UMA PROFUNDA CRISE ATRAVESSA A IGREJA CATÓLICA
Renúncia histórica do Papa
27/02/2013
Quinta, 21 de fevereiro de 2013
“A única Igreja que ilumina, é a que arde” Piotr, Kropotkin, Anarquista Russo (1842 – 1921)
Ratzinger renunciou dizendo que, devido ã idade avançada, não possuía mais as forças apropriadas para o adequado exercício do papado. Porém, ninguém mais ou menos sério tratou no dia seguinte de seu estado de saúde nem de nenhuma doença do Papa. As razões de sua renúncia são completamente políticas: os inumeráveis escândalos de pedofilia e fraudes bancárias, junto a as lutas internas entre as distintas frações pelo poder submeteram-na em uma crise profunda que levou pela primeira vez em séculos ã renúncia do Papa.
O fato, obviamente, não é um ato de grandeza de Ratzinger, senão de impotência. Os inesgo-táveis escândalos de corrupção e pedofilia marcaram seu papado. O mais importante dos últimos anos foi o da Igreja norte-americana em 2010, onde na diocese de Los Angeles dezenas de padres abusavam de centenas de crianças e os casos eram encobertos por seu chefe, o Cardeal Roger Mahony. Os escândalos explodiram também em vários outros países e Ratzinger se viu obrigado ã punir vários altos sacerdotes na tentativa de salvar um pouco a imagem da instituição. As implacá-veis disputas das frações internas aceleraram a renúncia, que foi quase a única saída que lhe res-tou. A mais danosa e sonora dessas disputas ocorreu em 2012, com o escândalo a partir do vaza-mento de documentos de Estado por parte do mordomo do Papa, Paolo Gabriele. Esses documen-tos eram secretos e estavam destinados a serem queimados por ordem explícita do Papa. O escân-dalo, que se concluiu com uma leve pena para Gabriele, levou a um golpe a mais na autoridade de Ratzinger.
A crise de fundo
Porém, a crise atual vai inclusive mais além. As posturas obscurantistas e retrógradas que ca-racterizam a Igreja Católica com relação ao aborto, as relações entre pessoas do mesmo sexo, o sexo sem fins reprodutivos, o consumo pessoal de drogas ou o seu uso terapêutico, etc., cada vez mais entram em contradição aberta com o desenvolvimento da sociedade em pleno século XXI e as tendências a alteração da família tradicional. Estas questões sociais e culturais hoje são discutidas abertamente inclusive a nível de muitos Estados e regimes, que muitas vezes promulgaram leis que garantem certas concessões, como recentemente na França e Uruguai, ou no Egito, onde, pela Pri-mavera Árabe, a mulher tem conquistado um importante reconhecimento de seu papel como ator social e político.
Nesse marco, a Igreja se torna uma instituição cada vez mais retrógrada e alheia ã vida coti-diana de milhões, o que se reflete em seu crescente desprestígio e perda de influência social. Por exemplo, no México, um dos países com mais católicos do mundo, em 1970, por volta de 96% dos habitantes se diziam católicos. Em 2000, caiu para 88% e em 2010 para 83,9%.
Isto se vê também no retrocesso que experimenta em muitos países por via de outras religiões que são igualmente reacionárias (evangélicos, testemunhas de Jeová, pentecostais, etc.), mas que utilizam métodos e formas mais flexíveis e modernas que, no marco dos crescentes níveis de pobreza e marginalização, os permite crescer rapidamente, por exemplo, em muitos países da Amé-rica Latina (Brasil, Argentina, etc.). No continente africano, Ratzinger realizou no ano de 2009 uma Cúpula de Bispos, que não se realizava há 15 anos (II Sínodo dos Bispos sobre África), onde se expressaram estes problemas com casos brutais como a oposição do Papa (assim também havia feito João Paulo II) ao uso do preservativo para diminuir a pandemia da AIDS.
Nesse sentido, muitos falam, e Ratzinger agora em saída coloca abertamente, de encarar re-formas (que ninguém diz em que consistiriam) que “modernizem” a instituição e permitam a recupe-ração do prestígio. Agora mesmo, em torno da eleição do sucessor, ouve gestos como propor a pos-sibilidade de que pela primeira vez se eleja um Papa que não seja europeu ou um “jovem” que este-ja entre 40 e 50 anos de idade.
A Igreja não é reformável
Nenhuma reforma é possível na Igreja e qualquer gesto ou inclusive qualquer mudança cos-mética, não será mais do que “mudar algo para que nada mude”. A Igreja Católica é um dos bastiões mais antigos da reação e das classes exploradoras contra os explorados. Durante séculos dominou a Europa ligada ás monarquias e aos senhores feudais, sendo responsável por sangrentas guerras de conquista e pilhagem. O pesado obscurantismo que impôs ás ciências e ã cultura levaram a hu-manidade a retroceder séculos no desenvolvimento do conhecimento e na sua relação com a natu-reza através da ciência e da técnica. Sua força de choque, a Santa Inquisição espanhola (fundada no fim do século XV) torturou e assassinou centenas de milhares de “hereges” em todo o velho con-tinente, benzendo o genocídio dos povos originários na América.
Com o advento do capitalismo estreitou laços políticos e econômicos com a grande burguesia e os bancos (sendo parte de cada uma das grandes máfias, políticas, empresariais e bancárias) e junto dos restos das monarquias absolutistas conseguiu manter grande poder e influência nas altas esferas dos estados modernos. Sempre cumprindo um papel contrarrevolucionário chave para o domínio das classes dominantes, durante a Segunda Guerra Mundial prestou grandes serviços ao nazismo e fascismo, ao ponto de ainda hoje existirem frações da Igreja que negam o Holocausto.
Na América Latina conhecemos muito bem sua participação e bênção ás ditaduras genocidas que mataram e desapareceram com uma geração inteira de lutador@s e ativistas. Tal é assim, que perseguiram a ferro e fogo membros da própria Igreja que se ligavam aos processos de rebelião populares, como a Teologia da Libertação. O mesmo papel contrarrevolucionário tomou nos processos de restauração capitalista nos antigos estados operários do Leste Europeu, começando pela Polônia, onde afundou a última intenção de revolução política do proletariado do Leste. Por tudo isso, somente a ideia de reformar a Igreja constitui uma política reacionária, pois implica manter a instituição no seu essencial. Ao ser parte constitutiva no sistema de dominação do capital, ligado por mil e um laços aos grandes bancos e monopólios imperialistas, o Vaticano não esta alheio ã crise econômica internacional. Em 2012 registrou o maior déficit fiscal em anos. Há tempos o Banco do Vaticano (que na verdade funciona como paraíso fiscal), conhecido como Instituto das Obras Religiosas (IOR), enfrenta a pressão da União Europeia para que aceite as regras de “maior transparência” de funcionamento e “adequação aos padrões internacionais da luta contra a corrupção e a lavagem de dinheiro” (CNN, 23/03/2012). A difícil tarefa havia sido tomada por Ratzinger que colocou Gotti Tedeschi para “reformar” o Banco, mas que fracassou e este foi obrigado a se afastar.
Contra toda a expectativa de reforma, por mais radical que possa ser, como postulam velhos expoentes da Igreja terceiro-mundista (teologia da libertação) que entre os anos 60 e 80 tiveram um desenvolvimento importante em grande parte da América Latina e hoje assistem com bons olhos a crise aberta na Santa Sé, temos que reafirmar mais do que nunca a luta intransigente contra essa instituição.
Separação total da Igreja do Estado e fim dos subsídios milionários que recebe. Expropriação de suas inumeráveis propriedades e contas bancárias fraudulentas. Impostos progressivos aos seus enormes negócios (bancos, empresas, turismo). Que os padres trabalhem e, se quiserem pregar alguma religião, que o faça em seu tempo livre. Basta de parasitas bancados pelos trabalhadores e pelo povo. Justiça: punição a todos os padres pedófilos e corruptos. Nenhuma ingerência da Igreja sobre a vida das pessoas. Contraceptivos garantidos pelo Estado. Direito ao aborto livre e gratuito. Liberdade total para as uniões civis. Descriminalização das drogas.