Importante convocatória do sindicalismo de base
Greve geral na Itália
05/11/2008
O governo de Berlusconi se apressa para descarregar brutalmente a atual crise sobre os trabalhadores e as classes populares. Assim como Prodi, seu predecessor de centro-esquerda busca dividir cada vez mais os trabalhadores para amortecer os efeitos de uma crise que há tempos vinha se manifestando. Além de medidas racistas contra os imigrantes, uma reforma educacional que dá continuidade ás medidas privatizantes e pró-patronais impostas por Prodi e uma campanha brutal contra os trabalhadores estatais, com cortes e aumento da precarização, a Confindustria, a grande patronal italiana, tenta impor uma reforma dos Convênios nacionais de trabalho. No entanto, o outono na Itália começou a ficar quente. Setores da classe operária e da juventude, dos quais já 15 milhões estão abaixo da linha da pobreza, estão começando a entrar em ação. Em setembro, a heróica resistência dos trabalhadores de Alitalia demonstrou que algo podia estar mudando no estado de ânimo da classe. Por sua vez, com enfrentamentos e as manifestações antiracistas apareceram massivamente os "italianos de segunda geração" dos subúrbios (filhos e netos de imigrantes, nascidos na Itália). Crescem os protestos entre docentes, secundaristas e universitários, com marchas de padres e professores, e ocupações de escolas e universidades nas grandes cidades italianas. A última notícia é que Berlusconi ameaça usar a polícia para pôr fim ao protesto estudantil e ás tomadas de universidades e de escolas. Este novo clima social forçou setores da burocracia sindical a relocalizarem-se. Outro sintoma da intensidade da atual onda de lutas: o Partido Democrata de Veltroni, depois de ter vacilado em manter sua manifestação nacional de 25 de outubro, em nome do "sentido de responsabilidade nacional" pela crise econômica, chama agora com tudo a mobilização e, enquanto fechamos esta nota, pediu a retirada da reforma Gelmini, para não ficar descolado das mobilizações. Por outro lado, este novo clima preencheu de um conteúdo distinto as manifestações que haviam sido programadas há um tempo atrás, como a de 11 de outubro, convocada pelo Refundazione Comunista (PRC) e os Comunistas Italianos (PdCI), que serviu de canal de expressão para dezenas de milhares de jovens e trabalhadores fartos da política do governo, e para a massiva greve geral de 17 de outubro, convocada pelo sindicalismo de base e ã qual damos continuidade.
A manifestação nacional que atravessou Roma demonstrou que a greve geral convocada pelo sindicalismo de base (RdB-CUB, Cobas e SdL1) teve um importante êxito. A adesão ã paralização foi superior ao previsto. Apesar da chuva que caiu durante toda a manhã sobre a capital, uma imponente manifestação (500.000 pessoas segundo os organizadores, 350.000 segundo o ’ La Repubblica’ ) desfilou durante mais de quatro horas entre Repubblica e Piazza San Giovanni.
Outras mobilizações contra o governo se organizaram em todo o país. Em Milào uma manifestação convocada pela CUB e pela SlaiCoba s² confluiu com outras duas mobilizações, uma dos docentes e outra dos estudantes, e marchou até a Reitoria. Depois de lançar ovos e bombas, os estudantes arrancaram as cercas e deixaram em frente ã porta principal uma bandeirola na qual estava escrito "Bloqueamos o decreto [de reforma do setor educacional], ocupação! A escola está contra Gelmini [ministra da Educação]! A revolta está na rua e apenas começou!". Greves e manifestações paralizaram também o trânsito em Nápoles e Palermo, enquanto os estudantes de Florença, Pisa e Siena se mobilizaram, ocupando as universidades.
(...) Em 17 de outubro foi enviada uma clara mensagem a Berlusconi. A greve mostrou que sua política de cortes salariais, de ataque ao setor público, de ataques ã educação, não cai bem a muitos, e menos ainda aos setores mais dinâmicos dos trabalhadores e dos estudantes. A paralização deixou claro que o governo não poderá passar automaticamente sua política, ao menos não sem ter que "pagar algum preço". E mais, quanto mais caro pague Berlusconi pelos ataques que está desencadeando, se o governo se debilita, em melhores condições estará a classe operária da península para lutar e reorganizar suas fileiras.
Professores, estudantes, estatais, trabalhadores do transporte, precários, todos unidos
Quem são os que saíram ás ruas e por quais motivos? O setor mais visível foi o que a imprensa italiana chama de "o povo das escolas", o magistério, golpeado três vezes: pela ofensiva generalizada contra a classe trabalhadora (reforma dos convênios nacionais de trabalho, redução dos salários e das jubilações, etc.), pelos cortes aos serviços públicos, e pelo ataque ã educação (a reforma Gelmini prevê uma redução dos professores, a privatização, em última instância, das universidades, através de sua transformação em "Fundações", a implementação de um modelo educacional mais autoritário e repressivo ainda, etc.).
Estavam também os trabalhadores do setor público. (...) Berlusconi pretende aprofundar uma orientação levada adiante nos últimos anos tanto pelos governos de centro-esquerda como de centro-direita, e que consiste em prosseguir com os cortes ã administração pública, tanto do ponto de vista financeiro como ocupacional. (...) Se notou a grande presença, nas distintas marchas, dos trabalhadores do transporte. Com a paralização, perturbaram o trânsito em várias cidades, como o mostra por exemplo os 33% de adesão ã greve em Roma. Estavam igualmente os trabalhadores precários, do setor público em particular. (...)
Enfim, a mobilização excedeu a todos aqueles setores influenciados pelas organizações do sindicalismo de base. Aí mora talvez a maior novidade e potencialidade da mobilização e da fase atual. Entre os manifestantes havia muitos trabalhadores não sindicalizados ou outros que têm o carnê de afiliado, em particular a principal organização sindical na Itália, a CGIL.
Que perspectivas ter depois da paralização do dia 17?
É certo que os objetivos defendidos pelos organizadores da greve do dia 17 (não aos cortes nos serviços públicos, não ã precarização trabalhista, por aumentos salariais e escala móvel, contra a especulação bancária e bursátil, por um salário social) têm uma matriz reformista-redistributiva (keynesiana de esquerda). É certo também que o conteúdo de uma mobilização impõe também aos que aderem a greve e o movimento real. Desde este ponto de vista, considerando a redução das margens redistributivas, os trabalhadores que pararam e saíram ás ruas poderiam revelar-se mais "antisistema" e "incompatíveis" em relação ás reivindicações colocadas pelas direções do sindicalismo de base.
Antes da greve do dia 17, as direções burocráticas do sindicalismo haviam anunciado (sem dar nenhum calendário nem precisar as modalidades das ações de força) uma série de mobilizações no setor da educação e do funcionalismo público. Ao mesmo tempo, no entanto, se declaravam dispostas a seguir dialogando com o governo como demonstraram as declarações públicas de Bonnani, líder da CISL, e de Angeletti, principal dirigente da UIL.
O chamado a se tomarem medidas de força por parte da burocracia tinha como objetivo debilitar a greve do sindicalismo de base. É sintoma também de uma mudança do estado de ânimo em alguns setores mobilizados. Tendo em conta, por exemplo, as assembléias de trabalhadores estatais nas quais participamos: o conjunto dos trabalhadores atacados pelo governo, pouco sindicalizados e que ainda não romperam com as direções políticas burguesas de centro-esquerda e com as direções burocráticas dos sindicatos, hoje em dia exigem, ainda que timidamente e sem ter a capacidade de imposição, uma luta verdadeira, eficaz e unitária.
Considerando a fase que estamos atravessando, a greve do dia 17 não pode ficar (...) como uma mera paralização cujo principal objetivo consiste em reforçar organizativamente o espaço do qual dispõem os sindicatos de base. Se as direções do sindicalismo de base colocassem o problema da construção de uma contra-ofensiva real e eficaz contra o governo, se soubessem retomar a bandeira das distintas lutas que atravessam a península hoje em dia, então a greve do dia 17 poderia transformar-se na primeira etapa de um movimento que sirva para construir uma frente de luta mais ampla, permanente e combativa.
A greve do dia 17, com os trabalhadores e os estudantes que aderiram ã medida de força de forma mais massiva que o previsto, foi um marco. Saberão as forças sindicais e políticas que se reivindicam combativas e classistas dar uma resposta a suas exigências? No comunicado nacional pós-greve, a direção dos Cobas diz que "a entusiasmante manifestação romana envia uma mensagem unitária e de conscientização para seguirem mais fortes que nunca na defesa dos direitos sociais e dos trabalhadores para todas e todos: adiante!". Prosseguir nesta direção significaria levar adiante uma batalha conseqüente e unitária (baseada em assembléias operárias, na abertura para as lutas atuais, inclusive quando estão hegemonizadas pela burocracia, etc.) para estender a atual frente de luta e transformá-la em um movimento mais geral contra o governo e a patronal.
¹ Segundo as siglas em italiano, Representantes de Base-Confederação Unitária de Base (RdB-CUB), Confederação dos Comitês de Base (Cobas), Sindicato dos Trabalhadores Intercategorial (SdL), as três principais organizações sindicais de base na Itália. Por mais que tenham um peso menor, se caracterizam por posições mais radicais que as das confederações sindicais históricas, CGIL, CISL y UIL [NdT].
² O Sindicato de Trabalhadores Auto-organizados Intercategorial-Comitês de Base (SlaiCobas, segundo suas siglas italianas), de menor envergadura em relação aos outros sindicatos de base, defende geralmente posições mais combativas e classistas [NdT].
Traduzido por Luciana Machado