FT-CI

RESGATES SEM PRECEDENTES PARA EVITAR O COLAPSO FINANCEIRO

O capitalismo na UTI

17/10/2008

O capitalismo na UTI

Depois do crash nas bolsas ocorridos na primeira semana de outubro, que ameaçavam chegar a um colapso financeiro e a possibilidade de entrar numa nova Grande Depressão, os governos imperialistas, em especial os governos europeus seguidos pelos EUA anunciaram os salvamentos dos bancos e do sistema financeiro mais importante da história do capitalismo. O jornal Financial Times que calculou que os governos europeus (incluídos os que não pertencem ã eurozona) colocaram ã disposição um total de 1,873 trilhões de euros - que equivale aproximadamente ao PIB anual da França - para salvar o sistema bancário. Esta indecente quantidade de dinheiro, ao qual se somam as dispostas pelo governo dos EUA e os resgates de países como Austrália, é uma mostra aproximada do tamanho do desastre. Entretanto, esta injeção milionária de dinheiro e as medidas “radicais” que os governos das principais potências tomaram como a chamada “nacionalização parcial dos bancos” pela imprensa burguesa, em rigor uma medida capitalista de salvamento dos banqueiros, não foram suficientes para deter as quedas das bolsas após uma breve euforia. Para além das oscilações dos mercados de valores, o que se abriu é um período em que as perspectivas econômicas de uma recessão profunda e prolongada em nível mundial. Para usar uma metáfora médica, se realizou no capitalismo uma primeira operação de alta complexidade. O paciente mostrou pequenos sintomas de vida apesar da UTI da intervenção. Sua recuperação pode ser lenta e dolorosa e seguramente necessitará de novas operações. Diagnóstico: seu estado segue sendo grave.

Inesperada resposta dos governos centrais da Europa

Após uma semana que havia mostrado uma forte divisão e uma política de salve-se quem puder, os governos das principais potências da Europa deram uma resposta inesperada coordenando as linhas comuns de um plano de salvamento do sistema financeiro a ser aplicado por cada governo a nível nacional. Estas medidas foram adotadas pela Cúpula do Eurogrupo (os 15 países que integram a zona do euro) seguindo a “liderança” da Grã-Bretanha, que pertence ã UE mas não adotou o euro, e seu primeiro-ministro, Gordon Brown, que ante o colapso iminente do sistema bancário britânico, um dos mais afetados na Europa por sua alta exposição e endividamento foi o primeiro a desenvolver um plano de intervenção estatal massiva no sistema bancário (que se parece bastante a uma “ação desesperada”). Os organismos da UE, como a Comissão Européia, se mostraram totalmente incompetentes frente ã crise, expondo as debilidades estruturais da construção da União. O plano dos governos europeus tem três componentes principais: 1) o aval estatal aos créditos entre entidades para reativar o crédito interbancário: 2) a recapitalização dos bancos em dificuldades com fundos públicos mediante a compra de ações e novas normas contáveis temporárias, 3) a compra dos ativos tóxicos de bancos se é imprescindível ou inevitável, ainda que não haverá um fundo comum de resgate, fundamentalmente por que a Alemanha desconfia de quem controlaria estes fundos públicos.

Estas medidas significam uma intervenção sem precedentes do Estado tanto no passivo dos bancos (capital reforçado com dinheiro público) como no ativo (parte dos créditos mais líquidos que os bancos comerciais passarão ás mãos estatais em troca de liquidez efetiva). O objetivo é evitar o colapso econômico por falta de liquidez. Por isso talvez o elemento mais importante em termos de manter o funcionamento dos mercados de capitais é o plano de garantir os empréstimos interbancários até cinco anos, medida que busca abrir o caminho dos bloqueios deste circuito creditício essencial para o funcionamento do conjunto do sistema financeiro. Ainda que em teoria pudesse funcionar, os empréstimos não são obrigatórios. Até agora, os compromissos em dinheiro de cada país são: Alemanha, 50 bilhões de euros, França, 36 bi, Espanha, 15 bi, Áustria, 10 bi.

O primeiro-ministro britânico anunciou que seu governo se converterá no maior acionista do Banco Royal of Scotland (RBS), uma vez que do grupo resultante da fusão entre Loyds TSB e o Banco Halifax of Scotland (HBOS). A conta equivale a 37 bilhões de libras que os contribuintes terão em troca de ações dos bancos afetados.

EUA na retaguarda dos governos europeus

No dia 14 de outubro e depois de uma enorme reticência, o secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, anunciava os detalhes do plano de aquisição de ações preferenciais por um valor de 250 bilhões de dólares a partir do plano de resgate proposto pelo Tesouro, já aprovado pelo Congresso. Paulson se reuniu previamente com a cúpula dos nove principais bancos norte-americanos e lhes disse que deveriam aceitar a “injeção de capital” e que esta não poderia ser voluntária. O objetivo de reunir os nove executivos e que todos participem no plano é evitar estigmatizar um banco que aceite a participação estatal, o que poderia desatar uma corrida contra esta instituição. Por sua vez, Paulson tranqüilizou os CEO (gerentes) dos bancos dizendo-lhes que a compra por parte do estado de ações preferenciais não “diluiria” o poder dos acionistas, já que só implica cobrar um juro pelos 250 bilhões de dólares que seriam entregues, além de que não se requer aos bancos eliminar os dividendos, nem se obriga os gerentes responsáveis pelo desastre a renunciar.

Só se fechou acordo, segundo a lei aprovada, que pusesse alguns limites em suas compensações, mas dada a postura de Paulson, um ex-gerente da Goldman Sachs, se pode esperar que sejam mudanças meramente cosméticas. Tampouco isso implica uma reestruturação compulsiva do sistema bancário, como a Suécia fez no começo dos anos 90, isto é, concentrar o investimento nos bancos que se consideram “salváveis” e ter estratégias como a derivação dos ativos maus a um organismo de arremate (como ocorreu na crise das sociedades de poupança e empréstimo S&L no final da década de 1980) para os que não podem seguir funcionando. A proposta de Washington contempla menos condições que seus pares europeus. É um resgate escandaloso do que fica dos bancos norte-americanos que buscam evitar a confiscação parcial do capital dos banqueiros. Por sua vez, a Corporação Federal Asseguradora de Depósitos (FDIC, por suas siglas em inglês) oferecerá uma garantia ilimitada para os depósitos bancários das contas que não oferecem juros, geralmente as das empresas, uma medida similar ã adotada pelos países europeus na semana passada. A Casa Branca anunciou a compra dos créditos bancários depois que o Reino Unido, Alemanha, França e outros países da União Européia (UE) tornaram públicas a injeção de grandes quantidades de dinheiro para salvar as entidades e fazer frente ã crise que assola os mercados internacionais. Isto por que este novo plano do Tesouro tem o objetivo de ajudar os EUA a igualar aos países europeus no que se converteu em uma corrida entre países - agora trasladada ao nível de blocos inter-imperialistas - de assegurar aos investidores que seus bancos não entrarão em bancarrota ou que outros países não escondam seus planos de resgate, e ao fazê-lo desviem os depósitos bancários ou o capital de investimento. Como disse Kenneth S Rogoff, professor de economia de Harvard e assessor de John McCain: “Os europeus não só defenderam um plano de ação, mas forçaram nossa mão”. Os líderes europeus rapidamente se encheram de soberba: “A escala, ambição e custos potenciais dos programas anunciados ontem sugerem que os líderes europeus como Gordon Brown, o presidente francês Nicolas Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel estavam determinados a responder ao desafio da crise financeira mediante ações pactuadas, mostrando um grau de liderança que deixou Washington, o líder global econômico, apagado. “A Europa unida se comprometeu mais que os Estados Unidos”, disse Sarkozy, ã frente da UE ao anunciar o pacote de 360 bilhões de euros para a França. “Os políticos europeus estão superando os EUA em seus esforços para resolver a crise”, disse o banco Unicredit da Itália (“UE takes a €2 trillion financial gamble”, The Guardian 14/10).

Mas mais que a “audácia” dos governos europeus, o que chama a atenção é a inédita perda de influência dos EUA no terreno financeiro, inclusive com a visão que se tinha há apenas uma semana. Isso é o que ressalta a seguinte análise: “Desde a criação do sistema monetário de Bretton Woods em 1944 toda iniciativa financeira global de qualquer importância foi desenhada, liderada e coordenada pelo governo dos Estados Unidos”. Esta liderança não significava que os EUA estivessem sempre saindo com seus interesses plenamente satisfeitos nos assuntos financeiros - como mostrou a quebra de Bretton Woods em 1971. Mas significava que não se ensaiavam iniciativas financeiras internacionais até que a liderança e as idéias chegassem de Washington. A única exceção a esta regra durante os últimos 30 anos foi a criação do euro; mas isso foi visto por Washington como um assunto interno da Europa com conseqüências globais limitadas. A atual crise bancária global é um problema muito diferente, já que se originou nos próprios EUA. Inclusive há algumas semanas uma solução sem a liderança dos EUA era inconcebível. Nos últimos dias, entretanto, o fracasso da administração Bush em levar a cabo de forma concreta o “pacote Paulson” de 700 bilhões de dólares que se expressou no Congresso centrou a atenção no vazio de liderança e de idéias em Washington. Atemorizados pela incompetência vacilante dos EUA na condução da crise, os políticos europeus se deram conta de que Henry Paulson, o secretário do Tesouro norte-americano supostamente brilhante, é um imperador nu. No lugar de esperar a liderança dos EUA, tiveram que assumir a responsabilidade pelos problemas da Europa. Nesta tentativa, encontraram um “insólito embandeirado e guia intelectual: o Tesouro britânico e Gordon Brown”. (“Reliance on the US will never be the same”, Anatole Kaletsky, The Times 13/10). A crise política e o vazio de liderança norte-americano na atual crise não é um fato menor. É a expressão no plano financeiro da debilidade mostrada no plano geopolítico na Geórgia, onde os líderes europeus tiveram que atuar por sua parte e chegar a um acordo com Moscou, duas situações inéditas. Se o novo governo não consegue reverter, ainda que seja parcialmente, a situação este vazio na capacidade de liderança norte-americana pode disparar uma corrida contra o dólar afetando sua capacidade de arbitragem ao gozar do monopólio da moeda de reserva mundial. Por sua vez, a perda de influência norte-americana pode acelerar a necessidade dos distintos atores internacionais, de tomar decisões autônomas para além de sua vontade prévia para evitar que a crise os devore, como fizeram os governos europeus. Ainda que todavia seja prematuro tirar conclusões antes que o alcance e as perspectivas da crise estejam mais claras, desde um ponto de vista geopolítico, seja qual for seu desenlace, os EUA deverão se adaptar ás novas relações de força que emirjam da crise. Quanto ã UE o momento da verdade virá quando alguns dos países mais débeis ou pequenos sofrerem uma intensa pressão econômica. Impedidos de usar a política de desvalorização como no passado, deverão recorrer a argúcias sobre o uso da política fiscal e possivelmente da ajuda dos estados membros mais fortes, questão que verdadeiramente porá ã prova a coordenação dos últimos dias.

Os problemas profundos no sistema financeiro seguem vigentes

Os massivos salvamentos atenuaram a dinâmica que vinha se dando nas últimas semanas nas quais o crash da bolsa e o pânico que percorria os mercados, e mais importante ainda, a paralisia do circuito interbancário que já afetava as fontes de crédito das empresas parecia que iriam derrubar o sistema financeiro internacional. Mas o sistema financeiro segue com problemas. Um sinal chave é a situação no mercado monetário, que melhorou levemente, mas não o suficiente. Há crescentes sinais de seca de crédito por que os bancos europeus estão retendo o crédito do setor privado e ás companhias, na medida em que tratam de reparar sua adequação de capital (o capital mínimo requerido para sustentar seus riscos ou exposição creditícia) Na Alemanha um quinto dos emprestadores corporativos já experimenta condições de seca de créditos, um incremento bastante dramático com respeito a só um mês atrás, no qual o crédito ainda fluía livremente.

Ainda que a recapitalização dos bancos possa ajudar dificilmente servirá para reativar imediatamente o crédito ante o risco de novas perdas potenciais. Por isso alguns economistas colocavam dar um passo maior ás atuais recapitalizações que os governos europeus empreenderam - uma nacionalização parcial no caso do Reino Unido - avançando de fato a uma nacionalização temporária dos bancos como forma de restabelecer o crédito: “A recente decisão da FED de passar por cima do sistema bancário e emprestar diretamente ao setor não-bancário comprando papéis comerciais é um passo na direção correta. Isso permite que as companhias obtenham cash tomando emprestado em longo prazo; um serviço que os bancos não querem prover mais. Mas isso só não é suficiente. A FED não pode tomar todas as operações de empréstimo dos bancos. Só o governo pode fazer isso transformando temporariamente os bancos privados em bancos públicos. Assim pode ordenar ao management destes bancos estatais que se emprestem um ao outro. Tal transformação (chamem-as de nacionalização temporária) fará possível fazer o mercado inter-bancário decolar e permitir que o livre fluxo de crédito seja ativado” (“Temporary full state ownership is only solution”, Paul De Grauwe, Financial Times 9/10).

Por sua vez, há informes preocupantes de que outros segmentos do mercado de crédito estão sofrendo uma dramática piora, como a dívida dos cartões de crédito e para a aquisição de automóveis, que para alguns poderia ser em poucos meses a próxima crise subprime. Uma mostra disso já tem sido o impacto que teve o fim dos pagamentos nos resultados trimestrais da General Eletric, que colocou que os crescentes defaults de cartões de crédito e outros empréstimos a forçava a reservar quase 1 bilhão de dólares para cobrir as perdas deste ano. GE Capital, que dá conta da metade de sua renda, poderia sofrer perdas de até 6,6 bilhões de dólares neste ano e até 9 bilhões de dólares em 2009 (prévio ã dedução de impostos) em grande medida devido ã deterioração da situação financeira dos consumidores. Neste marco há vozes que convidam ã prudência ante o que consideram o pior entorno econômico em décadas. Entre eles o economista George Magnus, do banco suíço UBS, que vê sinais um pouco mais alentadores após as decisões tomadas pelos governos europeus e o G7 para frear o “...momento no qual a instabilidade financeira se volta tão aguda que só uma excepcional e imediata intervenção dos governos em escala global sobre as causas da instabilidade poderia impedir um fracasso bancário sistêmico, no qual as companhias não financeiras poderiam também cair rapidamente”. Porém, ainda identifica quatro fontes de perigo vigentes: “Ainda no caso de que se evite uma derrubada financeira, não deveríamos manter a ilusão de que a queda no setor financeiro e imobiliário se deterá. Como resultado, permanecem quatro grandes batalhas. Primeiro, há uma alta possibilidade de mais momentos de tensão financeira e quedas. O mercado monetário todavia está quebrado, e a recuperação leva tempo. Segundo, a falta de liquidez, uma preferência pelos instrumentos de tipo cash, ainda sobre os bônus do governo, e uma consideravelmente expandida oferta de bônus governamentais acrescentariam a ameaça de um prematuro aumento nos rendimentos dos bônus. Terceiro, a recessão global que já começou pode ainda tornar-se mais aguda - e certamente mais longa que o esperado. Isso trará sustentados e novos riscos de crédito. Quarto, um muito mais lento crescimento e o risco de algumas crises financeiras domésticas nos mercados emergentes justificam um exame rigoroso “(“Is there time to avert a Minsky meltdown?”, George Magnus, Financial Times 13/10).

Por sua vez, o economista Nouriel Roubini sustenta que os governos depois de ver de perto o abismo do descalabro do sistêmico se decidiram por uma política agressiva, mas adverte que o capital comprometido para a recapitalização bancárias apenas chegaria a cobrir 50% e reclama medidas de corte essencialmente keynesiano, como a expansão dos gastos públicos e outras mais populistas como o perdão parcial da dívida dos devedores hipotecários como forma de reativar a demanda interna. Para Roubini só a aplicação decidida de políticas como estas marcará a diferença entre uma recuperação econômica em forma de U, com uma duração entre 18 e 24 meses, e uma década de penúrias à la japonesa.

O próximo calcanhar de Aquiles: a dureza da recessão internacional

O que já é inevitável é uma dura recessão, como reconheceu Bill Gates, cujas estimativas de desemprego nos EUA já se elevaram a 9%, muito acima do consenso dos analistas. Inclusive ainda está por ver-se se as medidas tomadas serão suficientes para evitar uma depressão caracterizada pela ausência da demanda interna e da deflação. O otimismo desatado em 13 de outubro, graças aos planos de resgate postos em marcha um lado a outro do Atlà¢ntico, se tornaram papel molhado frente a possibilidade de uma recessão colocada pela FED (o banco central americano) e a queda das vendas minoristas, que em setembro alcançou 1,2%. A confiança não se devolve tão facilmente. Com as bolsas européias caindo mais de 5% Wall Street não pôde fazer outra coisa que se somar ao pânico provocado pela delicada situação da economia mundial. Desta maneira, o Down Jones caiu 7,87%, o Standard & Poor 500 cerca de 9,03% e o tecnológico Nasdaq 8,47%. Segundo a FED, “a atividade econômica se debilitou em setembro ao longo dos 12 distritos da FED (o banco central americano)”, como conseqüência, por um lado das faltas de investimento, e por outro, da redução de gasto por parte dos consumidores. A isso há que somar que seu presidente, Ben Bernanke, assegurou que “ao restringir o fluxo de crédito aos lares, negócios e administrações locais e estatais, a turbulência financeira e as pressões sobre as entidades financeiras supõem uma ameaça significativa para o crescimento da economia”. Num discurso preparado para o Clube Econômico de Nova York o máximo responsável da instituição voltou a insistir que “as turbulências financeiras supõem uma ameaça significativa para a economia norte-americana”.
Mas esta perspectiva não é só norte-americana, mas mundial: o Baltic Dry Index, um índice de preços para o transporte marítimo de grãos e matérias secas (minerais, carvão, metais, cereais, etc) caiu 20% nos últimos dias. Isso poderia indicar uma deterioração mais rápida do que o esperado da economia chinesa. A isso se soma a preocupação de que a crise das finanças tenha afetado o financiamento do comércio internacional. Os países exportadores do sudeste asiático como a Coréia, uma das maiores economias do mundo, estão em sérios apertos.

O Financial Times conta que: “Se por acaso alguém não percebeu o fato de que uma das nações exportadoras mais importantes do mundo está em aperto, Mr Kang, ministro das finanças, recentemente disse em uma sessão parlamentar que ‘além das exportações, tudo, incluindo os investimentos, o consumo, o emprego e o atual balanço de contas, está mostrando uma tendência similar ã que se viu durante a crise asiática”. E agrega: “Poderia dizer que desta vez a Coréia pode ser vítima de seu próprio êxito. No nível macroeconômico um país que obtém 40% do seu PIB das exportações agora terá que se virar com uma redução cada vez maior da demanda por seus produtos por parte do mundo ocidental. Empresas como a Samsung e a LG abastecem a todo o mundo com bens que vão desde chips de computadores e telefones celulares, até televisores e geladeiras. A Coréia é a nação líder em construções navais...Hyundai, enquanto isso, construiu a maior fábrica de automóveis do mundo em seu feudo do sul, Ulsan, que tem um porto de águas profundas com dedicação exclusiva para mandar de barco cerca de 1 milhão de veículos por ano”(“Sinking feeling”, Financial Times 13/10).

Esta situação se combina com a deterioração do sistema financeiro como conseqüência de um endividamento massivo das empresas e dos lares, similar ao dos EUA no marco do endurecimento do mercado de créditos internacional, o que faz o país extremamente vulnerável: “Na lista de controle da vulnerabilidade, a Coréia do Sul tem para marcar várias opções. Possui uma enorme dívida externa O total dos empréstimos a curto e longo prazo chegam a 4 bilhões de dólares, acima dos níveis do momento da última crise tanto em termos nominais como de porcentagem do PIB. O atual balanço de contas que entram no país estão suscetíveis ás mudanças bruscas de direção - os estrangeiros têm sido vendedores natos dos mercados da bolsa em cada um dos últimos quatro anos...”.

Mas a desaceleração da China mais rápida do que o esperado, pode ser o tiro de misericórdia que faltava para o conjunto da economia mundial. E isso parece ser o que está acontecendo. O chefe executivo da Rio Tinto, uma das grandes mineradoras do mundo, disse que “...haveria uma acentuada redução na demanda chinesa por matérias-primas com respeito aos níveis superaquecidos de 2007” e agregou que “a vasta maioria dos produtores chineses de alumínio agora estão tendo perdas operacionais” (Financial Times, 15/10). Uma visão parecida é oferecida pelo correspondente do jornal argentino Clarín: “...o ministro Wang Che que ã noite passou a limpo com comovedora franqueza como se transformou o cenário. ‘O impacto será muito grande. A China está observando o fenômeno e temos feito modificações na estratégia de desenvolvimento’, comenta. Para seu governo é exagerada a comparação usual com a crise de 29, mas sustenta que ‘entendemos que os EUA estão ã beira da recessão. Além disso, a crise tem conseqüências destrutivas na Europa. Somos o segundo país no comércio exterior mas agora não podemos exportar muitos produtos’.”Como isso golpeia na cadeia produtiva? Pequenas e médias empresas do Oriente e do Ocidente estão em bancarrota. E já se conhecem casos extremos de suicídios de empresários. Isso quando ainda tivemos menos quebras que no Ocidente”.(“China: ola de quiebras, suicidios y cambio de planes por la crisis”, Clarín 15/10). Outra mostra de que a situação está se deteriorando mais rápido do que o imaginado é a baixa taxa de juros registrada na última semana. O mercado imobiliário que foi uma das fontes da demanda interna junto ã venda de automóveis se debilitou. Uma eventual queda significativa do mercado imobiliário durante o próximo ano impactará seguramente no setor bancário. Não se pode descartar um cenário pior que gere uma desaceleração aguda se a deterioração do mercado imobiliário provoca uma forte retração no investimento privado. Uma aterrisagem forçada da China teria enormes implicações para os mercados de matérias-primas e para os países que dependem delas, e poria em questão seu papel de amenizar a forte queda econômica dos países imperialistas. A recessão internacional poderia por sua vez disparar novas tensões e picos de crises financeiras. Nenhum país ficará imune.

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