Crise Econômica
Rumo a uma crise de conseqüências históricas?
19/03/2008
Após a febril atividade do Banco Central norte-americano (FED por suas siglas em inglês) do domingo, 16/3, com medidas excepcionais não vistas desde os anos 30 para evitar um crack do sistema financeiro, no dia 18/3 os mercados se recuperaram das importantes perdas após o corte de três quartos de ponto dos tipos de juros. Também contribuiu para o otimismo os resultados dos bancos de investimento Goldman Sachs e Lehman Brothers que foram melhores do que o esperado por Wall Street. Entretanto, a estabilidade permanece frágil e precária e pode ser rompida a qualquer momento.
Isso porque a magnitude da crise é fenomenal: um banco, o Bear Sterns, que levou 83 anos para se construir foi dissolvido em apenas 4 dias. JP Morgan comprou as operações que lhe interessavam deste a preços baixíssimos (em janeiro de 2007 uma ação do Bear chegou a custar 172.61 dólares, em 17/3 foram compradas por um dos seus rivais a 2 dólares por ação) e passou ao FED 30 bilhões de dólares de ativos podres.
As taxas de juros estão a 2,25% e poderiam baixar ainda mais. Mas a baixa menor ã esperada no dia de hoje - a grande maioria dos analistas previa uma diminuição de 100/125 pontos básicos - é um sinal de que talvez o Banco Central norte-americano crê que a política monetária por si só não resolverá a crise. Isto porque a política monetária se mostra cada vez mais impotente frente aos problemas de insolvência dos bancos, em especial o segmento do “sistema financeiro informal” sobre o qual o FED não tem o mais mínimo controle, nem idéia do nível de suas perdas. Como disse preocupado o economista Paul Krugman estamos demasiado perto de uma “falácia de liquidez”, “uma situação” - segundo suas próprias palavras - “na qual a política monetária convencional perde todo o impulso. Quando as taxas de juros estão perto de zero as operações abertas de mercado na qual o Banco Central imprime moeda e compra dívida governamental não fazem nada...” (New York Times, 17/3/2008).
Está cada vez mais claro que se necessita de uma intervenção massiva dos estados para salvar o sistema financeiro. Isso é o que diz Josef Ackerman, chefe do Deutsche Bank, que na edição do Financial Times Deutschland de hoje reconhece que a indústria bancária sozinha é incapaz de solucionar a crise. Diz que o estado deve frear a espiral de baixas que está ameaçando agora a indústria bancária global. Como se desenvolverá a crise é a grande interrogante: uma espiral deflacionária como nos anos 30 - questão que porá um abrupto fim ao crescimento especulativo do preço das matérias-primas com as fortes conseqüências para os países produtores das mesmas - ou em direção a uma alta da inflação.
Esta última variante começa a preocupar os analistas, já que no marco da dependência dos EUA do financiamento externo pode implicar uma subida das taxas de juros de longo prazo (o que levaria a conseqüências fortemente recessivas) e uma crescente ameaça contra o dólar.
Assim, o editorial do Financial Times de hoje ã noite em sua página da internet coloca: “É difícil escapar ã crescente sensação de intranqüilidade sobre os perigos e as conseqüências desta agressiva política monetária. As taxas de juros real são agora negativas, com uma média de inflação de 3,1%...ultrapassando a taxa de juros nominal. Desde o primeiro corte de setembro passado, o dólar ponderado a nível dos sócios comerciais caiu 6%, enquanto que uma ampla gama de commodities subiu mais de 19%. O risco de gerar expectativas inflacionárias é severo. A inflação não é um problema que possa ser tratado mais tarde, uma vez que a recessão seja evitada. Se os investidores desconfiam que a FED não lutará contra a inflação, reclamarão maiores rendimentos sobre bônus de longo prazo em dólares...”(“A FED arrisca demasiado”, FT 18/3). Em outras palavras, as baixas taxas de juros não teriam nenhum impacto sobre as taxas de longo prazo que as corporações realmente pagam, questão que depende ademais de se os debilitados bancos querem e podem fazer empréstimos, questão difícil ainda de ver frente ã magnitude das insolvências que se calculam no sistema financeiro (Ver "A Reserva Federal tenta evitar um crack" - www.ler-qi.org)
O mais perigoso é que um caminho deste tipo pode liquidar a base do dólar moeda de reserva mundial. Não por casualidade se aceleram as vozes sérias da cúpula econômica de que o euro poderia substituir o dólar como principal moeda do comércio internacional em uns dez anos. (Esta variante subvaloriza, por sua vez, o teste que o mesmo euro deverá passar se a crise se aprofunda, aumentando as divergências no seio da UE entre a Alemanha, e países como a Espanha, Itália ou inclusive a França, que está perdendo muita competitividade frente ã apreciação do euro).
Para alguns além da acumulação dos déficts gêmeos (comercial e fiscal) o crescente questionamento ao dólar é resultado da falta de paciência dos credores dos EUA frente ao unilateralismo da administração de Bush.
Em outras palavras, a possibilidade de que os EUA saiam da crise como no passado desvalorizando sua moeda e fazendo com que a crise seja paga pelos seus competidores, tem se estreitado abruptamente. Assim, nos anos 60 a Alemanha tinha a vontade de pagar estes custos enquanto os EUA lhe assegurasse com suas tropas durante a Guerra Fria; o Japão por iguais motivos comprou dólares para evitar uma depreciação violenta desta moeda no final dos anos 60, no início dos anos 70 e em fins dos 80, e por último isso foi o caso do Kuwait, Arábia Saudita e outros países como o Japão com a primeira guerra do Golfo. Pelo contrário, a política norte-americana de todos estes anos deteriorou a legitimidade e a posição norte-americana no mundo (Ver “A debacle no Iraque e a decadência da hegemonia norte-americana” Estrategia Internacional N° 23, dezembro 2006 - www.ft-ci.org)
Somado a isso que o caráter distintivo desta crise é o forte questionamento ao sistema financeiro em geral, e ao norte-americano em particular (elemento que mais aproxima a crise atual da dos anos 30) e ao “modelo anglo-saxão” poderia por em questão o papel hegemônico dos EUA no mundo. É em última instância este elemento o que está por trás do pânico que percorre os altos círculos das finanças dos EUA, e que não deixa o presidente da FED e o atual secretário do Tesouro dormirem.
Portanto, no caso de se concretizar as perspectivas mais extremas - elemento cuja probabilidade tem aumentado - a crise poderia ter conseqüências políticas, geopolíticas e para a luta de classes de conseqüências históricas. O que já está claro é que a atual crise não será a suave recessão de 1990 ou 2001, nas quais os EUA chutaram-nas adiante. A festa está acabada. Os EUA estão começando a sentir seus primeiros espasmos.