FT-CI

UM NOVO MOMENTO DOS TRABALHADORES NA AMÉRICA LATINA

O retorno do sujeito perigoso

23/07/2013

Em apenas oito meses, mudou por completo o cenário da luta de classes na América Latina, destacando-se a intervenção da classe operária como um dos eixos do processo social. Vejamos:

Argentina: 20 de novembro de 2012. O chamado ã greve geral por parte da CGT de Hugo Moyano, que foi peça central da governabilidade dos anos kirchneristas depois da rebelião de dezembro de 2001, é aproveitado pela classe operária para paralisar o país. Começa um processo na consciência de setores dos trabalhadores que expressam assim sua oposição ao governo, e que hoje tem sua expressão em centenas de conflitos em todo o país. O 20N mostrou que as organizações classistas conquistadas pela esquerda na etapa anterior puderam desempenhar um papel protagonista nos piquetes, cortando ruas e rodovias que colaboraram a que setores dos trabalhadores não envolvidos na CGT Moyano não fossem trabalhar, e pudesse se expressar um descontentamento generalizado. Não obstante, a política da burocracia moyanista não era outra que lançar por um curto período à luta, para rapidamente abandonar as ruas e subordinar-se ã oposição peronista de direita ao governo, de cara ã campanha eleitoral. O dinâmico agora é a crise política. O kirchnerismo se enfrenta ao desafio de um setor do aparato territorial do peronismo bonaerense e de uma aliança com os restos do duhaldismo com a burocracia sindical. Na divisão do peronismo e de sua burocracia se projeta a perspectiva de uma crise nacional, na condição de que a classe operária intervenha como um fator político com suas demandas e métodos. O fenômeno de lutas operárias crescentes assinala a possibilidade de que se desenvolva uma recomposição das organizações de base do movimento operário, que pelo desprestígio das velhas direções sindicais para representar os interesses do conjunto dos trabalhadores, ponha na ordem do dia a auto-organização e o agrupamento do ativismo sobre linhas classistas e anti-burocráticas, onde a esquerda revolucionária tem de atuar decididamente.

Bolívia. Maio de 2013. Os trabalhadores da Bolívia, com os mineiros, professores, trabalhadores da saúde e fabris na vanguarda, iniciam um processo de luta que tem seu pico nos 15 dias de greve geral com bloqueios de rodovias: uma grande ação operária independente que enfrenta a Lei de aposentadoria do governo de Evo Morales. A classe operária se recuperou totalmente da dura derrota recebida durante o ciclo neoliberal. Desta vez a luta de classes une milhares e milhares de trabalhadores nas ruas. Como dissemos neste artigo “Durante os 15 dias de luta, centenas de milhares de trabalhadores ocuparam entre 35 e 40 pontos de bloqueio nas rodovias nacionais, mobilizações massivas em todos e cada um dos departamentos, greves no magistério, saúde, e algumas empresas mineiras como fabris, mostram que o sujeito social que se deu por morto, por acabado, está mostrando que está vivo e que começa a recuperar uma capacidade de luta que não se via há duas décadas”. O processo desmascara o governo de Evo Morales, que teve de recorrer ã mobilização da burocracia camponesa e indígena para fazer frente ao poder nas ruas dos trabalhadores, proíbe-se o direito de greve e se detêm centenas de trabalhadores, lançando-se uma campanha de calúnias contra a esquerda trotskista, acusando-a de conspirar para um golpe de Estado. A denúncia ao trotskismo esconde um ataque mais geral a uma tendência subjetiva de grande importância para um dos proletariados mais combativos e revolucionários de nossa América, o da formação de um Partido dos Trabalhadores baseados nos sindicatos mineiros, que, apesar da dura luta política em seu interior contra as tendências ao reformismo e ã conciliação de parte das direções sindicais, expressa um avanço na constituição da classe operária boliviana como eixo de uma oposição de classe e pela esquerda ao governo de Evo Morales.

Brasil: 11 de julho de 2013. Cumpre-se a paralisação nacional chamada pela CUT e outras organizações gremiais. Os milhões de jovens, estudantes e setores das classes médias que se mobilizaram contra a deficiência do transporte, a corrupção governamental em um Brasil de violentas desigualdades sociais, abriram o caminho ã irrupção de um sujeito muito mais perigoso. A chave da jornada são os trabalhadores, a base social por excelência do governo do PT. Metalúrgicos, petroleiros, portuários, bancários, trabalhadores dos comércios. Em que pese ã política da direção petista da CUT que se joga a evitar uma luta contundente, as mobilizações, em muitas oportunidades, se deram para além das direções da burocracia sindical. Como os operários da General Motors, que improvisaram barricadas parando as autopistas; ou os milhares que foram ás ruas em distintas cidades do país.

Chile: 11 de julho de 2013. Produz-se a maior mobilização de trabalhadores desde a queda da ditadura pinochetista. A CUT (Central Unitária de Trabalhadores), alinhada pelo PC, tratou de controlar burocraticamente impedindo que se somassem os trabalhadores privados ã paralisação nacional. Mas a jornada se transforma numa grande ação operária combativa, ã qual se soma o movimento estudantil. 150 mil pessoas saem a manifestar. É um fato também o surgimento de uma vanguarda operária que é a destacada protagonista de barricadas que se estendem por várias comunas, e em várias oportunidades enfrentam os carabineros. Todos apontam contra o modelo econômico (que começou a afundar), contra o sistema de saúde, de educação, e o sistema previdenciário chilenos. Como dizem nossos companheiros do PTR-Chile, “a unidade operário-estudantil segue avançando nas ruas, com a paralisação e mobilização do 26 de junho e a paralisação nacional com mobilização no dia 11 de julho. A luta de classes continua sua tendência a intensificar-se. Toda a herança da ditadura, conservada e aprofundada pela direita e pela Concertación, está começando a ruir”.

A modo de conclusão: os acontecimentos recentes no Brasil anunciam que começou a mover-se um gigante adormecido: o proletariado brasileiro. Mas sua irrupção não constitui um raio em céu azul. Inscreve-se dentro da resposta que setores de massas estão dando frente aos embates da crise capitalista mundial. São a expressão no subcontinente das enormes mobilizações que vimos na Turquia ou no Egito (onde o processo é mais agudo), é parte da emergência juvenil que cresce em vários países, onde também os trabalhadores começam a intervir. Não obstante, o fenômeno que compromete o Sul da América Latina tem algo distintivo: a classe operária, em apenas oito meses, posicionou-se como um dos destacamentos fundamentais da luta de classes. O ressurgir da classe operária deu nova força aos sindicatos como fator político. Debilitados na fase neoliberal pelo desemprego e a profunda divisão nas fileiras operárias – das quais são co-responsáveis os burocratas sindicais – e revigorados relativamente pela recomposição objetiva das forças operárias no processo de produção, seguem em frente, mas com direções burocráticas e reformistas corrompidas, e em muitos casos, deslegitimadas ante suas bases.

No Brasil, Argentina e Bolívia, os trabalhadores, com maior ou menor percepção política, começam a enfrentar governos posneoliberais progressistas que cumprem seu ciclo, e que tiveram por função conter a onda de rebeliões sociais de princípios do século XXI. Uma mudança de subjetividade de grandes camadas dos trabalhadores que abre possibilidades para o fortalecimento das organizações de base dos trabalhadores, das tendências ã autoorganização, ã unidade operária e popular e a independência política de classe. Por sua vez, no Chile a classe operária luta contra o governo do direitista Piñera e um regime herdado do pinochetismo que, em que pese as tentativas de autoreforma, permanece no anacronismo. Mas talvez a experiência que começam a fazer seus irmãos de classe cruzando as fronteiras permita camadas do proletariado chileno não cair na armadilha do “progressismo”.

Cabe assinalar que este novo movimento operário sulamericano entra em ação quando a crise capitalista internacional não afeta ainda de frente as economias regionais e sua agenda de demandas tem mais a ver com a defesa de posições sociais recentemente conquistadas ou direitos postergados, mas do que com um ataque direto dos capitalistas a suas condições de vida, desmentindo a visão vulgar que só associa o ressurgimento dos trabalhadores ã catástrofe econômica.

O proletariado sulamericano volta a colocar-se em movimento respondendo com a luta de classes as teorias posmodernas que liquidaram o caráter revolucionário da classe operária como sujeito emancipador. Hoje volta ao cenário – ainda que certamente com enormes contradições – mas não como uma estrela fugaz que se perde no horizonte: é uma potência que começa a afirmar sua presença para ficar. Nos ’90, no auge do neoliberalismo, deu-se por terminado o papel subversivo da classe operária junto ao fim das ideologias. A finais do século XX, a “multidão” substituía a classe operária como sujeito emancipador segundo rezavam as teorias autonomistas que pouco tardaram em sucumbir ao “encanto” dos governos progressistas do Cone Sul, erigindo a aliança entre os movimentos sociais e os estados burgueses semicoloniais como sujeito de mudança. Hoje se escrevem páginas e páginas sobre o Brasil e a emergência das classes médias assinalando o espírito dos “indignados” onde parecia retornar a “multidão” sem precatar-se do fenômeno profundo da luta de classes proletária. Uma visão tranquilizadora que é própria do senso comum da burguesia. Reconhecê-lo não significa negar a importância das mobilizações sociais das classes médias e da juventude ante a crise dos governos posneoliberais. Mas entender que esta classe média, que no Brasil saiu ás ruas a questionar pela esquerda o governo do PT, permitiu que o sujeito perigoso desse seus primeiros passos. Recordemos que o revolucionário argentino Liborio Justo soube assinalar que da unidade entre o proletariado do Brasil e da Argentina se podia entrever as forças impulsoras da revolução social no Cone Sul de nossa América.

Assistimos então aos primeiros passos de um gigante, não isento de contradições, desvios e retrocessos. Para os revolucionários o surgimento da classe operária coloca a possibilidade de que tomem corpo vanguardas militantes que assentem as bases para construir partidos revolucionários ancorados na classe operária. A esquerda marxista tem de trabalhar na perspectiva de unir a classe trabalhadora, de recuperar os sindicatos como ferramentas de combate mediante a expulsão da burocracia sindical e da autoorganização operária e popular, elaborando um programa que unifique todos os oprimidos, as classes médias e os camponeses pobres contra seu inimigo comum, o capitalismo, seu Estado e seus agentes políticos. Do ressurgimento independente da classe operária dependerá a reconstrução de um marxismo revolucionário que guie a luta de classes por vir.

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