Argentina
Uma crise em que “voltam todos”
10/07/2008 La Verdad Obrera N° 285
Os bandos patronais jogam o segundo tempo de seu jogo no Congresso na disputa pela renda agrária. As novas concessões aos ruralistas que o governo introduziu em seu projeto de lei na Câmara de deputados, negociadas com a Federação Agrária, não foram suficientes e se reabre a discussão no Senado. Os patrões “pequenos e médios produtores” de soja, para os quais estão realmente destinadas as compensações e restituições, desmentindo a versão oficial da pretensa política de “desojização” rechaçando-as abertamente. O abraço de Eduardo Buzzi com o chefe da bancada do PJ, Augustín Rossi, foi repudiado pelos setores “autoconvocados” de De Angelli e da Carbap, que insistem na derrogação da resolução 125. Os dirigentes da Mesa de Enlace que semana passada cantaram o hino nacional junto aos deputados do oficialismo no parlamento (“patriótica” cena comovedora entre “golpistas” e “nacionais e populares”), acabam de reafirmar sua posição irredutível ao projeto oficial e chamam a manifestar “à beira das estradas” e em frente ao Congresso, como já havia pedido Alfredo De Angelli e Elisa Carrió que coincidiram na convocatória de “voltar a presença nas ruas” para pressionar os senadores. O que ajudará a esquerda sojeira da CCC e o MST de Ripoll.
Cristina pisou num rastelo
Os defensores intelectuais do governo apresentaram a decisão dos Kirchner de enviar o debate sobre as retenções móveis ao Congresso, como tática triunfal de um “golpe de Judô”. É como uma alavanca que devolve o impulso do golpe lançado pelo adversário - nesse caso, o chamado de “consenso” dos panelaços e do “funcionamento das instituições” que fazia a oposição ruralista-, para terminar impondo a essência da resolução 125 mas, agora, mediante a força de uma lei. Em vista do resultado da política, até hoje,a definição da manobra se ajusta mais ã alguém que, em apuros, pisa num rastelo e dá com o cabo na cara.
O governo conseguiu impor meia sanção ao projeto oficial na Câmara de Deputados, mas esse triunfo se dilui dia-a-dia e é incerto se será possível repeti-lo no Senado. Puseram o Congresso no centro da crise, mas ali evidenciaram-se as perdas sofridas pelo kirchnerismo desde que começou a licitação com a burguesia agrária e as classes médias passaram ã oposição. O longo trâmite parlamentar atolou a ação do governo, obrigou aos radicais K a se separarem do “acordo” oficial e deu à luz ã oposição dentro do PJ que, por sua vez, deu fôlego a Barrionuevo para desafiar a condução de Moyano e abrir-se da CGT oficial. Os agro-peronistas de Córdoba, Santa Fe, Entre Ríos, do interior da província de Buenos Aires e todos os intratáveis que se agrupam com os Duhalde encontraram uma cara “progressiva” no deputado Felipe solá. Que foi secretário de agricultura de Menem? O que importa, se teve com chefe de gabinete no governo bonaerense Emilio Pérsico e os “piqueteiros” K?...
Não obstante, resultou ser o “conservador ” Reutemann, do coração da pátria “sojeira”, o que, agora no Senado, vai mais além em sua ruptura como o governo com um projeto que rechaça o poder da presidência para fixar as retenções. Enquanto o projeto de Solá admitia que o Poder Executivo tem faculdades para ditar-las - ao contrário de Carrió, a UCR e o PRO-, no projeto do santafesino, o rechaço ao Código Aduaneiro pode aglutinar os senadores opositores não peronistas para enfrentar ao oficialismo. Além do mais, propõe “uma retenção fixa para o trigo e milho de 22% e para o girassol, de 30%. No caso de que a soja chegue a 600 dólares/tonelada, propõe uma retenção de 36%, e se chegasse a 700 dólares, seria de 40%.” (Crítica, 9 de julho). Ainda que consiga maioria, uma oposição coincidente em seu ataque ás retenções móveis por “inconstitucionais e consfiscatórias”, deixará a lei kirchnerista ainda mais deslegitimada.
Um anti-2001
O debate no Congresso, acompanhado por milhares de telespectadores, reforçou as ilusões parlamentares entre setores de massas. Tenta-se instalar a idéia, em especial nas classes médias, de que essa instituição dos lobbies patronais e a corrupção é a via “mais democrática” para resolver as crises nacionais. A disputa pelo lucro que não resolveram os 257 deputados, tentaram resolver agora mediante uma Câmara ainda mais aristocrática de 72 senadores representantes das elites burguesas provinciais, dos Urquía de Córdoba, os Saadi de Catamarca, os Rodríguez Saa de San Luis, e onde até o mesmíssimo Carlos Saúl Menem ainda conserva a banca com mandato até 2001 pela Rioja. Estamos diante de um operativo para dar novamente prestígio “à autoridade” do Congresso e recauchutar um regime político reacionário, contra os trabalhadores e o povo, e neste sentido, uma “institucionalidade” oposta ao “que se vayan todos”. Não estamos diante do debilitamento da fração kirchnerista ameaçada pelos “ares de 2001”, como crêem ver em seus delírios o PCR ou o MST de Ripolli diante dos chamados “combativos” de De Angeli e as assembléias. Melhor é a volta “das conspirações de 2002” com Duhalde e De La Sota. Reutemann compreende mais cabalmente que essa esquerda que adotou o senso comum de oposição “republicana”. “O que é que você viu e não gostou ao rechaçar o oferecimento de sua candidatura feito pó Duhalde?”, perguntam a ele os jornalistas de A dos Voces em TN sobre sua negativa a apresentar-se nas presidenciais de 2003. “O que vi é que viria uma situação diferente da vivida anteriormente, onde o pêndulo que havia ido para um lado (faz com a mão para a direita) se inclinava para o outro (e faz um gesto para a esquerda)”.
Agora, no calor do reacionário protesto agrário e do desgaste dos Kirchner, se revitalizaram as distintas variantes partidárias da patronal diante do provável cenário de que, nas eleições legislativas de 2009, o oficialismo perca definitivamente a maioria parlamentar, e o último período de Cristina Kirchner fique condicionado a uma negociação permanente com o Congresso. Diante de um aprofundamento da crise política, a oposição parlamentar em acordo com o agora opositor vice-presidente Julio Cobos, encabeçando o Senado, seria definidora (os Kirchner têm conseguido a proeza de fazer do cargo de vice-presidente uma figura gravitante na política nacional).
Tudo isso se, até então, as coisas marcham nos trilhos do regime democrático burguês. Numa perspectiva mais estratégica, se uma crise econômica aguda desata uma mobilização independente dos trabalhadores e do povo que deriva em uma verdadeira crise de poder burguês, as classes dominantes tentarão utilizar esse fortalecimento do Congresso para pactuar uma saída entre os de cima, enquanto o “consenso” entre todos os bandos será reprimir a ação direta proveniente dos explorados. Em outro caso, com “estabilidade” democrática ou em uma nova crise catastrófica nacional, o Congresso pode chegar a sustentar aos Kirchner, como a corda sustenta ao enforcado, ou no caso de dar baixa se a crise chegar a ser terminal. A armadilha “democrática” do “debate parlamentar” esconde saídas reacionárias, ganhe quem ganhar a disputa entre capitalistas.
O PTS chama a redobrar os esforços por agrupar a vanguarda operária e estudantil nas organizações para a luta de classes, e propõe ao PO e ao MAS abrir o debate na esquerda operária e socialista sobre a construção de um partido revolucionário unificado.
Por uma grande Assembléia Nacional da “terceira posição”
A debilidade que tem sofrido o governo, não significa menos dureza contra a vanguarda de luta dos trabalhadores e as novas organizações sindicais que desafiam os tetos salariais e as atuais condições de trabalho. A brutal repressão na Praça de Maio, contra 20 organizações de trabalhadores desempregados - entre os quais se encontrava o bloco Piqueteiro Nacional e o Pólo Operário - que tentavam acampar por suas reivindicações, foi uma nova mostra. A marcha de repúdio ã recente repressão na Praça de Maio que realizamos na terça, dia 8 deve ser o início de uma campanha nacional contra as perseguições e pelo fim do processo aos 5000 lutadores, como propõe os operários de Zanon e o Sindicato ceramista de Neuquén, e um ponto de apoio para unificar a todos os que levantamos uma posição de independência de classe de ambos os bandos patronais em disputa e pelas reivindicações dos trabalhadores. Esta quinta, dia 10 iniciaram-se reuniões para acordar e organizar ações em comum.
A proposta do PTS - ao Partido Obrero, ao Bloco Piqueteiro Nacional, ao MAS e a todas as organizações sociais, sindicais, estudantis e organismos de direitos humanos- é opor as manifestações da patronal agrária e as que organiza o governo, o chamado ã uma grande marcha unitária e trabalhar para a convocação da Assembléia Nacional da “terceira posição” que se converta num forte pólo político na crise nacional para dizer: Nem com os Kirchner nem com as patronais agrárias. Por um aumento geral de emergência para os planos sociais e os salários. Pelo fim do trabalho precarizado e um salário igual a canasta familiar indexado mês a mês segundo a inflação. Pela nacionalização do comércio exterior, os portos privados e as grandes propriedades de terra e empresas de campo. Pela abolição do IVA e os impostos ao consumo, e o estabelecimento de impostos progressivos ás grandes fortunas. Pelo não pagamento da dívida externa e a nacionalização dos bancos. Por um plano de obras públicas sob controle operário a serviço das necessidades populares. Por uma saída dos trabalhadores e socialistas contra os bandos capitalistas.
Traduzido por Beatriz Michel