Frente ã crise econômica internacional
O capitalismo merece perecer
17/10/2008 Palavra Operária
JPO: O que está acontecendo com o capitalismo mundial? Estamos frente a uma crise cíclica, ou se trata de um abalo mais profundo do sistema?
Estamos diante de um acontecimento de proporções históricas. Isso não dizemos apenas nós, os marxistas revolucionários, mas é uma verdade admitida até mesmo pelos setores mais conscientes da própria burguesia imperialista. A presente crise pode trazer grandes conseqüências políticas e sociais, além de lançar por terra as bases econômicas do último padrão de crescimento. Este padrão que esteve baseado na combinação entre super exploração dos trabalhadores e concessão de crédito barato para manter os níveis de consumo e produtividade nos altos índices de até pouco tempo atrás, tendo sido responsável por um aumento da taxa de lucro nos países centrais nas últimas décadas, tinha fundamentos totalmente artificiais, que agora quando rui, nos lembra cada vez mais a Grande Depressão de 1929. Neste sentido não se trata de apenas mais uma crise cíclica, mas de um abalo profundo no seio do ainda principal imperialismo, os Estados Unidos.
JPO: Que impacto isso pode trazer?
Não devemos nos ater apenas aos mecanismos econômicos desta crise, que vale lembrar ainda está no começo, senão, que devemos ter em mente que assim como a Grande Depressão a crise atual pode ser a antecipação de processos de enormes proporções entre a revolução e a contra-revolução. Lembremos que a Grande Depressão foi a ante-sala do processo revolucionário que se abriu na Europa, na França, na Espanha, mas também do fascismo na Alemanha. A derrota da revolução espanhola em 1937 abriu as portas aos preparativos da 2ª Guerra Mundial, via usada pelas burguesias imperialistas, sobretudo norte-americana, japonesa e alemã, para resolver o dilema que não havia sido respondido pela 1ª Guerra Mundial: qual seria a potência hegemônica. Mas a 2ª Guerra Mundial também foi uma via para tirar as economias dos países centrais da depressão, nos EUA com o New Deal e na Alemanha com o nazismo. Foi dessa forma que a economia da Alemanha se refez transformando-se numa máquina de guerra - para depois ser destruída novamente na própria guerra - enquanto nos EUA o plano keynesiano de Roosevelt, apesar do saudosismo de alguns intelectuais de hoje que o embeleza, não conseguiu resolver o problema do desemprego, já que a economia norte-americana se recuperaria de fato apenas com os EUA preparando a máquina de guerra, e num patamar superior quando este emerge como o grande vencedor. Ou em outras palavras, só após uma massiva destruição das forças produtivas na Europa e no Japão, que os Estados Unidos vão ajudar a recuperar. Claro que não devemos tomar a comparação entre a crise de hoje com a de 1929 mecanicamente. Devemos ver esta crise como um processo que vai se desenvolver ao longo dos próximos anos. Mas a ocorrência de fato, de um crack nas bolsas em todo o mundo, somada ã iminência de quebra bancária generalizada - sendo que hoje a interligação dos setores e ativos financeiros internacionais é muito superior ã da década de 30 do século passado - e prepara uma profunda recessão mundial. Por outro lado, o mito da ascensão pacífica da China como superpotência capaz de substituir os EUA ou do “descolamento” das economias latino-americanas, já começam a ruir. Na China, além da medida de liberalização para a venda das terras - um dos últimos resquícios que sobravam das conquistas da revolução - há uma desaceleração econômica importante, com o fechamento de 187 mil médias e pequenas empresas, enquanto suas exportações para os EUA podem sofrer um forte impacto e há ameaças de estouro de bolhas imobiliárias. Já a América Latina também sofre um duro revés: por exemplo, no Brasil, que há semanas se considerava um “modelo de desenvolvimento” mais importante do continente, houve perdas num só dia de US$ 89 bi por conta do dólar valorizado.
JPO: O que está em crise: o neoliberalismo ou o capitalismo? Há os que defendem que com mais regulamentação a economia poderia se recuperar...
Decididamente a crise é do capitalismo como sistema. O que se define como neoliberalismo, que de fato se constituiu como um salto na ofensiva contra os trabalhadores, na medida em que aprofundou a superexploração, é apenas uma forma que a burguesia tem de seguir dominando. O problema de colocar a questão desta maneira é propagar o mito, cada vez menos sustentável, de que sem derrubar o capitalismo como sistema de dominação, lançando mão de políticas de tipo neokeynesiana contra as neoliberais, se poderia ter um capitalismo mais “humano”. E lembremos como dizia Trotsky, o já citado New Deal como ápice deste tipo de política não passava de uma tentativa “de salvar a democracia imperialista pela via de dar presentes ã aristocracia operária e camponesa” [1]. Num certo sentido, ainda que não literalmente, pois não se trata de um keynesiano, a ascensão de Obama nos EUA atende a este anseio, já que desperta ilusões de mudanças em relação aos neoconservadores. Mas se o reformismo e o keynesianismo já não podiam responder ás demandas profundas dos trabalhadores no começo do século passado, agora muito menos, e teve seus tempos de auge e de morte no boom do pós-guerra.
Por outro lado, hoje, frente ã magnitude da crise e os sucessivos pacotes anunciados pelas burguesias imperialistas de compras de bancos e títulos tóxicos, vemos uma série de analistas dizendo que se trata de um giro “socialista” das cúpulas de poder nos EUA e União Européia, já que estes estariam “nacionalizando” os bancos. Na verdade, o que fazem é mostrar como o Estado burguês é um instrumento de dominação dos interesses da classe capitalista. Neste sentido, longe de serem nacionalizações como as que defendemos os marxistas revolucionários, o Plano Paulson e o recém anunciado pacote trilionário europeu para salvar as instituições que ameacem quebrar são nada mais que uma política para salvar os que já lucraram horrores, os banqueiros e superexecutivos de agências como o Lehman Brothers que “quebraram” levando para casa indenizações que iam de 23 a 35 milhões de dólares, lançando nas costas dos trabalhadores e dos setores médios o ônus da crise. Isso enquanto compram ativos podres destas instituições, o governo norte-americano que acumula o maior déficit de conta corrente da história, de US$ 183,1 bilhões. Esta política é apoiada tanto por McCain, como por Obama, candidato patrocinado pelos grandes financistas de Wall Street, como o próprio JP Morgan e grandes patronais como a Ford. Ou seja, com a intervenção estatal massiva de resgate de bancos e instituições por parte dos governos imperialistas, o que só na ultra conjuntura parece convencer os próprios capitalistas de sua eficácia, como mostram as fortíssimas oscilações das bolsas de valores mundiais para baixo após míseros dois dias de altas, são os próprios governos imperialistas que demonstram concretamente que não se trata de mais intervenção ou controle estatal. O capitalismo mostra sua inviabilidade histórica. Por mais que tentem colocar o marxismo como uma “doutrina do século XIX”, hoje vemos como foi o único a colocar uma explicação e um programa para responder a este sistema de miséria, e a demonstrar toda a sua irracionalidade. O capitalismo merece perecer.
JPO: Que acontecimentos podem se dar no que diz respeito à luta de classes?
É cada vez maior o número de norte-americanos que são obrigados a deixar suas casas, e viver em estacionamentos dentro de seus carros ou em barracas, enquanto operários de grandes montadoras como a GM são demitidos aos milhares. Isso antecipa fenômenos ã esquerda, e ã direita - como já se manifesta com a perseguição crescente aos imigrantes na Europa e nos EUA, que aprovou leis antiimigração - elaboradas com o aporte do Partido Democrata - mais duras e não se pode ignorar a hipótese de surgimento de setores mais fascistóides. Na Europa, Sarkozy na França e Merkel na Alemanha foram eleitos para acabar com o Estado de Bem-Estar Social, mas a cada nova investida, se enfrentam com os trabalhadores, que apesar de responderem de maneira pouco política, barraram diversos ataques. Uma nova ofensiva, combinada ã recessão, pode levar a enfrentamentos ainda maiores. Nos países latino-americanos, que experimentaram anos de crescimento há muito não vistos e que começam a sentir os golpes da crise, há que preparar-se para que a economia deixe de ser um fator de estabilidade dos governos e passe a ser o contrário. Ainda é cedo para saber que resposta darão, sobretudo os governos pós-neoliberais, e não se pode descartar o aprofundamento do caráter bonapartista de alguns deles, como é o caso de Calderón no México que agora parte para ofensiva contra os docentes de Morelos . Mas o certo é que as burguesias das semicolonias, além das suas tendências ã divisão, tentarão descarregar a crise nas costas dos trabalhadores, como já se anuncia em nosso país com férias coletivas nas grandes montadoras.
JPO: Como responder a esta situação?
Sabemos que por mais que o capitalismo mostre toda a putrefação de suas bases, ele não desaparecerá por si próprio. Por isso, nós marxistas revolucionários, temos que nos preparar para acontecimentos convulsivos, como há muito não se via. O rotineirismo no sindicalismo de pressão, que se mantém na lógica de mobilizar apenas pelas demandas imediatas sem preparar a classe trabalhadora para os desafios que seguramente virão, e que costuma ter como contra-cara o eleitoralismo, é um veneno em nossos dias. É preciso que se perceba que a magnitude dos eventos que se anunciam tornam o Programa de Transição, elaborado há 70 anos, mais atual. Este documento chave para a IV Internacional tem fundamento central na lógica de partir “do nível de consciência existente para levantar consignas de transição”, ou seja, que parta da defesa contra os ataques imediatos da burguesia, mas apontando em direção a uma nova sociedade, a socialista, seja entendida menos como propaganda e posta em prática. Portanto, exemplos como o dos operários de Zanon que frente ao desemprego tomaram a fábrica e a colocaram para produzir, devem ser propagandeados como uma via de avançar para um programa operário de resposta ã crise.
No que diz respeito a outros setores, como a juventude, que na década passada foi quase uma voz isolada levantando-se contra o capitalismo no movimento que ficou conhecido como “no-global”, há que colocar a necessidade de se unir ã classe trabalhadora, tal como fizeram os jovens franceses em 1968. E acima de tudo, o que hoje se mostra como a questão mais importante, é partir do crescente questionamento que se abre sobre a inviabilidade do capitalismo e dar um passo adiante no sentido de organizar-se.
Não somos ultimatistas, e sabemos que se a burguesia mantém até hoje sua dominação, é em grande parte por ter apagado momentaneamente da memória dos trabalhadores e da juventude o que foi a sua maior conquista histórica: a Revolução Russa antes de sua stalinização. Para fazer frente a isso, fazemos um chamado a todos os trabalhadores e jovens que começam a se politizar, e vêem nesta crise toda a irracionalidade e anarquia capitalista, a discutir conosco, fazendo círculos de debate deste jornal e a organizar-se para lutar em agrupações que lutem pelos direitos das mulheres, pela construção de uma corrente classista atuante no interior da Conlutas, e pela entrada em cena do movimento estudantil ligado aos trabalhadores. É necessário lutar para que os trabalhadores, a juventude, e todos os setores explorados e oprimidos que começam uma vez mais a serem golpeados pela crise capitalista, se unifiquem para construir uma organização capaz de fazer com que a época de “crises, guerras e revoluções” que vivemos, não seja marcada apenas pelas “crises, e guerras”, mas acima de tudo por revoluções triunfantes. Portanto, a tarefa de forjar um partido revolucionário que possa preparar nossa classe para este combate, está na ordem do dia, pois os ataques já começam a ser descarregados em nossas costas. É neste sentido que a LER-QI coloca todas as suas forças.
NOTASADICIONALES
[1] O marxismo e nossa época.