRS, não poupará esforços para que avancemos neste sentido, em luta iniludível que nos permita sentar as bases para a autodeterminação dos trabalhadores no caminho da revolução operária e socialista. Este é o desafio em nossa Venezuela atual.