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Bolívia: Evo Morales anuncia a nacionalização do gás

Um passo adiante, mas parcial e insuficiente

08/05/2006

Um passo adiante, mas parcial e insuficiente

No 1° de Maio do grande campo gasífico de San Alberto, Evo Morales anunciou a nacionalização dos hidrocarbonetos enquanto em La Paz a multitudinária concentração oficial saudava a medida, e um operativo militar resguardava as instalações petroleiras em todo o país. Ainda que busque exercer um direito elementar de soberania nacional e que seja um golpe ás petroleiras, se trata de uma medida insuficiente, que espera obrigá-las a operar em sociedade e sob o controle do Estado. É preciso avançar em direção ã nacionalização integral dos hidrocarbonetos, sem indenização e sob o controle dos trabalhadores.
Chamamos a mais ampla e ativa solidariedade latino-americana e internacional com os trabalhadores e o povo da Bolívia, contra os empresários petroleiros, o imperialismo e seus agentes locais, como Lula no Brasil - advogado da Petrobras - e Kirchner na Argentina - defensor da REPSOL-YPF. E isto sob uma moção de ordem para o movimento operário e popular continental:Nacionalização do petróleo! Fora as transnacionais e o imperialismo da América Latina!

O DS 28701 e suas limitações

O Decreto estabelece que “o Estado recupera a propriedade, a possessão e o controle total e absoluto destes recursos” (Art.1) e que as empresas “estão obrigadas a entregar em propriedade toda a produção de hidrocarbonetos ã YPFB” (Art.2). Para os grandes campos (Margarita e San Alberto), que produzem mais de 100 milhões de pés cúbicos diários de gás, se redistribui o valor produzido em 18% para as empresas e 82% para o Estado (18% lucros, 32% Imposto Direto aos Hidrocarbonetos e 32% participação adicional para a YPFB), enquanto mantém para uns 50 campos menores a atual regulação (Art.4). As ações de propriedade pública e manejadas pelas AFP (Administradoras de Fundos de Pensões) nas três petroleiras capitalizadas passam para o nome da YPFB (Art.6) e se “nacionalizam as ações necessárias para que a YPFB controle como mínimo 50% mais 1 nas empresas Chaco SA., Andina SA, Transredes SA, Petrobrás Bolívia Refinación SA e Compañia Logística de Hidrocarburos de Bolívia SA” (Art.7) - uma reduzida porcentagem dentre os 3 e 17% a ser adquiridas pelo Estado. Em 180 dias as empresas devem negociar e migrar a novos contratos para seguir operando nestes marcos.

Assim o decreto de Evo Morales não define uma nacionalização integral nem expropria as transnacionais, senão que impõe sua associação com o Estado buscando constituir empresas mistas (49% privados, 51% estatais, de maneira similar a um modelo já adotado na Venezuela por Chávez) e sob o controle da YPFB. Esta medida não é revolucionária, nem sequer antiimperialista, senão limitadamente nacionalista. Se mantém por completo dentro da legalidade burguesa para permitir que as transnacionais sigam operando, apesar da ilegalidade dos contratos com que se apoderaram dos hidrocarbonetos (nunca ratificados no Parlamento) e inumeráveis delitos como contrabando, fraudes fiscais, danos ao meio ambiente, etc., que por si só justificam sua expulsão do país.

Uma prova de forças com as petroleiras...para seguir negociando

O MAS tenta modificar as regras do jogo para recuperar para o Estado parte da renda dos hidrocarbonetos que hoje as transnacionais monopolizam, atuando quase como um “super-estado petroleiro”. A Bolívia possui a segunda maior reserva de gás na América Latina, que foi alienada pela Petrobras, REPSOL. TOTAL, British Gas e outras, em condições de rapina nos anos 90. Isto se tornou insustentável em tempos em que, além das mudanças na relação de forças em nível nacional e regional, o petróleo alcança a marca dos 70 dólares o barril.
Mas apesar do intento de negociar com uma “posição de força” pode-se ir a um confronto com os empresários e o imperialismo, que consideram que a “segurança jurídica” foi abalada e não querem um “precedente contagioso” no coração da América do Sul. O governo do “progressista” Lula já declarou que considera a medida um “ato não amistoso”, e o governo espanhol expressou sua “preocupação”, enquanto o preço do petróleo subiu quase dois dólares nos mercados internacionais. Ao mesmo tempo, Evo se apressa a reunir-se com Chávez, Lula e Kirchner em Foz do Iguaçu, para “explicar seu decreto” e abrir uma negociação que indiretamente envolve também o governo espanhol.

É possível que algumas empresas, como as que operam pequenos campos, venham negociar nas novas condições, mas outras não aceitarão facilmente um corte considerável de seus lucros e seu controle do negócio gasifico, e podem impulsionar fortes pressões políticas, comerciais e financeiras. Também exercerão dura oposição importantes setores da burguesia local que estão estreitamente enriquecida pelas migalhas da entrega nos últimos anos.

Um giro “semi-nacionalista”

O MAS sempre afirmou que não queria uma “nacionalização confiscatória”, mas “consensuada” pois a Bolívia “necessita de sócios, não donos”, isto é uma renegociação dos contratos com as petroleiras e uma “associação estratégica” com elas. Mas as negociações cessaram ante a intransigência daquelas. Ao fracassar sua política inicial se decidiu por uma política mais dura, ainda que sob o mesmo programa estratégico: um neodesenvolvimentismo que aposta na colaboração com o capital nacional e estrangeiro para impulsionar um utópico “capitalismo andino”. A diferença das nacionalizações da Standard Oil (1938) e a Gulf (1969) que ainda sendo medidas burguesas e com indenizações, significaram a constituição de empresas estatais, hoje se busca uma exploração mista do gás, desnudando os limites da medida de Evo.

Durante seus primeiros três meses o governo do MAS manteve um rumo de concessões ã direita, e sem mudanças na política econômica. Assim, pactuou com os direitistas PODEMOS, UN e MNR a restrita convocatória a uma Assembléia Constituinte costurada e um referendo autonomista sob medida para as oligarquias regionais. Mas esta política encorajou a direita a “ir por mais” com “paralisações cívicas” em Santa Cruz e Tarija, e começou a impacientar setores do movimento de massas, com uma primeira série de mobilizações e paralisações em abril. Enquanto isso, o governo ia caindo numa situação de “impasse” e fricções internas a só dois meses das eleições para a Constituinte. Evo Morales optou por imprimir esta viragem, endurecendo as formas mas para seguir negociando, em resposta ã pressão da direita e buscando consolidar o apoio de massas. Assim um gesto político firmou um “Tratado Comercial dos Povos” com Cuba e Venezuela, rompeu com a empresa brasileira EBX instalada ilegalmente em Porto Suárez e finalmente adotou o decreto 28701. Enquanto convoca a um apoio popular passivo, atesta um novo papel ás Forças Armadas com a intervenção nos campos e nas refinarias, buscando ampliar as bases de sustentação governamental ao mesmo tempo que lavar a cara das instituições armadas ante o povo, massacrados por estas em fevereiro e Outubro. Além disso, se anunciam novas medidas para limitar o latifúndio , um reduzido aumento salarial e a derrubada do Art. 55 do nefasto DS 21060 de “livre contratação” de mão-de-obra.

Os limites do projeto masista

Apesar de seus gestos e discurso nacionalista e indigenista, o governo frente-populista do MAS subordina o apoio do movimento de massas ã colaboração de classe com a burguesia e o capital estrangeiro, em nome de reformas democráticas e um desenvolvimento capitalista autônomo que não atacam as causas do atraso e da pobreza nacional, não rompem com o imperialismo e não podem satisfazer as necessidades e aspirações profundas das massas do campo e da cidade.

Pelo caráter social pequeno-burguês de sua cúpula dirigente - intelectuais das ONGs, dirigentes burocratizados, empresários como o ministro Salvador Rice -e seu programa reformista, o MAS é incapaz de enfrentar conseqüentemente o grande capital e o imperialismo, ainda quando ensaie giros como o atual - com todas as suas inconseqüências e dentro da mesma estratégia de colaboração de classe. Isto se explica no marco das enormes contradições da crise nacional, com um processo revolucionário aberto no levantamento insurrecional de outubro de 2003, hoje amortizado mas não fechado, e um movimento de massas que têm ilusões mas que vem de cinco anos de formidáveis lutas, nas quais a demanda de nacionalização do gás se transformou em uma grande causa nacional.

As medidas do governo abrem uma nova situação, de confronto com as petroleiras e os governos que as defendem, aviva a polarização política com a direita e os cívicos, e pode gerar uma maior mobilização de massas, que apesar de seguirem confiando no MAS tendam ir mais além do que este queria. Não se pode descartar uma crise maior frente ã futura Constituinte, como tampouco pode se excluir novos retrocessos do governo. A única garantia para avançar em uma verdadeira nacionalização dos hidrocarbonetos, assim como para derrotar a reação, é a decidida intervenção da classe operária e das massas camponesas, originárias e populares, junto com a ativa solidariedade regional e internacional.

Para consolidar uma nacionalização integral: expropriação sem indenização e sob controle dos trabalhadores

Aos trabalhadores, camponeses, povos originários, setores populares das cidades, dizemos: não confiem passivamente nesta medida insuficiente, para recuperar “100%” do gás:

 Que os trabalhadores petroleiros assumam a ocupação e o controle de todas as instalações, campos e refinarias!
 Abertura dos livros de contabilidade e toda a documentação das empresas! Intervenção das contas bancárias!
 Fora os gerentes e executivos empregados das transnacionais! Direção operária na YPFB, responsável ante os trabalhadores!
 Nacionalização sem pagamento e sob controle coletivo dos trabalhadores!

A política do governo afeta os interesses do “super-estado petroleiro”, irrita a “nova oligarquia” empresarial e latifundiária ligada a esta, mas não liquida as fontes de seu poder e suas conspirações. Para derrotar a reação pró-imperialista:

 Reforma agrária sobre a base da liquidação do latifúndio! Terra e território para os povos originários!
 Nacionalização do LAB, sem pagamento, com Asbún na cadeia e sob controle dos trabalhadores! Nacionalização de todas as empresas capitalizadas e do sistema financeiro!
 Aumento geral de salários, com um mínimo nacional de 1.500Bs e trabalho para todos, com base na repartição das horas de trabalho entre todos os braços disponíveis e um grande plano de obras públicas controlado pelos operários e camponeses, e financiado com impostos das grandes fortunas e do não pagamento da dívida externa!
 Fora o imperialismo e suas agências da Bolívia e da América Latina!
 Coordenação da mobilização operária e popular! Por comitês, coordenadoras e outros organismos amplos e democráticos para a luta, preparando uma verdadeira Assembléia Popular!
 Nenhuma confiança nas Forças Armadas defensoras da grande propriedade privada e educadas pelo neoliberalismo! Pela autodefesa de massas contra as ameaças reacionárias, por milícias operárias e camponesas!

Por una estratégia operária independente

Há dois caminhos diante da vanguarda: a estratégia frente-populista do MAS, com as variantes de “apoio crítico” para pressioná-lo com a ilusão de que vá mais a esquerda, o que só pode levar a derrotas e frustrações, como no passado com o MNR, os generais nacionalistas ou a UDP. Frente a isso, há que defender uma estratégia operária independente, para que a classe trabalhadora encabece a aliança operária, camponesa, indígena e popular com um programa que inclua medidas como as que acima colocamos, pelo poder revolucionário dos operários e camponeses, para abrir o caminho a uma Bolívia Socialista, nos marcos de Confederação de Repúblicas Socialistas da América Latina. Para lutar nesta perspectiva há que forjar uma esquerda operária, socialista, revolucionária e internacionalista, um novo partido de trabalhadores revolucionários.

Por Eduardo Molina

La Paz, 3 de maio de 2006.

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