Estado Espanhol
A irrupção da juventude abre as primeiras fendas no regime herdeiro de Franco
04/06/2011
Durante a última semana, as principais praças das cidades do Estado espanhol foram o foco de atenção de todo o mundo, especialmente para os lutadores operários e da juventude que seguiram com atenção como se desatava, em um dos países mais golpeados da Europa pela crise capitalista, um amplo movimento da juventude contra as obscuras perspectivas de futuro ás quais nos condenam os patrões, os banqueiros e os políticos a seu serviço. As dezenas de concentrações e acampamentos ao redor do mundo são testemunhas disso.
O processo se iniciou com as massivas mobilizações que sob o lema “por uma democracia real já” se desenvolveram no domingo, dia 15 de maio. A repressão da mais massiva mobilização dentre elas, a de Madri, desatou uma reação pela liberdade dos detidos na forma de acampamento, que após um primeiro despejo, foi-se massificando e se estendendo por todo o território. Ao final da semana, coincidindo com as eleições municipais e de várias comunidades autônomas, dezenas de milhares de pessoas desafiaram as proibições de concentração emitidas pela Junta Eleitoral Central, abarrotando as praças, participando em assembléias de milhares e colocando agudas denúncias ao Regime político da Constituição de 1978, suas instituições e as políticas de ajuste para que sejamos os trabalhadores os que paguemos pela crise.
A “geração perdida” do FMI quebra a paz social de Zapatero
O principal setor protagonista do chamado “maio espanhol” foi precisamente a juventude, que enfrenta uma dramática situação de falta de perspectivas de futuro, com um desemprego oficial de 45%, um processo muito ofensivo de elitização da educação, salários de fome… Inspirados nos processos revolucionários do mundo árabe, fazendo uso de ferramentas como as redes sociais e alguns métodos como a ocupação de ruas, dezenas de milhares de jovens estão protagonizando uma luta que pode significar um ponto de inflexão com respeito ã débil resposta que se vinha dando. Também amplos setores das classes médias e dos trabalhadores simpatizam, e inclusive participam, dos acampamentos e das assembléias, embora os trabalhadores ainda o façam na qualidade de “cidadãos”, ou seja, não com seus próprios métodos de classe, como a greve. O mais interessante foram algumas ações de setores de jovens para solidarizar-se e confluir com os trabalhadores em luta (ver aparte). Este movimento nasce enquanto os Governos autonômicos preparam ataques brutais contra a saúde e a educação dos trabalhadores, o que pode provocar importantes mobilizações, comojá sucede na Catalunha.
O PSOE afunda e a direita obtém um grande êxito eleitoral
A “indignação” expressa, em primeiro lugar, o distanciamento crescente entre o PSOE – a pata esquerda do Regime bipartidarista espanhol – e um setor importante do seu eleitorado, do qual uma porção se refugiou no voto nulo e no voto branco (que subiu 280.000 votos, o máximo da democracia), na abstenção ou no voto em opções consideradas mais de esquerda (como IU que ganha 200.000 votos e outros partidos extra-parlamentares que de conjunto receberam 300.000 votos a mais que em 2007). Pela esquerda, cabe ressaltar o histórico resultado da coalizão da esquerda abertzale Bildu (313.000 votos, 25% do País Basco, somente atrás do PNV), e em menor medida o bom resultado das CUP na Catalunha (62.000 votos). A direita, encabeçada pelo PP, obteve uma vantagem histórica com respeito ao PSOE de 10 pontos percentuais, se bem que só conseguiu aumentar 550.000 votos. Outras opções “ganhadoras” são o populismo espanholista da UpyD (com 460.000 votos; 208.000 na capital) e a xenofóbica PxC (que entra em várias câmaras municipais do cordão industrial barcelonense, com 65.000 votos).
Assim, pois, ao mesmo tempo em que vão desenvolvendo-se tendências de luta pela esquerda (o despertar da juventude), a direita espanhola – com profunda tradição e uma base social ainda ampla, e inclusive disposta a militar se for preciso – também avança. Paulatinamente o fim da paz social vai transformando-se em uma polarização social que anuncia a difícil prova pela qual terá que passar o Regime de 1978 no próximo período.
Começam a abrir-se as fendas no Regime herdeiro de Franco
Passadas as eleições, o protesto continua. Ainda que a vitória eleitoral da direita caísse como um “balde de água fria” em parte dos setores mais amplos do movimento, uma vanguarda de milhares continua participando dos protestos e das assembléias. As discussões sobre como seguir, como estender-se, atravessam as praças, e estão começando a reproduzir assembléias em bairros e municípios periféricos. Sem poder aventurar os ritmos e as formas que adotará, os últimos dias estão saindo à luz as primeiras fendas pelas quais se pode terminar derrubando o Regime da Monarquia de Juan Carlos I.
As demandas do movimento põem em questão a falsa democracia a serviço da patronal e dos bancos, exigem o fim de instituições pilares do regime como a Monarquia, o fim do bipartidarismo e a corrupção e outras demandas democráticas profundas que não cabem na Constituição de 1978. Igualmente, muitas das demandas para resolver os problemas de desemprego, habitação, serviços públicos… questionam o sistema de exploração capitalista, como a repartição das horas de trabalho sem redução salarial, a expropriação das residências dos especuladores, a nacionalização dos bancos… E tudo isto sucede com o pano de fundo de uma enorme crise econômica, que não deixa margem para concessão alguma – o que “tocam” agora são ataques – e com as mediações políticas (especialmente o PSOE) e sindicais (a burocracia sindical muito ligada ao PSOE) em um descrédito crescente. Essas tendências pela esquerda expressam-nas uma numerosa vanguarda, mas é factível e necessário que se vão estendendo a amplos setores dos trabalhadores e do povo.
Por uma Assembléia Constituinte Revolucionária, por uma república dos trabalhadores
Para conseguí-lo, é necessário que a juventude dos acampamentos se ligue e conflua com os trabalhadores e outros setores, começando por aqueles que se encontram em luta. É necessário estruturar o movimento nos institutos, nos bairros, nas universidades, e sobretudo nos locais de trabalho, levantando comitês de base e assembléias para ampliar e consolidar o movimento, que se coordenem entre si. É fundamental que os trabalhadores intervenham com seus próprios métodos para escorraçar o Governo, o Regime e a burguesia. Neste sentido, a esquerda sindical e os setores combativos e de base dos sindicatos mais numerosos devem também somar-se a esta luta, combatendo junto com a extrema-esquerda os preconceitos anti-sindicais e anti-política existentes em parte desta vanguarda que dificulta que a luta possa dar um salto. Trata-se em primeiro lugar de superar a política de paz social dos dirigentes sindicais vendidos impondo um plano de luta e a greve geral.
Somente assim poderemos conseguir resolver as demandas que estamos colocando. Devemos impor com a luta um processo constituinte de todo o Estado espanhol, uma Assembléia Constituinte Revolucionária, conformada por representantes eleitos por cada certo número de habitantes e onde discutamos como resolvemos todas as questões democráticas e todas as nossas necessidades econômicas e sociais. Esta saída democrática radical que milhares já estamos reivindicando nas ruas deveremos obtê-la somente com nossa luta. Os partidos patronais e a Monarquia vão-se defender com unhas e dentes para evitá-lo, pelo que este processo só se poderá abrir pelos lutadores sobre as ruínas do atual Regime, por um Governo Provisório conformado pelos trabalhadores e setores em luta que jogue abaixo o regime herdeiro de Franco e imponha uma República dos trabalhadores.