FT-CI

Bolívia: Eleições para Constituinte

Os trabalhadores não teremos voz própria

01/07/2006

A direita pede seu voto para defender o neoliberalismo. O MAS pede seu voto para conciliar com a direita. Os trabalhadores não teremos voz própria. No dia 2 de julho, vote branco ou nulo

A campanha eleitoral se da sob a polarização política, por um lado o governo, a partir dos decretos de maio sobre o gás, a política agrária e outras medidas, tenta implementar seu programa de reformas, e por outro as oligarquias regionais e as multinacionais resistem em aceitar mudanças desfavoráveis a seus interesses, por mais limitadas e “mornas” que sejam as propostas do MAS.

A direita procura recompor forças

Suas diferentes expressões (PODEMOS, MNR, DNA, os agrupamentos autonomistas, etc.) procuram recuperar-se após a débâcle dos partidos políticos tradicionais ainda que não conseguem um discurso unificado, nem tem mais propostas que a de defender com unhas e dentes o neoliberalismo, a grande propriedade rural, os lucros extraordinários dos empresários, a entrega ás multinacionais e a subordinação ao imperialismo. Na bandeira autonomista, as oligarquias regionais encontram um argumento para encobrir seus interesses de classe e arrastar setores politicamente atrasados. Entretanto, “Tuto” Quiroga, pede apoio ao imperialismo, utilizando a afirmação de que “Evo Morales é o fantoche de Chávez” para juntar votos para seu projeto reacionário e pro-imperialista. Alguns setores burgueses tratam de conseguir um lugarzinho mais ao centro, como a Unidade Nacional, do “rei do cimento” Doria Medina ou o social-democrata MBL.

A política do MAS

O MAS, por sua vez, chama o voto em seus candidatos como "representantes do interesse nacional contra os representantes da direita e do imperialismo". Mas na verdade, o MAS não defende conseqüentemente nem os verdadeiros interesses nacionais, nem os interesses mais elementares dos operários, dos camponeses, dos povos originários, dos setores populares empobrecidos.

Gestos nacionalistas e "moderação" na prática

Assim, o 1° de maio proclamou a “nacionalização dos hidrocarbonetos”, mas só procura mudar as regras do jogo negociando melhores preços, mais participação estatal e novos contratos com as empresas petroleiras, que seguirão controlando o essencial do negócio do gás e tendo lucros milionários as custas do país.
Evo Morales anuncia uma “revolução agrária”, mas nos marcos de modificar a neoliberal Lei INRA, manter o processo de “saneamento” que só beneficiou aos grandes proprietários, e sem liquidar o latifúndio, nem afetar a propriedade e os interesses fundamentais dos agroindustriais, das madeireiras, que engoliram mais de 40 milhões de hectares no país.
O único passo prático anunciado é a futura distribuição de terras fiscais!
Ao mesmo tempo, o “governo popular” demonstra sua vontade de proteger a “sagrada propriedade privada” com o brutal desalojo policial dos “sem teto” em Oruro, que causou um morto -o primeiro morto pela repressão sob Evo-, e numerosos feridos.
Ao mesmo tempo, o governo mantém uma política mineira privatista, como mostra a entrega do Mutún e a influência dos dirigentes cooperativistas sócios do capital estrangeiro em suas decisões.
O MAS anunciou também a “dignificação do trabalhador”, mas o miserável aumento de 60 Bs. no salário mínimo não compensa sequer a inflação dos últimos anos em que esteve congelado, e a anulação da livre contratação fica nos papéis, pois nas fábricas, oficinas e empresas, seguem os mesmos salários de fome, a superexploração dos trabalhadores e a perseguição sindical e política a quem querem se organizar e pôr fim ã ditadura patronal.
Os acordos com a Venezuela e com Cuba não vão bem: uma tentativa de ganhar maiores margens de manobra frente aos Estados Unidos e os vizinhos mais fortes, como o Brasil, a Argentina e o Chile, mas sem romper com o imperialismo. Nos próximos dias o governo fará mostrará seu plano de desenvolvimento econômico e social. No próximo número do Palabra Obrera poderemos apresentar uma análise do mesmo (bem como de outros temas cruciais -o estado das negociações com as petroleiras e a questão da terra- que nesta edição não pudemos publicar por razões técnicas e de espaço). No entanto, podemos adiantar que o conteúdo essencial do mesmo continua a lógica das medidas anunciadas até agora: Gestos nacionalistas e promessas de revolução “democrática e cultural” como cobertura de uma política de reformas parciais, que nem sequer rompem com os marcos impostos pelo neoliberalismo nas décadas passadas, pois todo seu objetivo é pressionar os empresários, os latifundiários e as multinacionais, para que aceitem marcar modificações nas regras do jogo e “se associar” ao desenvolvimento nacional.
A serviço deste programa reformista, de colaboração de classes com a burguesia e com os principais inimigos da nação: as multinacionais, seus sócios locais e a “cooperação internacional” imperialista, o MAS subordina a força dos movimentos sociais que dirige. Mas por este caminho não só é impossível resolver os grandes problemas estruturais nem romper a subordinação ao imperialismo, senão que serão frustradas as legítimas aspirações populares ã terra, ã saúde, a educação e a moradia; a um salário digno e trabalho para todos.

Em direção a uma Constituinte acordada com a direita

Para fortalecer esta política o MAS quer uma Assembléia Constituinte onde procura um “pacto social e nacional” com a classe dominante que lhe permita avançar em suas reformas. Por isso, pactuou com a direita uma restritiva Lei de convocação a eleições e um reacionário referendo sob medida da oligarquia, lhes dando todo tipo de garantias de que, como o vice-presidente García Linera disse mais de uma vez, só se mudará parcialmente o texto da Constituição Política do Estado. Além disso, o MAS formou sua lista de candidatos com predomínio de figuras unidas ã burguesia, como a esposa do social-liberal prefeito pacenho, Del Granado, ou “notáveis” como os reitores da UMSA e da UTO, deslocando para segundo plano os dirigentes dos “movimentos sociais”.
Ao não poder apresentar candidatos próprios dos povos indígenas, sindicatos e outras forças de esquerda, o MAS se assegurou do monopólio da “representação popular” na Constituinte e pode garantir ã classe dominante que suas constituintes atuassem de forma “moderada”, visto que como se fosse pouco, a forma de representação estabelece que qualquer decisão na Assembléia precisará de dois terços dos votos (isto é, o consenso com uma parte da direita). A Constituinte não será livre nem soberana, não responderá ás legítimas aspirações democráticas do povo trabalhador e não resolverá os grandes problemas nacionais.

Apoio ao MAS ou política operária independente?

Votar no MAS nestas eleições a Constituinte não é contribuir para derrotar ã reação e o imperialismo, senão fortalecer uma política de conciliação com eles, a despeito dos interesses operários, camponeses, indígenas e do povo pobre, que só pode levar a derrotas e frustrações ao movimento de massas.
Desde a LOR-CI fizemos questão de seu momento na necessidade de utilizar a tribuna eleitoral para denunciar isto e levar ã Constituinte uma representação operária com uma política independente dos empresários e de seus partidos, bem como do governo, uma representação operária, para lutar desde uma posição de classe pela genuína nacionalização do gás e dos recursos naturais, por uma verdadeira revolução agrária para garantir a terra e o território, pelas demandas dos povos originários, pelas reivindicações operárias, pelo não pagamento da dívida externa e a ruptura dos pactos que nos atam ao imperialismo.
Frente a passividade da COB e a rejeição de outras forças de esquerda, impulsionamos junto a SITRASABSA e outros trabalhadores, artesãos e estudantes, a conformação do agrupamento “Proposta dos Trabalhadores”, para intervir nestas eleições. Lamentavelmente, a legislação vigente impediu-nos apresentar-nos apesar de ter reunido os difíceis requisitos exigidos. No entanto, é preciso seguir esta briga sem depositar a menor confiança política no governo do MAS.
Na ausência de candidaturas operárias e socialistas, e como uma expressão dessa briga, propusemos o voto em branco, nulo ou errado, e continuar impulsionando um movimento pela organização política independente dos trabalhadores.

Os trabalhadores se organizam na Oficina Externa de El Alto, pertencente a Exportadores Bolivianos SRL
Viva o SITRATEA!

No sábado 3 de junho, em instalações de casa Operária e Juvenil, os 80 trabalhadores da Oficina Externa de El Alto pertencente ã empresa Exportações Bolivianas SRL, organizaram seu sindicato para exigir o cumprimento de todos seus direitos. A empresa, que opera sua planta legal na zona de Pura Pura, aumenta seus fabulosas lucros mantendo 16 oficinas na cidade de El Alto onde se trabalha em condições de exploração “escravista”. Os trabalhadores nem sequer sabem quanto lhes têm que pagar por cada peça terminada, não gozam de seguro social, seguro médico, horas extras e pese a que a grande maioria são mulheres não se paga nem o subsídio de maternidade nem de amamentação. As esgotadoras jornadas de trabalho de até 10 horas diárias, não lhes permitem nem sequer chegar aos 500 Bs. de salário, oscilando entre 200 e 400 Bs. mensais.
Agora segue uma dura luta pelo reconhecimento pleno do sindicato. Reproduzimos a entrevista que Palabra Obrera, jornal da LOR-CI, realizou com Elvio Mamani, um dos dirigentes do sindicato.

Como construíram o sindicato?

O sindicato de TEA, agora chamado SITRATEA, foi conformado numa árdua luta que durou vários meses. A formação do sindicato não foi fácil. Tinha temor de muitos colegas de perder o emprego ao ter que nos confrontar com a patronal. As primeiras reuniões de organização foram levadas com 5 ou 6 parceiros em diversos lugares, em forma clandestina mas com a disposição de ir somando novos colegas. Os colegas da casa Operária e Juvenil e os colegas do sindicato do Aeroporto, SITRASABSA, nos assessoraram e lutaram juntamente conosco para que isto saia bem. Também dentro de nossa empresa, teve parceiros que atuaram muito bem (...) sobretudo Katy Flores, quem soube levantar o sindicato em seus momentos de debilidade, ficando demonstrado uma vez mais, que as mulheres são mais valentes e arrojadas que os homens.

Que mensagem você daria aos demais trabalhadores que na cidade de El Alto estão em condições similares ã de vocês?

A mensagem é que devemos e podemos terminar com esta situação. Os trabalhadores devemos dizer Basta de sermos explorados, reprimidos e maltratados pelos patrões! Devemos pôr mãos ã obra para organizar-nos não só sindicalmente, que é um importante passo, senão também politicamente, como a tentativa que impulsionamos com outros trabalhadores de pôr em pé a “Proposta dos Trabalhadores”. Acho que estamos no momento da organização e da preparação da luta e temos que pôr mãos ã obra.

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