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O Brasil não vai escapar ileso da recessão americana

Quem vai pagar a conta da crise?

17/02/2008

Frente a perspectiva de recessão nos EUA, economistas burgueses, apologistas de plantão do sistema capitalista, elaboraram as chamadas teses do descolamento, descolamento da economia mundial em relação ã economia dos EUA, que se apoiando no crescimento da China e dos países emergentes poderia manter o crescimento econômico mundial até que a economia americana se recupere da recessão em que está entrando. Muitos analistas econômicos brasileiros, além é claro do governo Lula e do sempre otimista ministro da economia Guido Mantega, têm feito eco das teses do “descolamento”. O Brasil neste contexto estaria particularmente bem posicionado, dizem. É claro que se a tese do “descolamento” estivesse certa, valeria também para o Brasil, não por nenhuma particularidade da economia nacional. Porém, como refletem as bolsas de valores de todo o mundo, uma recessão profunda nos EUA, principal mercado consumidor do mundo, teria conseqüências profundas para a economia mundial, e a posição do Brasil é tão frágil quanto o discurso do Sr. Guido Mantega. Vejamos rapidamente, para comprovar isso, alguns dos fatores que impulsionaram o crescimento brasileiro nos últimos anos e em que medida eles serão afetados pela crise.

O “boom” das exportações

O primeiro dos fatores que tem impulsionado o crescimento da economia é o saldo positivo na balança comercial graças ã expansão da demanda por matérias primas, as commodities. É essa expansão que tem garantido ao governo os dólares suficientes para acumular as tão comemoradas reservas de US$ 180 bilhões, reduzir a proporção dívida pública/PIB e realizar os “investimentos sociais”. O crescimento das exportações tem um importante efeito sobre o mercado interno, em parte responsável por abastecer o setor exportador com insumos e máquinas.

Até agora a demanda mundial pelas commodities não foi afetada diretamente e os preços continuam em alta. Mas esse cenário não vai durar para sempre. Com a economia dos EUA entrando em crise, a perspectiva mais provável é que a demanda e os preços das commodities caiam. Dessa forma, o saldo positivo pode rapidamente se transformar em déficit e passar a pressionar o balanço de pagamentos. Em 2007, ainda que o saldo comercial tenha sido positivo, já houve déficit no comércio de manufaturados, o que reforça ainda mais a dependência da economia brasileira em relação ao mercado de commodities.

A valorização da Bolsa e o investimento estrangeiro
Outro fator que colabora com o crescimento da economia é a forte corrente de investimentos estrangeiros que o Brasil tem recebido, que chegou a US$ 90 bilhões ano passado. Esse forte fluxo de investimento externo é o principal motor do enorme crescimento do mercado financeiro no Brasil, em especial da Bolsa de Valores que se valorizou (em dólar) nos últimos anos em cerca de 400%. Um número recorde de empresas lançou ações na Bovespa nesse período, se aproveitando da grande liquidez de capital em nível internacional para fortalecer seus negócios no Brasil. Em 2007, 75% das chamadas IPO (sigla em inglês para oferta inicial de ações) foram compradas por fundos de investimentos estrangeiros.

O mês de janeiro, com o aprofundamento da crise financeira nos EUA, já revelou uma tendência de inversão no fluxo de capitais que deve se manter nos próximos meses. O número de IPO`s já começou a cair. Em janeiro, os investidores estrangeiros tiraram R$ 4,7 bilhões da Bolsa. Em janeiro, a balança de pagamentos do país (a conta de todos os tipos de negócios e transferências de capital com o exterior) ficou negativa em US$ 2,357 bilhões. Ao longo de 2007, os investimentos estrangeiros na Bolsa e o comércio exterior foram os principais responsáveis por um saldo positivo de US$ 87,454 bilhões. Com a tendência de reversão do quadro de liquidez internacional, o que vai afetar o comércio externo e o investimento estrangeiro, um dos atuais pilares do atual crescimento estará questionado.

O aquecimento do mercado interno

A maioria dos analistas burgueses, para justificar seu otimismo com a economia brasileira, se apóia no fato de que o crescimento, principalmente a partir de 2007, tem se apoiado no dinamismo do mercado interno. Por isso, dizem, mesmo que o balanço de pagamentos passe a ser negativo, ainda poderíamos ter crescimento econômico no próximo período. Vejamos mais de perto esse argumento, pois nele está implícita uma defesa ideológica do capitalismo brasileiro e das suas possibilidades de “crescer distribuindo renda”.

É certo que o consumo tem crescido e que isto está na base do crescimento da produção industrial. Mas é verdade que esse crescimento do consumo se apóia fundamentalmente no aumento da renda do trabalhador, o que daria um caráter mais sustentado ao crescimento da economia? A burguesia e o governo Lula dizem que sim e apontam os números do bolsa família, do pequeno aumento da salário mínimo em relação ã inflação e do crescimento do emprego, em especial com carteira assinada, como os fatores fundamentais que sustentam o crescimento da renda e portanto, o crescimento econômico.

Em edições anteriores do jornal Palavra Operária, já demonstramos como um dos pilares do crescimento econômico dos últimos anos foi um aumento da exploração dos trabalhadores. Dos quase 9 milhões de empregos criados a partir de 2000, 90% deles paga até dois salários mínimos. A distribuição de renda alegada pelo governo, foi entre os assalariados, pois se consideramos o lucro das empresas e a massa salarial, a distribuição piorou. Claro que o crescimento dos postos de trabalho, mesmo precários, colabora para o crescimento do mercado interno, principalmente dos bens de consumo mais elementares como alimentação. Colaboram aliás, muito mais que o bolsa família e o misero aumento do salário mínimo, que ficou bem atrás do aumento dos preços dos alimentos. Mas o principal sustentáculo do aquecimento do mercado interno é a ampliação do crédito ao consumidor em todas as suas modalidades, aumento também sustentado pela liquidez de capital no mercado internacional. O crédito utilizado chegou a 34% do PIB em 2007. Isso significa que o trabalhador e a classe média, estão se endividando numa proporção muitíssimo maior do que o aumento na sua renda. Os dados de inadimplência para o ano passado já apontam um crescimento dos calotes e do número de pessoas no SPC e Serasa. Os financiamentos de longo prazo oferecidos já estão sendo encurtados. Tudo isso ainda é inicial e a dinâmica positiva deve se manter nos próximos meses. Mas em perspectiva o crédito deve diminuir e encarecer, a inadimplência aumentar e o ciclo positivo dos últimos anos pode se transformar no seu contrário.

Quem vai pagar a conta da crise?

Os efeitos para a economia brasileira não serão imediatos, mas começarão a ser sentidos ao longo do ano. Sem entrar numa análise mais profunda das possíveis conseqüências econômicas que a recessão dos EUA pode trazer para o Brasil, não é difícil prever que as empresas e o governo Lula irão descarregar sobre as costas dos trabalhadores os custos da crise econômica que os próprios burgueses criaram, através demissões em massa, fechamentos de empresas, corte de gastos estatais e outros mecanismos.

Antes mesmo de que qualquer crise se instale os trabalhadores já sofrerão as primeiras conseqüências, pois é provável que as empresas parem de conceder aumentos salariais acima da inflação, além de diminuir o valor pago na forma de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e outros benefícios. As pressões para aumentar a flexibilização das leis trabalhistas e realizar uma reforma da previdência que corte direitos vai aumentar nos próximos meses. O corte de gastos do governo já começou e vai atingir a saúde e a educação.

Preparar os trabalhadores para enfrentar a crise
Frente a estes cenários, a Conlutas necessita se antecipar e começar a preparar os trabalhadores, política e programaticamente, para os tempos difíceis que se avizinham. No próximo Congresso da Conlutas é necessário propor um programa operário que responda ás necessidades da luta por emprego e salários dignos para todos, contra a precarização e a terceirização, em defesa dos setores mais explorados da classe trabalhadora, contra o imperialismo e em defesa do povo pobre da cidade e do campo.

A deterioração dos salários que já começou com o aumento do preço dos alimentos, deve ser combatida com a demanda de reajuste imediato dos salários de acordo com a inflação, não de acordo com o índice oficial do governo, mas com o real aumento do custo de vida. Para unificar os trabalhadores mais organizados e melhor pagos, com as amplas camadas que vivem de um salário de fome, é preciso levantar a demanda de um salário mínimo que atenda as necessidades de uma família. Para unificar os empregados com os desempregados, principalmente num momento de crise, em que a patronal vai usar o fantasma da demissão em massa para assustar e subjugar a classe trabalhadora, é preciso responder com a demanda de divisão das horas de trabalho, sem redução de salário, exigir a abertura dos livros de contabilidade para demonstrar como os lucros dos patrões poderia pagar um salário digno aos trabalhadores e no caso de falências ou fechamentos de fabricas, ocupar e começar a produzir sob controle operário. Na luta contra o imperialismo, os trabalhadores não poderão ficar no meio do caminho e a Conlutas deve levantar a demanda de não pagamento da divida interna e externa, sem nenhuma auditoria ou negociação. As empresas privatizadas e os setores estratégicos da economia devem ser estatizados e colocados para produzir sob controle dos trabalhadores. A ruptura com o imperialismo e uma luta frontal contra a burguesia nacional, são condições necessárias para que a terra seja entregue aos camponeses, e para que seja feita uma verdadeira reforma urbana que entregue moradias dignas para os moradores das periferias, dos morros e das favelas e para que tenhamos recursos para investir em saúde e educação.

Na medida em que a crise capitalista se inicie, com sua espiral de catástrofes e sofrimentos para os trabalhadores, esse programa, que já tem uma enorme atualidade nos dias de hoje para enfrentar a burocracia sindical e unificar os trabalhadores, se tornará cada vez mais concreto e urgente. Por isso, desde já, ele tem que servir não só para discursos em congressos e encontros, mas para armar as greves e mobilizações dos trabalhadores e do povo pobre.

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