Estados Unidos
Rumo ás eleições presidenciais
09/09/2008
A nomeação de Obama
O encerramento da convenção democrata no estádio Mile High de Denver (Colorado) com 80.000 pessoas foi bastante diferente dos atos tradicionais de campanha. A nomeação de Obama, com um grande peso simbólico - primeiro aspirante afro-americano ã presidência -, foi anunciada no 45° aniversário do histórico discurso de Martin Luther King sobre os direitos civis nos Estados Unidos, onde até 50 anos atrás os negros tinham a entrada nas escolas de brancos vetada e viajavam na parte traseira dos ônibus. Além do mais, a chegada de um candidato jovem e de curta trajetória em Washington despertou o entusiasmo de uma nova geração que nunca tinha participado tão amplamente, como se viu nos milhões que votaram nas internas, especialmente jovens, mulheres, afro-americanos e latinos. O encerramento da campanha voltou a constatar que existem grandes expectativas de mudança, depois de 8 anos de Bush, e que estas se projetam na figura do senador Barack Obama.
A convenção, televisionada como um espetáculo milimetricamente coreografado, mostrou por acabada a amarga divisão que as internas democratas haviam deixado. Assim demonstrou o decidido respaldo de Hillary Clinton, coroado com a proposta de votar por aclamação a candidatura de Obama antes mesmo de terminar a contagem dos votos.
Na semana anterior conheceu-se o companheiro de chapa de Obama, o senador por Delaware Joe Biden. O democrata é senador há 30 anos e membro do Comitê de Política Exterior (uma duvidosa credencial progressista), com “boas relações” com os sindicatos (fonte importante de votos democratas) e fama austera, viaja de trem para o trabalho e reúne-se com trabalhadores para tomar cerveja. Buscam assim apresentar a chapa democrata mais próxima ã vida da classe média e dos trabalhadores, um setor onde a candidatura de Obama todavia gera sentimentos contraditórios.
O que ninguém diz é que o estado de Biden, Delaware, é eleito por muitas empresas por ser um “mini-paraíso” fiscal graças ás facilidades que que o governo estatal proporciona. Biden foi, além disso, impulsionador de uma lei em 2005 para que os devedores de cartões de crédito não possam ter acesso ao recurso de falência quando já não puderem afrontar as dívidas. Por isso não é casualidade que empresas de cartões de crédito como MNBA sejam importantes doadores para a carreira política do senador. É claro que a figura de Biden busca equilibrar a inexperiência de Obama na política exterior em um momento particularmente difícil para os EUA. Estão colocados novos e mais complexos problemas como o conflito aberto entre Rússia e Gerórgia, que soma-se ao fracasso do projeto estadunidense no Iraque e a difícil situação no Afeganistão, apresentado por muitos democratas como um exemplo. Biden que hoje se coloca “pela mudança”, apoiou ambas as guerras.
No caminho da oficialização de sua candidatura, Obama foi suavizando o discurso de “mudança”. Passou de “compreender” a causa palestina a garantir o apoio incondicional a Israel; sobre o Iraque, passou de declamar a retirada imediata das tropas a defender que a retirada dos EUA deve ser “responsável”. Este giro ã direita responde ás dúvidas daqueles que o vêm pouco preparado (ou demasiado liberal) para atrair a base democrata, tradicionalmente mais de centro (grande parte dos que apoiaram Hillary e que votaram nos republicanos em outras eleições). Ao mesmo tempo, este giro provocou certo “desânimo”, comparado com o enorme entusiasmo que mobilizou sua candidatura nas internas; e explica também a paradoxal subida de McCain nas pesquisas no marco de um governo republicano amplamente impopular.
O fantasma do furacão Katrina na convenção republicana
Se há algo que McCain não necessitava em sua carreira desesperada por descolar-se de Bush era o furacão Gustav, como uma cruel recordação do Katrina que há 3 anos destruiu Nova Orleans e deixou 2000 mortos, centenas de milhares de desabrigados e perdas milionárias. McCain, mostrando-se como antítese de Bush (sem citá-lo) arrecadou ajuda, limitou os discursos e se apressou em anunciar que caso a situação piorasse suspenderia o evento partidário que finalmente começou em 1° de setembro. Nesse dia realizou-se uma manifestação com cerca de 10.000 pessoas em St. Paul que protestaram contra os republicanos e a guerra. Quiçá o único “saldo positivo” do furacão tenha sido a falta de Bush que, longe de ter desiludido a muitos, como disse sua esposa Laura, aliviou a mais de um.
A fórmula republicana e a “direita social”
Sem dúvida, a notícia mais importante destes últimos meses é a nomeação de Obama e as expectativas de um futuro governo democrata. Sem deixar de ver isto, deve-se apontar que durante as internas, sobretudo a republicana, se manifestou uma base conservadora, uma direita social que reúne setores da reação cristã, opositores implacáveis do direto ao aborto, aos direitos de gays e lésbicas, em defesa dos “valores norte-americanos”, expressa em primeiro lugar em seu desprezo pela comunidade latina (a qual chamam de “costas transpiradas”) e seu apoio ã campanha anti-imigrante.
Parte desta base que se expressa majoritária, ainda que não exclusivamente, no voto republicano, questionou inclusive a McCain por ser muito moderado. Este setor recebeu muito bem a candidatura da governadora do Alaska, Sarah Palin, uma conservadora social, cristã fervorosa e anti-aborto radical e como se lhe faltassem credenciais, é membro da Associação Nacional de Rifle (uma organização de extrema direita). A isto, somam-se os elementos que buscam fortalecer a chapa, sobretudo frente aos independentes e democratas indecisos, especialmente os milhões que apoiaram Hillary e que não estão convencidos por Obama. Palin é uma mulher de 44 anos, o que soma algo de juventude ã chapa (McCain de 72 anos é o candidato mais velho da história); ao mesmo tempo tentará captar o voto das mulheres, explorando o fato de que Palin é a primeira republicana que aspira ao cargo, e quiçá tirar alguma vantagem disto (que os democratas não têm).
O certo é que Palin, ainda que é uma figura afim dos setores mais reacionários, não está tão longe das opiniões de uma parte da população. Por exemplo, em relação ao ensino da Teoria da evolução versos a Teoria da criação divina nas escolas públicas (um debate importante nos EUA), Palin coincide com uma camada ampla. Segundo Gallup, em 2007 44% dos entrevistados acreditavam que a Teoría da evolução é falsa; e 35% dos entrevistados por Pew Research em 2006 disse que a Teoria da criação divina devia ser incorporada ã educação. Esta “direita social” não é uma novidade, vem se expressando há vários anos. Em primeiro lugar, na reeleição de Bush em 2004 na qual as igrejas evangélicas mobilizaram sua base para votar nos republicanos. Também se manifestou nas consultas realizadas nas eleições legislativas de 2006 (onde triunfaram os democratas), nas quais se pronunciaram amplos setores contrários ao aborto, ao matrimônio gay, entre outras questões.
Os problemas que o próximo presidente enfrentará
Estes oito anos republicanos têm resultado no respaldo do establishment político e empresarial a Obama para mudar pelo menos o cara da política exterior do imperialismo estadunidense, como um corte com o unilateralismo da administração Bush. No entanto, até agora não houve nenhuma mostra de alguma mudança nem muito menos; ao contrário, Obama soma-se aos que colocam a necessidade de tornar mais efetiva a missão no Afeganistão frente ás preocupações que a situação neste país desperta.
A próxima presidência deverá decidir qual política adotará a Casa Branca frente a um panorama complicado para a capenga hegemonia norte-americana, onde começamos a ver as mais graves conseqüências do fracasso da estratégia neoconservadora no Iraque. A carreira presidencial se definirá em uma situação com novos problemas, como o conflito no Cáucaso (ver nota) onde os EUA terão que definir qual atitude adotar em relação a Rússia, que vem respondendo ã influência ianque nos países da ex-União Soviética como se viu na Georgia, Polônia ou Ucrânia.
A outra frente de batalha do próximo presidente, e um tema decisivo na eleição de novembro, será a delicada situação econômica, com uma inquestionável recessão, salários congelados enquanto aumentam os preços do combustível e alimentos básicos, que se somam ao pano de fundo da crise hipotecária com milhões de famílias que perderam e perderão suas casas.
Ainda que Obama tenha falado em Denver de cortes impositivos ã classe média, novos impostos para as empresas, investimento na infra-estrutura e ajuda social, os democratas não podem apontar uma alternativa real ás medidas republicanas. Por esta razão, durante a convenção todos os oradores endureceram seus ataques contra o atual presidente e insistiram em que McCain seria “um terceiro mandato de Bush”. A medida que a campanha avança, os democratas transformam-se no mal menor, cada vez mais distante da “mudança”.
Mais cedo do que tarde as expectativas sobre um futuro governo democrata serão frustradas. Tanto democratas como republicanos são antes de mais nada representantes dos interesses da patronal imperialista estadunidense, fora e dentro de suas fronteiras. A crise econômica e os novos reveses do imperialismo ianque no mundo podem motorizar novas e revitalizadas mobilizações da juventude, dos latinos e dos trabalhadores nos Estados Unidos. Será cada vez mais urgente a ruptura com os partidos patronais e a conquista da independência política da classe operária norte-americana. Somente uma aliança dos trabalhadores norte-americanos junto aos oprimidos e explorados fora e dentro dos EUA pode constituir-se na força social capaz de enfrentar e derrotar ao imperialismo.
Traduzido por Miriam Rouco