INVASÃO NO MALI
Abaixo a intervenção francesa no Mali!
23/01/2013
Por Philippe Alcoy | Courant Communiste Révolutionnaire dans le NPA [1]
«Senhoras e senhores, o Mali faz frente ã uma agressão de elementos terroristas, vindos do norte, sobre cuja brutalidade e fanatismo o mundo inteiro está a par». É assim que François Hollande apresentou, em 11 de janeiro, a máquina de guerra tricolor que foi colocada em marcha. Os socialistas e ecologistas não estão em sua primeira experiência. Sem precisar voltar muito atrás, pode-se levar em consideração a intervenção em Kosovo em 1999 e ao Afeganistão, sob o governo da Esquerda Plural PS-PC-Verdes de Jospin.
Desta vez é no norte do Mali que os socialistas intervêm, uma vasta região, grande como a França, controlada notadamente por grupos armados islà¢micos há muitos meses. O interesse é de defender a precária estabilidade neocolonial francesa na África Ocidental, assim como os interesses das multinacionais francesas, como Areva, que puseram a região sob corte regular há décadas. Tudo está acompanhado de fórmulas tão altissonantes quanto mentirosas sobre “a defesa da democracia”, ou a “luta contra o terrorismo”, que não se prestam senão ã confusão. O nome da operação é muito mais revelador sobre a verdadeira natureza desta intervenção imperialista que todos os discursos de Hollande reunidos: “Operação Serval”. Como não deixou de assinalar a imprensa argelina, trata-se de um “pequeno felino africano que possui a particularidade de urinar trinta vezes por hora para marcar seu território” [1].
Hollande afirmou a vontade de acabar com a “Françáfrica”, virar a página do discurso de Dakar de Sarkozy, mas a política estrangeira do PS no poder segue sendo essencialmente a mesma que a da UMP: servir e proteger os interesses das multinacionais francesas em todo lugar do mundo, notadamente em suas antigas colônias africanas. E a atividade militar francesa dos últimos meses não cessou um só instante. Em menos de dois anos Paris interveio na Líbia [2], onde a Total se saiu muito bem na situação delicada da partilha do petróleo líbio; na Costa do Marfim, em que os franceses expulsaram pelas armas Laurent Gbagbo do Palácio presidencial de Cocody para assessorar Alassane Ouattara na presidência, para a maior felicidade dos patrões franceses; é agora a vez do Mali, sem falar do apoio discreto concedido a François Bozizé na África Central em fins de dezembro, ou a intervenção na Somália para liberar um espião francês, “missão” que foi encerrada com um fracasso [3].
Em todo caso, pela rapidez do destacamento do Exército francês e os gestos e declarações políticas há alguns meses, é evidente que esta nova intervenção imperialista fora planejada de longa data [4]. O avanço das forças islà¢micas sobre Bamako, cujos objetivos seguem obscuros, não foi senão o pretexto ideal para justificar o desencadeamento do ataque. Com efeito, o governo francês procura justificar sua ação por trás da “luta contra o terrorismo” e a proteção de um “país amigo”. Se bem que o desencadeamento desta intervenção parece ter um caráter muito unilateral da parte do imperialismo francês, este, na forma, busca lhe dar uma aparência de “legalidade internacional”, colocando adiante a resolução 2085 da ONU, que o próprio imperialismo francês a fez adotar, para justificar uma intervenção militar, e o apelo ã ajuda do presidente marionete malinês, Dioncounda Traoré.
Entretanto, as motivações da intervenção francesa são bem alheias a essas. Trata-se, no quadro da crise capitalista internacional, de garantir os novos setores de valorização do capital imperialista francês através da “reparação do atraso” da exploração dos recursos naturais em seu “pátio traseiro” africano. Não é um acaso se, recentemente, em visita ã Argélia, Hollande e Fabius obtiveram contratos para as empresas francesas no setor de combustíveis. No caso específico do Mali, a “estabilização” do país é fundamental para levar a bom termo os assuntos das multinacionais. E isso, não somente no Mali, mas em toda a região. O “respeito ã integridade territorial do Mali” não é de maneira alguma uma preocupação para o imperialismo francês. É, aliás ele que traçou ã régua as fronteiras do país durante o período colonial, no tempo da África Ocidental Francesa. Paris quer unicamente se assegurar de que os interesses dos capitalistas serão preservados e novos contratos assinados, mesmo se para isso for necessário negociar em diversos níveis com vários interlocutores diferentes, ao sul e ao norte do Mali. É o sentido de negociação mais ou menos indireto que Paris conduzia com certos grupos “rebeldes” como o MNLA, que hoje oferecem seus serviços ã França para “combater os islà¢micos” em troca da “autonomia” da região do Azawad. É igualmente o sentido de negociação empreendido com o Ansar-Dine, antes que seus combatentes ultrapassem a linha de cessar-fogo de janeiro. O avanço dos islà¢micos sobre o sul e o fato de não poder contar com um parceiro “confiável” ao norte fizeram finalmente pender a balança intervencionista da França.
Poderá a França sustentar tudo sozinha?
A França se lançou nessa intervenção pegando de surpresa a maior parte de seus "parceiros", assim como o fato de que já conta com ao menos 1700 soldados no Mali. As outras potências imperialistas, por ora, não se orientam a enviar reforços para as tropas francesas. Sozinhos, as tropas da MIMA, assim também os 2000 soldados do Chade, deverão tomar posição ao lado dos franceses. Mesmo que haja um largo consenso e que a UE e os Estados Unidos declarem seu apoio político ã intervenção, a realidade é que, diferentemente da guerra na Líbia em que Sarkozy tinha conseguido envolver certos países imperialistas na intervenção da OTAN, agora isso é muito improvável de ocorrer.
Certos analistas assinalam já esta fraqueza e os riscos que ela comporta. Assim, "qualquer que seja assunto dos combates o verdadeiro teste sobre o terreno será a capacidade [da França] de favorecer a transição política democrática, guardar-se dos erros que se seguiram ás operações da OTAN na Líbia, dos Estados Unidos no Iraque ou da coalizão internacional no Afeganistão. A solidão francesa, num tema que concerne toda a Europa em sua fachada meridional… » [5]. Quanto ã atitude dos Estados Unidos sua hesitação a responder ã demanda de ajuda militar lançada pela França, assinala-se que isto reflete a dificuldade de Washington de compreender os objetivos da intervenção, mas também o fato de que os Estados Unidos defendem seus próprios interesses na África Ocidental, que há um bom tempo é observada secretamente e insistentemente pelos EUA.
Mas a outra dificuldade para Paris, além da lentidão no envio das tropas africanas da MIMA e das tropas do Chade, é a debilidade de seu "aliado local", o Exército malinês, que está em pleno estado de decomposição, mesmo se a intervenção francesa pudesse empreender certo processo de reforço das forças repressivas do Estado do Mali (sobretudo em caso de vitória).
O Exército françês não levará nada de bom para as massas de Mali
« Esta é a existência de hoje deste Estado amigo (...) os terroristas devem saber que a França estará sempre aqui para apoiar uma população que quer viver na democracia”, continuou cinicamente Hollande em sua declaração de guerra em 11 de janeiro. Essas palavras ressoam tanto mais hipócritas que ao mesmo tempo, na França, o governo do PS-Verdes reprime as mobilizações dos imigrantes ilegais, os quais uma boa parte são de africanos da África do Oeste e malinenses! Hipócritas ainda quando consideramos as condições monstruosas de trabalho e habitação aos quais esses trabalhadores imigrantes bem como suas famílias são condenadas pela patronal francesa!
A entrada das forças armadas francesas não faz mais que reforçar o poder ditatorial do Exército Malinês e dos homens do capitão Sanogo, que continuam a determinar a lei em Bamako desde o golpe de Estado em março de 2012. O governo fantoche no poder a propósito, acaba de instaurar o estado de urgência que implica numa censura total a imprensa e plena liberdade para os militares abrirem inquéritos e barrarem e controlarem os opositores, a começar pelos militantes do movimento operário e sindical sul-malinês que travaram um certo número de combates nestes últimos meses [6]. Desse modo, “ desde que o estado de urgência foi decretado no Mali, no dia 11 de janeiro, os controles militares estão multiplicados, principalmente ao redor de Konna, Sévaré e Mopti. Em Sévaré, como noticia a FIDH, os serviços de segurança malinenses realizam loucamente buscas sistemáticas nos passageiros nos numerosos pontos de checagem (...) Tudo que parece suspeito é barrado, como os longos cobertores de inverno que utilizam habitualmente os homens da vila. “ Isto pode esconder armas, é suspeito” conta o morador. A partir das 9 horas, não há mais ninguém nas ruas: os militares tem ordem de atirar em todas as pessoas que tem um comportamento suspeito.(...) Dentre as organizações de defesa dos direitos humanos, o temor de ver os acertos de contas se transformarem em atos de vingança é grande” [7].
Longe de levar a « paz », a « democracia » ou de restaurar a « integridade territorial do Mali », o imperialismo françês interveio para defender seus próprios interesses sobre as costas dos trabalhadores superexplorados e da pilhagem das matérias-primas africanas. E para isso a França nunca hesitou, e não hesita sempre, a apoiar os piores ditadores [8].
Na França, « união sagrada » por trás de Hollande e sua guerra!
« Foi um grande momento para agir » exclama Jean-François Copé; “ a luta contra o terrorismo exige a unidade da Nação para além das clivagens partidárias “ explica solenemente François Filon; “ mesmo se a unidade nacional não é decretada, o agrupamento das forças políticas que contribuem para a democracia é necessário nesses momentos” acrescenta Jean-Louis Borloo; mesmo Marine Le Pen, que tanto insulta “o UMPS”, felicita “ de uma cooperação de defesa entre nossos dois países, em uma zona francófona” [9]. Um grande fronte é então formado entre as mídias burguesas mais importantes e os diferentes partidos que defendem os interesses do capital imperialista francês para encorajar, apoiar e legitimar essa nova “aventura” militar de seu Exército. Mesmo aqueles que mostram algumas reservas não o fazem tanto pelos seus objetivos, mas sim pelos seus métodos, como é o caso de Dominique de Villepin que gostaria que Paris tivesse recorrido antes ao “diálogo” ou Noël Mamère e alguns ecologistas (verdes) que gostariam que se tivesse discutido antes no Parlamento.
Mas mesmo do lado daqueles que se dizem “a esquerda da esquerda”, todos se alinham ã sua maneira frente aos interesses da burguesia francesa. É dessa forma que Jean-Luc Mélenchon, continua assim,sem dúvida, sua linha de “crítica construtiva », ele declarou num primeiro momento que o fato de se ter decidido pela intervenção “sem consultar previamente nem o governo nem o Parlamento” seria condenável e que o compromisso da França em Mali seria “discutível” porque “os interesses fundamentais da França não estão em questão, mas o chefe de Estado, e depois que as tropas africanas já estão recrutadas» [10]. Mas o que são “os interesses fundamentais da França” senão os interesses da burguesia imperialista francesa?.
Nessa unanimidade militarista, como mostram as sondagens, 75% das opiniões são a favor da intervenção, as declarações chauvinistas (patriotas) e pró-imperialistas de Melenchon e de seu partido são tão mais escandalosas que aquelas que dizem que com esta guerra Hollande procura ganhar um distintivo e reforçar politicamente seu governo. Esta intervenção, para Hollande, é a versão militar, externa e brutal da ofensiva francesa que levou o governo no fronte da austeridade e da reforme do mercado de trabalho.
É preciso combater « nosso » imperialismo aqui e agora!
Está claro que um dos pontos de apoio para legitimar a intervenção imperialista é o característica reacionária e antipopular dos grupos islà¢micos que tomaram o controle do Norte do Mali. O fantasma do “ terrorismo islà¢mico” permite a França se apresentar como “a salvadora ex-colonial”. Mas tudo isso é uma máscara. Nunca o imperialismo defendeu a liberdade e a democracia. Pelo contrário, no Mali, esta intervenção apoia um governo fantoche ilegítimo que ataca de frente o direito elementar a autodeterminação de Azawad. Esse elemento de opressão sobre os povos do Norte do país e a ofensiva militar francesa, se esta última prossegue,deixará ainda mais difícil para os trabalhadores, camponeses e os povos do Sul de Mali, de se libertarem do chumbo militar, da corrupção, dos planos de ajuste ditados pelo FMI, bem como de elementos funcionais a manutenção da ordem franco-africana.
Mas existe, sobretudo, outro elemento sobre o qual o governo PS pode se apoiar para continuar sua campanha militar: o fato que a unanimidade militar e chauvinista é sustentada pela “esquerda da esquerda” como nós acabamos de ver igualmente pelas direções das principais forças sindicais do movimento operário. É nesse sentido, que para a extrema esquerda, começando pelo nosso partido, o NPA (Novo Partido Anticapitalista), mas igualmente para o Lutte Ouvrière (Luta Operária), que também tem tomado posição contra a intervenção, será essencial a iniciativa de manifestações contra esta nova guerra imperialista.
Enquanto marxistas revolucionários, nós não nos pronunciamos unicamente contra a intervenção, mas pela derrota de “nosso” imperialismo. Evidentemente, isso não quer dizer apoiar politicamente as forças islà¢micas que estão hoje ã cabeça da ofensiva. O programa de Ansar-Dine e de outros grupos islà¢micos consiste, a propósito, em última instância, em renegociar as condições de subordinação da burguesia malinense com relação ao imperialismo, particularmente se ligando mais as petromonarquias do Golfo. No entanto são fiéis aliados do imperialismo norte americano. É certo que tudo que enfraquece ou questiona o poder francês só poderia reforçar, localmente, a posição do movimento operário e popular que luta pela defesa dos interesses do povo malinense contra a burguesia local que está sob as ordens das multinacionais francesas. É também por isso que só podemos desejar que o exército francês se choque com a resistência a mais dura possível e que sua ofensiva seja colocada em xeque e derrotada.
Mas uma vitória do Exército francês no Mali teria igualmente um impacto extremamente negativo para a nossa classe. Isso reforçaria o governo e a patronal e daria ainda mais margem de manobra para aprofundar sua ofensiva. Aqueles que realizam enormes lucros na África são os mesmos que nos demitem aqui na França. É por isso que, para além das posições que deveriam levantar os revolucionários, a extrema esquerda deveria defender posições internacionalistas elementares propondo ao conjunto das organizações do movimento operário e da juventude, tanto sindicais como políticos chamar, onde for possível, ao menos em Paris, um ato contra a intervenção.
Abaixo a intervenção imperialista, com ou sem o mandato da ONU ou do Parlamento!
Não a abertura do espaço aéreo argelino aos bombardeiros franceses!
Pelo direito a autodeterminação do conjunto do Azawad e dos povos de Mali!
Retirada de todas as tropas francesas da África e dos locais de operações exteriores!
Notas:
[1] Le Monde, « La presse algérienne critique l’attitude "coloniale "de la France au Mali », 14/1/2013
[2] Veja : C. Tappeste « Une victoire de l’impérialisme qui menace le printemps arabe » (http://www.ccr4.org/Une-victoire-de-l-imperialisme-qui).
[3] Note-se igualmente que desde 2008 a França é um dos principais colaboradores da Operação Atalante, ao longo das costas somalis. Os navios de guerra e os aviões franceses contribuem para a “segurança” do Golfo de Aden, ou ainda para proteger a passagem dos navios comerciais e dos tankers, e isto para o maior benefício dos armadores internacionais. Outro foco da Operação Atalante é de apoiar as forças da ONU na Somália, a AMISOM, que apoiam a força o governo fantoche sob as ordens imperialistas de Hassn Sheikh Muhamud.
[4] Veja : Loïc Guillaume, « Ingérence diplomatique et projet d’intervention militaire de la France au Nord-Mali » (http://www.ccr4.org/Ingerence-diplomatique-et-projet-d-intervention-militaire-de-la-France-au-Nord-Mali).
[5] Le Monde, « L’intenable solitude française au Mali », 17/1/2013.
[6] No último mês de junho, as minas de ouro foram bloqueadas por um importante movimento de greve. No começo de setembro, foi a vez dos trabalhadores do aeroporto de Bamako se mobilizarem, seguidos pelos professores de ensino superior, um dos setores mais combativos do país nos último anos. No fim de outubro, os lixeiros de Bamako estiveram igualmente em greve. Sistematicamente os grevistas encontraram o exército frente a frente.
[7] Le Monde, « Les allégations sur des exactions de l’armée malienne se multiplient », 15/1/2013.
[8] Veja sobre o tema o artigo de Loïc Guillaume e Marah Macna « Retour sur quatre mois de gestion « socialiste » de l’impérialisme » (http://www.ccr4.org/Retour-sur-quatre-mois-de-gestion-socialiste-de-l-imperialisme).
[9] Le Monde, « Intervention française au Mali : large consensus autour de la décision du président Hollande », 11/1/2013.
[10] Idem.
NOTASADICIONALES
[1] Le Courant Communiste Révolutionnaire (CCR) s’est créé en avril 2011. Il est formé par des militantes et militants issus de parcours et de traditions diverses. Certains viennent de l’ancienne LCR ou d’autres courants d’extrême gauche. Certains n’avaient pas d’autre expérience militante avant le NPA. D’autres encore sont affiliés ã un courant international, la Fraction Trotskiste – Quatrième Internationale. Nous sommes une composante de la Plateforme 4 du Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA).