Por trás da crise regional e da reunião do Grupo Río
A covardia política do “progressismo” latino-americano
25/03/2008
Depois de uma semana de crescente tensão, a reunião do Grupo Rio realizada na República Dominicana terminou com uma resolução “consensuada”. O Governo Colombiano se “desculpou” diante de Equador por haver violado seu território, comprometendo-se a não voltar a fazê-lo, conseguindo, por conseqüência, não receber nenhuma condenação pelo massacre perpetrado no território equatoriano pelas forças militares colombianas contra Raúl Reyes e outros 20 guerrilheiros das FARC.
Incrivelmente - ou nem tanto, na verdade - o eixo do questionamento a Uribe, sobre o qual insistiram em seus discursos os distintos governos latino-americanos não foi o assassinato a sangue frio dos guerrilheiros, mas meramente que este foi realizado em território equatoriano. Foi como criticar um assassino por haver cometido o crime fora de sua casa e não pela ação realizada. Um ato de completa covardia política por parte do “progressismo” latino-americano, incluindo seus setores mais “nacionalistas”, como o governo de Chávez, ainda que realizem muitas denuncias justas sobre o governo de Uribe e proponham o reconhecimento das FARC e do ELN como forças beligerantes, terminou favorecendo o “consenso” que absolveu Uribe do crime cometido. A intervenção da presidenta Cristina Fernandéz na cúpula, foi uma repetição da “teoria dos dois demônios”, questionando Uribe somente por não realizar a repressão “ao terrorismo” nos marcos da “legalidade”. Só faltou ela colocar como exemplo as vergonhosas “leis antiterroristas” que foram votadas na Argentina por ordem de Bush, sob a presidência de Nestor Kirchner. O jornal Clarín informa em um editorial de domingo, 9 de março, que em plena crise esteve em Buenos Aires uma “discreta missão diplomática de Washington”, buscando pressionar para que a ação colombiana não fosse condenada. Isso não parece estranho quando vemos na resolução acordada, assim como ocorreu na OEA, nenhuma menção ao papel que teve os EUA nos feitos, apesar de que o próprio governo colombiano reconheceu que foi a CIA quem o proporcionou os dados com as coordenadas onde se encontrava Reyes e seus companheiros.
Legitimação do terrorismo de Estado
A Colômbia esta avançada na região no que toca a implementação da “guerra contra o terrorismo” apregoada pelo governo de Bush. Sua doutrina de “golpe preventivo” permite o assassinato de quem é qualificado como “terrorista” sem direito a julgamento nem defesa alguma. Israel emprega esta política permanentemente contra lutadores da resistência palestina e os EUA a aplicam no Iraque, no Afeganistão e em todo o mundo, recorrendo a seqüestros em países terceiros e aplicando a tortura massivamente a seus prisioneiros em Guantánamo e em dezenas de cárceres ilegais. Nesta mesma linha, o governo de Bush acaba de vetar uma lei que proíbe o uso da tortura a seus prisioneiros. Para que se tenha dimensão do que significa esta legalização do terrorismo de Estado, recordemos que até os militares genocidas em nosso país - assim como em outros estados latino-americanos - pretendiam encobrir os massacres que cometiam como se tivessem sido produto de “combates” com a guerrilha; ou diretamente buscavam ocultar suas ações recorrendo ao método asqueroso da desaparição forçada de pessoas. Agora massacram e o reivindicam publicamente.
A armadilha da “saída negociada”
Ainda que Uribe mostrou certo isolamento externo, no imediato tem utilizado esta ação para se fortalecer internamente e tratar de encaminhar sua nova re-eleição, para a qual necessita uma modificação constitucional. Isso se da num contexto de aceleramento da crise econômica nos EUA e da tentativa de seus aliados mais fieis de utilizar os últimos meses do governo Bush para manter ou ganhar posições, como mostra não só o feito por Uribe, como o brutal massacre cometido por Israel em Gaza.
Na região, sem dúvida, o que predomina é a política de “contenção” que encarnam os governos do Brasil e Argentina - ainda que na cúpula do Rio o papel central neste sentido foi representado pelo conservador governador mexicano, surgido de uma fraude eleitoral. Lula e os Kirchner estão com uma política mais próxima dos imperialismos europeus e favorável a uma certa mudança de rumo para sua política exterior que setores do stablishment estadunidense estão incentivando depois do fracasso no Iraque, sem que isto signifique, entretanto, uma oposição ao essencial da política Bush, como mostra o papel representado pela Argentina e pelo Brasil, junto ao Chile e ao Uruguai, na ocupação do Haiti.
A “multilateralidade” apregoada por Cristina Fernandez no discurso não implica nenhum questionamento ã ordem imperialista, mas simplesmente reivindicar um lugar subordinado em um utópico “diretório imperialista mundial” que contenha os antagonismos sociais e políticos frente ã decadência da hegemonia estadunidense e, sobretudo, frente aos temores ás rebeliões sociais que podem provocar a crise econômica internacional em curso.
No caso da Colômbia, a proclamada “saída política” ao conflito que colocam estes governos não é outra coisa senão que a busca da rendição da guerrilha pela via negociada, tal como aconteceu com os “acordos de paz” em El Salvador ou na Guatemala. Nestes, as guerrilhas da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FFMLN) e da Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG) se desarmaram sem que nenhum dos objetivos políticos e sociais pelos quais milhares haviam tomado as armas - especialmente camponeses - se tivessem cumprido. Estes acordos levaram a que, no caso guatemalteco, os militares responsáveis de um genocídio calculado em 95.000 pessoas, predominantemente camponeses indígenas, gozem hoje em dia de completa impunidade.
Abaixo o Plano Colômbia! Castigo aos assassinos de Reyes e seus companheiros!
Desde o PTS repudiamos o massacre cometido por Uribe e pelos Ianques desde um primeiro momento. Frente ã covardia dos governos da região que mostrou a cúpula do Grupo Rio, dizemos com clareza que é preciso se desenvolver a mais ampla denúncia do terrorismo de Estado praticado pelo governo Colombiano e lutar para colocar fim ao Plano Colômbia e a toda presença imperialista no continente. Estamos pelo reconhecimento das FARC e do ELN como forças beligerantes, para além de não compartilharmos nem com seu programa, nem com sua estratégia. Exigimos o julgamento e castigo dos mentores e executores do massacre de Reyes e outros 20 guerrilheiros. Por sua vez, como se tem mostrado na crise recente, os trabalhadores e o conjunto dos oprimidos da região não podem depositar nenhuma expectativa de que a liquidação do imperialismo e das oligarquias nativas virá das mãos dos governos com retórica nacionalista com os de Chávez, Correa ou Evo Morales. Enquanto os defendemos frente a toda tentativa de golpe reacionária ou de agressão imperialista, dizemos com clareza que a classe trabalhadora tem que construir organizações políticas independentes e lutar por governos de trabalhadores e camponeses. Somente eles poderão ser a base para uma real integração dos povos da América Latina em uma Federação de Repúblicas Socialistas que termine para sempre com a opressão imperialista que nos condena ao atraso, ã fome e ã miséria.
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- Entrevista a Edgar Paéz, do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Industria de Alimentos
O presidente Uribe coloca que na Colômbia se vive uma panacéia em matéria de direitos humanos. Qual é a sua apreciação a respeito?
Precisamente, neste momento, está se desenvolvendo o quarto Evento Nacional de vítimas de Estado. São cerca de 2.000 homens e mulheres vindos de todas as regiões do país, onde nos juntamos para denunciar os crimes cometidos pelo terrorismo de Estado e exigir a reparação integral para as vítimas.
Esta assembléia esteve precedida por uma grande marcha em várias cidades do país, uma marcha imensa de mais de meio milhão de pessoas para protestar contra os crimes que estão sendo cometidos. Depois que terminar esta assembléia estaremos realizando uma nova sessão do Tribunal Permanente dos Povos seção Colômbia, onde as comunidades de distintas partes do território apresentarão suas queixas e acusações contra as multinacionais e o Estado.
Na Colômbia temos muitíssimos recursos naturais que estão sendo explorados, extraídos pelas grandes multinacionais e o Estado não faz absolutamente nada. Pelo contrário, através de leis facilita que estes recursos saiam do país, para que a população se precarize muito mais, para que as organizações sociais continuem sendo aniquiladas e para que este território continue sendo um lugar propicio para que o Tratado de Livre Comércio permita que as multinacionais, fundamentalmente dos EUA possam chegar e posicionar-se em melhores condições e extrair os recursos naturais por mais baixo custo. Igualmente ã exploração de mão de obra, porque aqui o desemprego é muito alto e há uma taxa de sindicalização sumamente baixa. Porque os sindicatos estão sendo aniquilados. Porque continuam assassinando a seus dirigentes e porque os dirigentes continuam saindo do país para evitar de caírem mortos nas ruas produto dos paramilitares.
Você falava da cumplicidade das empresas multinacionais. Poderia nomear alguma delas?
Atualmente existem várias ações na Corte dos EUA contra a Coca-Cola, e também contra a multinacional Drummond. E aqui na Colômbia a raiz dos acordos tripartites da OIT há 13 juizes que estão investigando 178 casos de crimes cometidos contra o movimento sindical. Mas nos encontramos num cenário em que estes juizes estão sendo retirados. O juiz que levava as investigações sobre Luciano Romero, trabalhador da Nestlé, assassinado pelos grupos paramilitares da Costa Caribe, e sobre o assassinato de três de seus companheiros dirigentes sociais do Departamento de Arauca (massacre de Canho Seco) foi retirado de seu cargo a partir de 1° de janeiro deste ano.
Quantos dirigentes sociais foram assassinados oficialmente na Colômbia?
As cifras que oficialmente estão apresentando ao mundo é que foram assassinados 2.573 dirigentes sindicais nos últimos 20 anos, isso é o reportado, o documentado. Mas nós falamos que há mais de 4.000 assassinatos, porém, seus familiares não o denunciam porque têm medo de que sofram represálias, que tenham que sair do país pelo simples feito de denunciar este tipo de atrocidades.
Traduzido por Felipe Lomonaco.