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EEUU - Cuba

EUA e Cuba: da emenda Platt ao restabelecimento de relações

22/12/2014

EUA e Cuba: da emenda Platt ao restabelecimento de relações

“É um dever meu evitar, através da independência de Cuba, que os Estados Unidos se estendam (…) sobre outras terras de nossa América. Tudo o que fiz até agora e todo o que faça de agora em diante tem essa finalidade (…) Conheço o monstro porque já vivi em suas entranhas.”

Com essas palavras escritas pouco antes de morrer em 1895, José Martí alertava sobre o perigo que o imperialismo norteamericano nascente significava para as pretensões independentistas de Cuba e a vida de conjunto dos povos de Nossa América. O poeta e líder dos patriotas cubanos colocava claramente os EUA como um inimigo a se enfrentar: “Os povos da América são mais livres e prósperos a medida que se separam dos EUA. Jamais houve na América, da independência aos dias de hoje, assunto que demande mais sensatez, nem que obrigue mais vigilà¢ncia, nem que peça exame mais claro e minucioso, que o convite que os potentes EUA, repletos de produtos invendáveis, e determinados a estender seus domínios na América, fazem ás nações americanas de pode reduzido (…) A América espanhola pode salvar-se da tirania da Espanha e agora, depois de ver com olhos audazes seus antecedentes, causas e fatores do convite, cabe dizer que chegou a hora para a América espanhola de declarar sua segunda independência.”

Cuba teve que lidar com a intransigência do imperialismo ianque desde a luta pela independência ao fim do século XIX. Em uma provocação articulada pelos EUA, em 15 de fevereiro de 1898, uma explosão queima o porte de Havana. O encouraçado Maine enviado a costa cubana sem autorização das autoridades espanholas em cuba, é afundado com um saldo de 154 tripulantes e dois oficiais mortos. Sempre se suspeitou que a explosão havia sido provocada pelos próprios norteamericanos para contar com uma desculpa para invadir a ilha. A guerra de 1898 entre Espanha e EUA deixou como saldo uma derrota dos espanhóis e a conquista da independência formal de Cuba em 1902. Apenas uma anedota: um dos promotores da guerra nos EUA foi o magnata dos meios de comunicação William Randolph Hearst. Em 12 de junho de 1901, a Assembléia Constituinte cubana redigiria a Constituição com uma cláusula, a Emenda Platt, redigida pelo senador norteamericano Edward Platt, como garantia dos interesses norteamericanos na ilha.

Segundo a emenda: “Cuba reconhece o direito dos EUA de intervir em seus assuntos internos; sempre que o último país o considere necessário para a conservação da independência cubana, e para a manutenção de um governo adequado para a proteção da vida, propriedade e liberdade individual (…) Para colocar os EUA em condições de manter a independência de Cuba e proteger o povo da mesma, assim como em sua própria defesa, Cuba arrendará ou venderá terras aos EUA; destinadas ao estabelecimento de bases navais e ã atividade carvoeira”. Desde então na ilha existe esse simbolo de neocolonialismo e das torturas e crimes contra a humanidade do estado imperial que é a base militar de Guantánamo. Sob esta cláusula, em 1906, convocados pelo presidente cubano Tomas Estrada Palma, os EUA intervém militarmente para impedir uma insurreição popular contra si mesmos.

A abolição da Emenda Platt foi o grito de guerra que deu origem ao movimento operário e estudantil cubanos e do nascente Partido Comunista de Cuba, fundado pelo grande revolucionário Julio Antonio Mella. Até a revolução de operários e camponeses em 1933 contra o ditador Gerardo Machado, apelidada de “burro com garras” devido a sua brutalidade, regeu a Emenda Platt que foi abolida pelo governo nacionalista de Ramón Grau San Martín, que viria a ser derrubado pelo sargento Fulgencio Batista, em serviço ás elites cubanas e aos interesses norteamericanos.

Em 10 de março de 1952, Batista retoma o poder pela via de um golpe de Estado, conhecido como o madrugazo, para impedir a vitória eleitoral do partido ortodoxo, onde um jovem chamado Fidel Castro Ruiz era indicado na lista de deputados, o que despertava o temor no imperialismo e nas classes acomodadas de Cuba. Ainda que não tenham apoiado abertamente o golpe, a burguesia e o imperialismo nada fizeram para impedi-lo. Posteriormente, os EUA romperiam com Batista e reivindicariam a partir de sua imprensa os barbudos de Sierra Maestra que lutavam contra o ditador. A famosa capa da revista Time que apresenta os guerrilheiros do M26 como heróis da liberdade, dão testemunho das expectativas norte-americanas em relação ao movimento opositor a Batista em Cuba. Consumada a revolução em janeiro de 1959, a política imperialista viria a ser, junto a ação de operário e camponeses, o principal foco de radicalização da revolução cubana que ia para além dos seus objetivos democráticos originais e terminaria expropriando a burguesia e os proprietários de terras, dando origem ao primeiro e único até agora, Estado operário deformado da América Latina.

Dois seriam os momentos mais tensos das relações cubano-norteamericanas neste período: a invasão da Bahía de los Cochinos em abril de 1961 por forças contra revolucionárias compostas pelos seguidores de Batista e treinadas pela CIA, e a crise dos mísseis em outubro de 1962 que enfrentou o governo de John Fitzgerald Kennedy, com o governo de Fidel Castro e o Kremlin, encabeçado por Nikita Kruschov, que colocou misseis nucleares apontando aos EUA em território cubano.

Desde 1960, o imperialismo norte-americano exerce um bloqueio econômico criminoso contra a Ilha. A partir de 1962, o embargo foi total e muitas das debilidades do Estado cubano se explicam por essa politica criminosa que isolou Cuba do mundo e significou uma enorme carga e condições precárias para a vida do povo operário e camponês de Cuba. Desde então o perigo de invasões norte-americanas pendia como uma espada de Dámocles sobre o pescoço da revolução cubana. Em 1992, ao momento da queda da URSS, o bloqueio se tornou lei, com o proposito expresso segundo o Ato de Democracia Cubana (Cuban Democracy Act, em inglês), onde as sanções apareciam como passos que Cuba daria rumo “a democratização e mostraria mais respeito aos direitos humanos”. O objetivo estratégico era provocar a queda do regime cubano. Em 1996 se sancionou a Lei Burton-Helms que proibia expressamente a possibilidade de fazer negócios dentro da ilha ou com o governo de Cuba por parte dos cidadãos estado-unidenses. Foram os anos do chamado período especial, onde a austeridade levou Cuba a beira de uma asfixia econômica. Em 1999, o presidente Bill Clinton ampliou o embargo comercial proibindo ás filiais estrangeiras de companhias estado-unidenses de comercializar com Cuba por valores superiores a US$ 700 mi anuais, sendo por isso a primeira lei transnacional do mundo. Contudo, em 2000 o próprio Clinton autorizou a venda de certos produtos humanitários a Cuba.

Foi nos tempos do Período Especial, quando sem a ajuda econômica das URSS e sem recursos energéticos, que a economia cubana esteve ã beira de um colapso e a população viveu tempos de ansiedade e racionamento extremo de seus recursos, ao passo que o governo castrista começou a introduzir reformas que permitiram certo alivio na situação, que levaram a um giro maior a partir de 1997, quando se começaram a implementar reformas de abertura na economia que levaram a que Cuba preservasse inversões de capitais europeus e latino-americanos. Mais tarde, a partir do apoio econômico e energético do governo de Hugo Chávez na Venezuela, Cuba aprofundaria o caminho das reformas que hoje, sob o mando de Raúl Castro, dão o tom da política restauracionista da burocracia cubana. Até que em dezembro de 2014, os presidentes dos Estados Unidos e Cuba, Barack Obama e Raúl Castro, acordam melhorar as relações entre ambos os países e começa-se o início do levantamento do bloquei a Cuba por parte dos EUA.

A mudança de Fidel Castro por seu irmão Raúl operou um acelerador das tendencias restauracionistas produto do descalabro econômico geral na Ilha e os interesses que se forjaram sob seu mando já desde os tempos do Período Especial. Por outro lado, é evidente que a mudança de estratégia norte-americana sob o comando de Barack Obama fortalece a ala do imperialismo ianque que quer participar das oportunidades de negócios que oferece Cuba e constitui um sério golpe aos setores mais duros do exílio norte-americano na Florida, os gusanos, que eram o setor mais influente na política norte-americana sobre os assuntos cubanos. A nova política ianque pode dar ares a uma oposição interna que sob bandeiras democráticas busque acelerar a contra-revolução que liquide as conquistas que seguem em pé da revolução de 1959. Distanciado o perigo da invasão, a contra-revolução democrática sob o guarda-chuva do imperialismo é hoje um perigo latento para o futuro da revolução cubana. O papel do Papa Francisco vai no sentido de reforçar a política de uma contra-revolução democrática. A mesma tem um antecedente na viagem de 1998 de João Paulo II. Evidentemente com Joseph Ratzinger ao mando da Igreja, o papel da diplomacia vaticana não poderia ter o mesmo êxito.

A exigência do fim incondicional do bloqueio norte-americano segue estando na ordem do dia. Assim como também está a luta pela democracia dos conselhos de operários, camponeses e soldados, com plena liberdade para os partidos defensores das conquistas da revolução, é uma política para implementar a luta contra a burocracia privilegiada que hoje comanda uma política que fortalece a restauração das relações capitalistas e contra qualquer intenção de contra-revolução democrática burguesa impulsionada pelo imperialismo.

Como dizia Che Guevara, no imperialismo não se pode crer nem um pouquinho assim, nada (muito menos se ao seu lado se encontra a Igreja católica). A história de Cuba, e de toda a América Latina, dá mostras de sobra de que a ele não faltava razão.

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