Brasil:
PSOL recebe 100 mil reais do Grupo Gerdau
06/09/2008
O anúncio de que o PSOL de Porto Alegre aceitou uma “doação” da Gerdau é mais um salto de qualidade na trajetória deste partido. Se antes se apoiava em médios e pequenos capitalistas, agora abraça a empresa mais internacionalizada do Brasil, 3ª maior multinacional brasileira, 15ª da América Latina, com lucro líquido de R$ 3,214 bilhões no 1° semestre de 2008 e alvo de inúmeras denúncias de superexploração e ataques ao meio ambiente.
Segundo o jornal Valor Econômico, suas “doações” nas eleições de 2006 garantiu ã empresa uma bancada de 27 deputados federais. Seu dono, Jorge Johanpeter, apoiou o golpe militar de 1964 e é indubitavelmente um dos “porcos que chafurdam na lama do Palácio do Planalto” que Heloísa Helena sempre insiste em lembrar.
Com orgulho, o próprio blog da candidata ã prefeita de Porto Alegre pela “coligação sol e verde” (sic!), coloca a notícia que diz: “Luciana Genro se rendeu ao capitalismo: aceitou uma contribuição de campanha do Grupo Gerdau, no valor de R$ 100 mil (...) A Gerdau está oferecendo o mesmo valor aos principais candidatos (...) Luciana alega que o estatuto [do PSOL] proíbe contribuições de empreiteiras, bancos e de multinacionais (...) que, embora a Gerdau atue em diferentes países, é uma empresa brasileira (...) Heloísa Helena, segundo ela, tem o mesmo entendimento” [1].
Depois da tragédia de Heloísa Helena, a farsa de Luciana Genro
Atualmente, a figura identificada por setores mais amplos da sociedade com a esquerda, em especial na classe média, é Heloísa Helena (HH). Se suas declarações contra "a bandidagem do planalto central” são capazes de atrair os que se frustraram com a "ética petista", um olhar mais detido sobre suas posições frente a problemas candentes mostra como não era mais do que um exemplo a seguir para Luciana Genro. Só para citar os mais conhecidos e escandalosos, HH é parte ativa da campanha reacionária "Brasil sem aborto" encabeçada pela Igreja e burgueses mais reacionários e, na última campanha eleitoral, em meio à luta dos trabalhadores da Volkswagen contra a ameaça de 6 mil demissões defendeu que o BNDES repassasse 400 mil reais para a empresa, que até Lula negou naquele momento.
Luciana Genro mostrou como não está atrás de HH em matéria de oportunismo eleitoralista. Não somente ganhou o apoio do Capitão Nascimento (o verdadeiro) e defende como eixo de campanha a ampliação do policiamento para a “segurança pública”, mas, perguntada se Obama - o candidato democrata nos EUA que vai manter as tropas no Iraque - a inspirava, disse: “me inspira por despertar a esperança de que sim, nós podemos. Tento mostrar que é possível fazer política de forma diferente” [2].
Assim como nas eleições de 2006 o PSOL era HH, em 2008 é Luciana Genro, sendo a candidata que mais aparece nacionalmente e com mais votos. Portanto, por mais que corretamente as correntes minoritárias do PSOL estejam se colocando publicamente contra esse escândalo, o descalabro compromete todo o partido, inclusive porque a outra corrente amplamente majoritária junto ao Movimento Esquerda Socialista (MES) de Genro, a Ação Popular Socialista (APS) não abriu a boca senão com Chico Alencar que disse que da Gerdau foi um erro, mas que de pequenos comerciantes tudo bem e que Genro é “seríssima, incorruptível”. Ivan Valente de SP, nada!
Inclusive, é um ataque ã esquerda de conjunto, pois é feito em nome do "socialismo" e por isso consideramos essencial um veemente repúdio de todos que se reivindicam classistas.
Depois da tragédia do PT, a farsa do PSOL
O caminho que o PT demorou muitos anos para traçar [3], o PSOL vem encurtando aceleradamente. Se um trabalhador ou jovem acredita que o PSOL pode ser uma alternativa ao PT nossa obrigação é explicar pacientemente que não é, que se trata de uma ilusão com curto prazo de validade, como queremos demonstrar com essa declaração. Mas o fato de que militantes desse partido que se pretendem classistas ou até revolucionários sigam não vendo (ou fingindo não ver) que não se trata meramente de um problema do MES e da regional do RS, mas sim de uma dinâmica do PSOL, não podemos concordar. Muito menos que o PSTU dê o mesmo tratamento [4] e que finja que a APS, por exemplo, não é um agente direto da conciliação de classes só porque está coligado com ela.
Basta ver a própria resolução da Conferência Eleitoral do PSOL de março para não tratar o fato como “novidade”, pois já deixava abertas as portas para alianças com partidos burgueses, o que foi levado ã frente em vários municípios com Porto Alegre ã cabeça com o PV que é da base do governo e em São Paulo apóia Kassab.
Pior ainda se olhamos para a trajetória do PSOL que, programaticamente, busca apresentar um projeto de maior intervencionismo estatal baseado na renegociação da dívida pública; de maior incentivo ao capital diretamente ligado ã produção em detrimento do capital exclusivamente rentista através da redução da taxa de juros; de mais “ética” e “transparência” na máquina estatal; de maior “participação popular” através da utópica democratização das instituições do regime e de uma ligação mais orgânica entre estas e as instituições da “sociedade civil” (o que naturalmente inclui tanto sindicatos e organizações populares como entidades patronais). Tudo isso, em alguns casos, combinado com um rarefeito “horizonte socialista” ou “o socialismo como a maior declaração de amor ã humanidade” nas palavras de HH.
Mesmo o projeto “antineoliberal” do PSOL não deixa de assimilar certos aspectos neoliberais. Apoiou o Supersimples [5] e não defende o não pagamento da dívida pública. Por exemplo, Ivan Valente apresenta como uma das principais tarefas de uma “auditoria da dívida” a identificação dos credores que devem “honrar com suas dívidas”, ao mesmo tempo em que nem mesmo propõe acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal, mostrando seu próprio modelo de “responsabilidade fiscal e com os contratos”. O mesmo evidenciamos quando as propostas em relação aos serviços públicos limitam-se ã “inversão de prioridades”, inexistindo qualquer menção sobre a necessidade de reestatização dos serviços públicos privatizados. Ou seja, não podemos tratar o “aporte” financeiro da Gerdau como uma “novidade”.
Gerdau vai do "socialismo com empresários" de Chavez ao de Luciana Genro
Em junho de 2007, Gerdau comprou a 3ª maior siderúrgica da Venezuela e, quando foi questionado se não temia os riscos políticos disse: "Avaliamos todos os riscos, inclusive o político. Achamos que vale a pena. A decisão foi muito bem pensada". Sabia que bastava a empresa produzir para o mercado interno (o que se negou a Sidor) para não ser incomodado por Chavez. Gerdau já viu o que amplos setores da esquerda não querem ver, isto é, que a política de Chavez e do PSOL pode ser conciliada até mesmo com a grande burguesia. É por isso que chamamos os trabalhadores a não confiar em nada mais que em suas próprias forças e a manter completa independência perante todos os governos, em primeiro lugar Bush e seus lacaios, mas também dos que têm discursos “socialistas”. Assim como também do PSOL, que cada vez mais mostra como seu “antineoliberalismo” busca conciliar interesses dos trabalhadores com o dos patrões. Nenhuma ilusão no PSOL! Nenhum voto na conciliação de classes!
Impulsionemos já uma campanha nacional de repúdio
Chamamos os trabalhadores, a juventude, as organizações e candidatos que se colocam no campo da independência de classe, em especial o PSTU, a realizar uma campanha nacional de denúncia desse absurdo.
Em primeiro lugar, é necessário que se utilize o espaço eleitoral e materiais públicos para fazer essa denúncia. O horário eleitoral que o PSTU preparou para isso no RS é um passo nesse sentido, mas é completamente insuficiente. É preciso que o PSTU encabece essa campanha contra a aliança com os capitalistas, pela completa independência política, financeira e organizativa das organizações e partidos operários perante os capitalistas. Por arrecadação financeira entre os trabalhadores, sindicatos e organizações democráticas e populares! Que denuncie o poder econômico burguês que define as eleições! Contra a legislação partidária e eleitoral da época da ditadura! Pela liberdade de participação eleitoral a todos os sindicatos e organizações de esquerda! Abaixo a corrupção eleitoral que se materializa no financiamento privado das candidaturas para defender os interesses capitalistas! Impedimento de todas as candidaturas que recebam financiamento dos capitalistas! Divisão igualitária das verbas do fundo partidário a todos os partidos e organizações políticas! É lamentável que o PSTU tenha se negado a apresentar uma frente classista nessas eleições, como nós propusemos. Preferiu insistir na reedição da Frente de Esquerda, inclusive com Luciana Genro no RS (que não quis porque prefere a Gerdau) e agora está pagando por isso praticamente inexistindo em capitais importantes como São Paulo e vinculado a um partido que está com a Gerdau. Realizar uma campanha nacional como essa, exigindo dos candidatos da Frente de Esquerda que façam o mesmo, principalmente daqueles com os quais está coligado, é a única via de o PSTU não se dissolver ainda mais numa frente que mescla as bandeiras da independência de classe com as da conciliação, com um inegável destaque para as últimas.
Por fim, chamamos os que repudiam essa trajetória do PSOL a romper com esse partido e ressaltamos a necessidade de abrir um debate amplo e democrático sobre a necessidade de construir um partido que tire as conclusões necessárias do que foi o PT, que para nós da LER-QI deve ser um partido com um programa e uma estratégia revolucionárias.
NOTASADICIONALES
[1] Jornal Zero Hora, 28 de agosto de 2008.
[2] Idem.
[3] PT começou seu atrelamento prático ás frações burguesas em meados da década de 80 quando passou a receber financiamento de empresários, tendo inclusive organizado um Comitê Financeiro que era dirigido por um grande capitalista (Laurence Pih, do Moinho Pacífico). Todas as correntes de esquerda que nesta época estavam no PT denunciaram essa ruptura com o princípio de independência de classe, porém nenhuma delas levou até o fim este combate, inclusive com a possibilidade real de romper com este partido mostrando aos milhões de trabalhadores e jovens petistas combativos a necessidade de combater a direção reformista do partido e o descaminho para a conciliação aberta com a burguesia. O PCdoB, demonstrando seu pragmatismo burguês, sempre negociou o financiamento de suas candidaturas junto ás empresas capitalistas. Este partido, negando qualquer princípio de classe, tem sido financiado por grandes empresas que vivem da exploração de milhares de trabalhadores efetivos e precarizados como o grupo Camargo Corrêa, a Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, entre outras.
[4] Na sua única nota sobre o tema “Candidatura de Luciana Genro recebe dinheiro da Gerdau”, o PSTU diz que “O MES já tinha demonstrado ter deixado de lado a independência de classe para fazer uma campanha em aliança com setores da burguesia (...) A novidade é o PSOL aceitar esse tipo de proposta. A degeneração do PT tem várias razões, mas com certeza uma delas é a dependência econômica das grandes empresas (...) na campanha de Luciana Genro, já existem claros sinais de “moderação” e ausência de uma postura de oposição de esquerda (...) Caso se legitime o financiamento da Gerdau (...) o PSOL estará tomando o mesmo caminho que levou ã degeneração do PT.”
[5] Lei que flexibilizou os direitos de 60% da classe trabalhadora empregada nas pequenas e médias empresas e que os deputados do PSOL votaram favoravelmente, num claro sinal de aproximação com o empresariado não monopólico.