Economia
Uma interpretação marxista do estancamento secular
02/11/2014
Em um artigo recente publicado no jornal britânico Financial Times, o economista Gavyn Davies, ressalta que nos anos posteriores ã Grande Recessão de 2008/9, as previsões de crescimento econômico mundial, demostraram ser, de forma recorrente, demasiado elevadas. Esta sobre-estimação do crescimento se produziu tanto com respeito aos principais países denominados “emergentes” como com respeito aos países avançados.
Davies aponta que para o caso dos países avançados, a sentença nos prognósticos se baseia na crença dos economistas segundo a qual existiria em ditos países uma taxa de crescimento média, constante através do tempo. Todavia na comprovação empírica, a convicção se haveria demonstrado falsa. O comportamento do PIB no longo prazo nas economias avançadas, da conta de uma desaceleração muito persistente nas taxas de crescimento desde os anos ’70, isto é, nos últimos aproximadamente 40 anos.
A retração a partir de 2008, se explicaria então como um momento particular dessa tendência e não como uma decaída ilhada e repentina. A suposição da taxa de crescimento média como uma das grandes constantes econômicas se demonstra, nas últimas décadas, simplesmente falsa. Segundo Davies, a verificação deste comportamento novo do capitalismo, estaria na base do auge e crescente “recrutamento” de múltiplos economistas, por parte das teorias do “estancamento secular”. Summers e Pritchett lançaram a primeira pedra ao afirmar que existe escassa persistência nas taxas de crescimento dos países através do tempo e portanto o crescimento atual tem muito pouco poder de previsão para o crescimento futuro.
As vezes o que anda mal é a realidade
Em termos gerais e como a média dos países do G7, segundo Davies, a tendência desacelerada que se arrasta desde os anos ’70, deveria buscar-se em uma declinação simultânea de outras duas taxas. A do crescimento da população e muito especialmente, a do crescimento da produtividade do trabalho. O crescimento da produtividade nos países do G7 tomados de conjunto, haveria caído entre 4% a aproximadamente 2,5% anualmente durante a década de 1970, e logo parece haver caído ao redor de 1% na década de 2000, antes do estouro da crise. Em geral e tomadas de conjunto, a desaceleração da taxa de crescimento da população e da produtividade, haveriam ocasionado uma redução ã metade do crescimento do PIB de longo prazo nos países do G7, desde um valor superior a 4% em 1970 a 2% na atualidade.
Portanto e como destaca o autor, para os partidários da tese do estancamento secular, a desaceleração do crescimento de longo prazo nas economias desenvolvidas, parece ser um fato permanente da vida, e não um resultado temporário consequência da crise. Ainda que de todo modo e desde 2009, se formou um novo padrão de crescimento do PIB bem abaixo do já deprimido anterior padrão de longo prazo. Se se assume que a atividade do G7 em 2007 se encontrava em termos gerais ao redor de uma linha de tendência de longo prazo de 3,25%, e que o crescimento desde então esteve abaixo de 2%, se conclui que se vem perdendo mais de 1,25% de crescimento anual desde aquele momento. De modo tal que o nível atual del PIB se encontraria -nada mais nada menos- que ao redor de 8% abaixo do nível de tendência de longo prazo.
Ante tal verificação, estaria amplamente justificado que os economistas se preguntarão não mais pela correção ou utilidade de seus mecanismos de previsão senão por algo da realidade que não estaria funcionando corretamente. Mas não, como se sabe, os economistas são gente amante da “natureza” na qual invariavelmente incluem as relações (sociais) de produção. Se as economias avançadas se estancam e isso se converte em “parte da vida”, pois será porque os deuses se entediaram…No entato e muito apesar dos economistas, de vez em quando sucede que quando a teoria está tão mal, o que verdadeiramente está falhando, é a realidade.
Tradução marxista
Diz Davies que o termo “estancamento secular” é interpretado de diferente maneira por distintas escolas de economistas. Alguns crêem que o parco crescimento desde 2009 se explica principalmente pela persistente escassez da demanda devido aos problemas de balanço dos bancos, das empresas e lares logo após a Grande Recessão. Outros o atribuem a uma desaceleração da oferta potencial no curso de um longo período de tempo. Davies não parece disposto a indagar muito mais.
As vezes estas “coisas de economista” como o “lado da oferta” ou o “lado da demanda”, triviais como são, podem aportar mais do que seus mesmos postulantes crêem. Sobretudo se as compara com os distintos planos críticos que eles mesmos expõem e os busca sintetizar como diferentes momentos de uma mesma realidade. Seguindo este caminho se poderia “traduzir” o plano da desaceleração da “oferta potencial”, como problemas estruturais de longo prazo associados ás dificuldades para a acumulação do capital. O que os economistas chamam problemas de “oferta potencial”, foram durante a década de ’70 a manifestação de uma queda da taxa de lucro. Queda que em grande parte foi mitigada pela ofensiva neoliberal que se iniciou a fins dessa mesma década.
A recuperação da taxa de lucro que, como destacam distintos autores marxistas como Duménil ou Husson entre outros, se produziu sob distintas formas e graus, resolveu só parcialmente e de uma maneira muito particular os problemas da sobre-acumulação do capital. Essa resolução parcial que entre outras coisas incluiu a “reconquista” da China e sua enorme classe operária para a extração de mais-valia, não foi suficiente no entanto para varrer da cena os problemas estruturais do capitalismo que se haviam manifestado durante a mencionada década. Desde então a longa história do desenvolvimento dos mecanismos de “valorização financeira” se se permite o termo, ou de um sistema que como diz Summers, funciona entre a criação de bolhas e o estancamento secular. Estas condições ocultam em grande parte a impossibilidade de estabelecer una “taxa de crescimento médio constante” para as economias dos países centrais.
O estouro de uma daquelas bolhas, a imobiliária neste caso, abriu passo para a crise econômica mundial que se desencadeou em 2008. Dita crise limitou em boa medida o festival de crédito que, em particular durante a década de 2000, contrabalançou o estancamento ou queda direta dos salários. De modo tal que o incremento da exploração -fundamento do ascenso da taxa de lucro- se manifesta desde o ano 2008 como uma forte debilidade do consumo de massas que se traduz em sérias dificuldades para a realização da mais-valia. Isto é o que os economistas denominam “escassez de demanda”. De modo tal que os problemas da “desaceleração da oferta potencial” e a “escassez de demanda” vistos como problemas da acumulação do capital e sua realização, coexistiriam como uma questão estrutural de longo prazo e uma conseqüência derivada do estouro da crise depois da explosão da última bolha. Em última instância, os problemas de medição são o de menos, os economistas deveriam pensar que algo anda mal em sua “natureza”.