Argentina
XIII CONGRESSO DO PTS
22/04/2013
Um internacionalismo de combate
Entre os dias 29 de março e 2 de abril, ocorreu em Buenos Aires o Congresso do Partido dos Trabalhadores Socialistas, organização argentina que faz parte da Fração Trotskista. Reproduzimos nas próximas páginas algumas conclusões do Congresso.
A partir da atualização das análises das principais tendências da situação mundial, o Congresso abordou a discussão sobre a orientação internacionalista do PTS e da Fração Trotskista – Quarta Internacional. A sessão internacional se abriu com dois informes de Claudia Cinatti e Emilio Albamonte e contou com 27 intervenções de delegado(a)s e convidados internacionais, entre eles os companheiros Vincent Duse da França e Javo Ferreira da Bolívia (ver matéria no site). A seguir apresentamos uma síntese das principais conclusões do debate e as resoluções aprovadas.
Crise histórica do sistema capitalista
O informe sobre a situação internacional partiu de ratificar as definições mais gerais que nossa corrente vem fazendo da etapa aberta com a queda do Lehman Brothers, começando pelo caráter histórico da crise do sistema capitalista-imperialista que já esta configurando um cenário de grandes convulsões sociais e políticas e de crescentes tensões entre os Estados, no marco da decadência hegemônica dos Estados Unidos, como mostra o recente conflito com a Coréia do Norte.
Esta crise representa o esgotamento das contra-tendências da etapa neoliberal (aumento da exploração, financeirização da economia, privatizações, reforçadas pela restauração capitalista e a incorporação da China como reservatório de mão-de-obra barata) que haviam permitido sair da crise dos 70 sem uma destruição mas-siva de capitais.
Os resgates estatais de 2008/9 aos grandes bancos e corporações e outros mecanismo para injetar dinhei-ro nos sistema financeiro e bancário (emissão monetária nos Estados Unidos e Japão, empréstimos aos grandes bancos a juros baixos, planos de estímulo na China, etc.) evitaram até agora uma depressão com a dos anos 30, mas não permitiram uma saída da crise. Ao contrário, esta política de salvamente aos grandes capitalistas levou a um endividamento estatal insustentável, que os governos capitalistas, sejam eles neokeynesianos como o de Obama, ou austeros como o de Merkel, pretendem fazer com que seja pago pelos trabalhadores e setores popu-lares. Os países centrais seguem sendo o eixo da crise, ainda que haja algumas desigualdades entre os blocos e potencias imperialistas. Enquanto os Estados Unidos tem registrado um crescimento débil (em torno de 2%), o epicentro da crise está na União Européia que já teve que resgatar cinco de seus membros: Irlanda, Grécia, Por-tugal, Estado Espanhol e Chipre. A política da Alemanha, a principal potência da UE é exigir dos países resga-tados a aplicação de duríssimos planos de ajuste, o que termina reforçando as tendências recessivas da zona do euro. Inclusive no Chipre sua política se endureceu ainda mais, fazendo com que os grandes poupadores – a grande maioria russa – pagassem parte do resgate, o que agitou o fantasma da corrida aos bancos e abriu uma crise cujas conseqüências econômicas e geopolíticas ainda estão em aberto.
Com a China crescendo abaixo dos 8%, o mais provável é que se mantenha uma situação de baixo cres-cimento da economia mundial com tendências recessivas na zona do euro. Nesse marco, os países da América Latina, sobretudo do Cone Sul, se beneficiam ainda dos altos preços das matérias-primas, mas dependem das condições externas, porque um salto na crise pode mudar drasticamente o panorama. Ainda que a situação não tenha colocado grandes guerras comerciais, políticas protecionistas, ou luta aberta entre potências rivais pela hegemonia mundial, estas tendências estão inscritas na dinâmica da crise, igual as políticas imperialistas mais agressivas dos Estados Unidos que, apesar de sua decadência, tentará reafirmar por todos os meios o seu papel como potência dominante e tirar vantagem frente a seus competidores como a Alemanha.
Luta de classes, movimento operário e internacionalismo prático
Além das condições objetivas, o Congresso debateu sobre a prática internacionalista do PTS e da FT, mais especificamente, sobre como avançar a um “internacionalismo de combate”, ou seja, identificar onde estão os “centros de gravidade” que nos permitam avançar na construção de partidos revolucionários da classe operá-ria e contribuir para colocar de pé uma Internacional da Revolução Socialista (a Quarta Internacional), impres-cindível para os próximos enfrentamentos entre revolução e contra-revolução.
Partimos de que com a “primavera árabe” e a resistência dos trabalhadores e jovens europeus aos planos de ajuste se abriu um novo ciclo da luta de classes, na qual o movimento operário tem uma intervenção cada vez mais destacada. No entanto, a resposta dos explorados ainda não está ã altura da crise capitalista e do ataque da classe dominante. Esta situação é produto de que o movimento operário internacional arrasta uma crise de suas organizações tradicionais (sindicatos e partidos) que se combina com uma crise histórica de direção revolucionária.
As décadas de restauração burguesa e retrocesso e a ação de direções que colaboraram com a ofensiva do capital (como os partidos comunistas que se tornaram agentes da restauração capitalista), destruíram a confiança da classe operária em suas próprias forças e implicaram em um retrocesso na organização e capacidade de luta. Nossa política está direcionada a que o proletariado recupere a confiança em suas próprias forças e se converta no sujeito social hegemônico do conjunto dos setores explorados e oprimidos. Para isso militamos na classe operária.
Além da propaganda revolucionária, que segue sendo fundamental, a discussão central do Congresso foi como desenvolver um internacionalismo prático, o que significa tirar as lições programáticas dos principais acontecimentos da luta de classe (por exemplo, do processo revolucionário no Egito) e definir onde estão dadas as condições para que os marxistas possamos cumprir um papel decisivo na luta de classes ou em fenômenos da classe operária, que nos permita estabelecer um diálogo com os setores da vanguarda operária, da juventude e as correntes de esquerda.
Contra toda a política auto-proclamatória, temos claro que nem o PTS é o partido da revolução na Argentina nem a Fração Trotskista(FT) é a organização da revolução mundial e que estes somente surgirão como produto da fusão entre os marxistas com a vanguarda operária e da juventude. Esta fusão não será produto so-mente de discussões, mas sim de uma prática comum na luta de classes que permita colocar de pé partidos pro-letários de combate e uma internacional revolucionária.
Resoluções sobre internacional
O Congresso adotou duas resoluções fundamentais:
1) Sugerir ã FT priorizar sua intervenção na Bolívia, França e Argentina (ver matéria no site), onde acreditamos que ocorrem batalhas importantes. Na Bolívia os companheiros da LOR-CI vem lutando por um bloco comum com setores da vanguarda dos mineiros de Huanuni no processo de fundação do Partido dos Tra-balhadores, para que este se transforme em uma ferramenta de luta do proletariado, ou seja, independente do governo de Evo Morales, do Estado e dos partidos patronais e esteja baseado nos sindicatos e na democracia operária, contra a estratégia reformista da burocracia da COB.
2) Na França, os companheiros da FT que militam na Corrente Comunista Revolucionária dentro do NPA, buscam se ligar aos setores avançados dos trabalhadores que começam a resistir ás demissões e ás políticas social-liberais de Hollande. Ao mesmo tempo em que, junto com outras tendências dentro do NPA, vem combatendo a política da direção de consumar um bloco permanente com a Frente de Esquerda(Front de Gauche) de J.L. Melenchon, e diante do fracasso dos “partidos amplos” dão a luta para colocar de pé um verdadeiro partido revolucionário.
3) Ratificar o chamado discutido pelos grupos da FT de colocar de pé um Movimento por uma Internacional da Revolução Socialista – que para nós é a Quarta Internacional – em base a um Manifesto Programático. Este chamado está dirigido tanto aos setores da vanguarda operária e da juventude, como ã ala esquerda dos operários de Huanuni, como ás organizações da esquerda trotskista, em particular a plataforma Y do NPA e a Coordenadoria pela Refundação da Quarta Internacional (CRCI a qual pertence o Partido Operário da Argenti-na), com quem esperamos abrir discussões que nos permitam confluir nesta tarefa de dimensões históricas.
Construindo agrupações e o PTS com um claro norte estratégico
O XIII Congresso do PTS foi precedido por um intenso debate entre a militância em base a quatro documentos (internacional, nacional, balanço e orientação). Participaram da eleição de delegados todos os e as militantes plenos, com 45% mais que no XII Congresso (no qual uma parte havia entrado recentemente, sobretudo da juventude, e por isso se elegeu delegados observadores).
Isso foi produto da organização de novos núcleos militantes que definiu aquele Congresso após a emergência política da FIT (e do PTS como parte disso) em 2011. Desde o final do ano passado teve importância a organização de agrupações de companheiros e companheiras independentes no movimento operário e de juventude, a partir da mudança na situação política que se expressou na paralisação do dia 20 de novembro (20 N) em que o PTS teve uma destacada intervenção. O Congresso constatou que nestes meses conseguimos que nossos militantes começassem a agrupar a diversos companheiro(a)s em seus locais de trabalho e estudo, convertendo as agrupações em verdadeiras pontes entre nosso partido e os trabalhadores e jovens que despertam para a vida política e sindical. O salto que consideramos mais importante neste terreno não é só naquelas fábricas onde temos responsabilidade de direção nas comissões internas e corpos de delegados, mas na nova camada de jovens trabalhadores que se agrupam na JPTS e começam a dar os primeiros passos em organizar 100 fábricas e estabelecimentos (ver site).
Desigualdades do processo de ruptura e baixa luta de classes
A partir das intervenções de dezenas de delegados trabalhadores (adultos e jovens) o Congresso definiu que estamos intervindo em um processo de ruptura de setores da classe operária com o governo que, para além das mudanças na conjuntura têm desigualdades: é mais político em sindicatos como o de docentes, combina aspectos políticos e sindicais na indústria e nos serviços, e é mais “visceral”, com mais ódio, na juventude trabalhadora (majoritariamente precarizada) e nas mulheres trabalhadoras (ou parte da família trabalhadora). Na juventude estudantil vivemos outro processo (ver site). Há desigualdades importantes também por províncias. A venda de centenas de jornais nas fábricas como depois do 20 N ou agora com as inundações demonstra que o processo não é apenas sindical, como também político.
O limite mais importante a este processo é que a paralisação do 20 N significou um salto na ruptura com o governo, mas não abriu um ciclo de ações de massas generalizada. Se preparam as condições para grandes enfrentamentos, mas ainda perduram na base certas ilusões de manter o conquistado, enquanto cresce o descontentamento (como se viu com o repúdio a todos os governos frente ao “crime social” das inundações). Por tudo isso não há o que chamamos “radicalização política” (um claro giro ã esquerda de setores das massas), pelo qual propomos aos companheiros e companheiras que despertem a militância político-sindical numa organização comum de agrupações classistas, transitórias, em direção ã formas de militância mais diretamente partidárias.
Oportunidade e perigos
O início da construção das agrupações se pôde comprovar após o Congresso, com a rápida resposta dada frente ás inundações em Buenos Aires e La Plata. As agrupações são as formas adequadas de evitar a degeneração sectária, que não só se dá em continentes que aprofundam sua marginalidade histórica, como também correntes que conquistam muita presença superestrutural mas não impulsionam uma forte militância no movimento operário (...).
Uma das resoluções centrais neste sentido foi ir até o final em nos propor a organizar agrupações em que novos companheiros e companheiras, os mais ativos, se convertam em organizadores daqueles que aderem a nossas demandas mas são mais passivos. O importante é não restringir o “limite” da agrupação ativa e buscar as formas mais amplas de organização com iniciativas sociais e campanhas especificas como as que vêm sendo feitas.
Mas existe também outro perigo: se pode construir um partido com presença superestrutural e desenvolvimento militante, mas adaptado ao regime, a seus calendários eleitorais (nacionais, sindicais, estudantis) e ã rotina de suas organizações (paritárias, reivindicações parciais, etc) ao que se pode agregar a própria “ organização” transformada em venda rotineira de jornal, palestras com fins eleitorais, etc. Isso já vimos com o MAS nos anos 80, quando fazia atos enchendo estádios de futebol, mas não se preparavam para intervir corretamente nas grandes lutas de fins dos anos 80(...). É o que chamamos de geração centrista eleitoralista (definitivamente outra variante de seita).
Partido e agrupações de combate
Por isso outra das principais resoluções foi a necessidade de construir agrupações que não só intervenham nos cenários que se apresentem (como as eleições sindicais ou nacionais), mas que preparem cientificamente para o combate, que conheçam os pontos débeis e fortes das patronais, que prevejam seus ataques e os da burocracia e planifiquem junto aos companheiros independentes as respostas necessárias, que abordem seriamente o balanço de cada conflito e como atuamos (a experiência do 20 N por exemplo, com nossos acertos e erros). Nosso objetivo estratégico é um partido de combate na luta de classes que se proponha a ser a alternativa revolucionária que não teve a classe operária no último ascenso (69-76).
Internas, agrupações, partido
Outro debate importante foi em torno de precisar nossas batalhas político-sindicais nas fábricas e empresas onde temos responsabilidade dirigente. Definimos que as agrupações devem levantar um programa de ação que responda não só ás demandas imediatas que cada lugar votar, como também frente aos principais acontecimentos nacionais (inclusive grandes fatos internacionais) em particular aqueles que envolvem os setores mais explorados e oprimidos da sociedade, com o objetivo de superar a consciência corporativa e sindicalista contrária ã necessidade de um programa e uma ação hegemônica da classe operária (começando pela sua vanguarda), para obter a tão necessária aliança operária contra o povo pobre e os demais setores oprimidos.
Debates desse tipo se deram frente ã ocupação de terras (Parque Indoamericano, fins de 2011), saques (fins de 2013) ou agora frente ás inundações. Nestes casos, nos propomos a batalhar para convencer a maioria para que se vote o apoio a estes setores em assembleias, evitando utilizar instituições legitimamente conquistadas para impor posições (a “interna” define uma posição supostamente em representação de toda a fábrica em temas que se sabe ser controversos). Cremos que assim poderemos estabelecer uma relação sã e de luta política entre as agrupações como expressão dos setores mais classistas e combativos, e as internas que devem apontar a representar o conjunto dos trabalhadores que as elegeram (inclusive promovendo a democracia operária até o final: a liberdade de se expressarem todas as tendências e trabalhadores, questão negada pela burocracia).
Por sua vez, viemos elaborando as formas de intervir diretamente como partido também na base das fábricas e empresas, através da distribuição massiva do jornal La Verdad Obrera, com muito bons resultados.
Pelos direitos das mulheres
O Congresso se propôs a aprofundar a organização audaz das mulheres, tanto as mulheres trabalhadoras e de família operária, como as estudantes. As agrupações já têm em sua existência experiência de campanhas e lutas contra todas as formas de opressão não só nos lugares de trabalho, como também no seio das próprias famílias dos companheiros e companheiras combatendo o machismo.
Uma resolução importante foi impulsionar em especial no movimiento estudantil uma grande campanha unitária pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito, enfrentando a influência da Igreja Católica (fortalecida pela eleição do “Papa argentino”) e Cristina.
Campanha eleitoral
A campanha eleitoral de 2013 poderá ser uma importante oportunidade de agitação política de aspectos centrais do programa para amplas massas, e contribuirá para disputar os setores da classe operária e a juventude que se localizam na oposição ao governo e ás variantes patronais, se desenvolvemos laços cotidianos com estes setores que superem a relação de passividade imposta pelo regime democrático burguês, em que a “militância política” é só para um setor profissional limitado ás campanhas eleitorais. Apostamos a fortalecer a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) nessa perspectiva.
Internacionalismo, luta ideológica e formação política
Outro debate e resolução importante foi a necessidade de considerar indispensável para que novos companheiros e companheiras se transformem em dirigentes e militantes revolucionários, a propaganda e a formação política nos fundamentos teóricos e históricos de nosso programa e estratégia, baseados no marxismo revolucionário. Nesse sentido, no ponto internacional votamos preparar um folheto de explicação simples do internacionalismo para os trabalhadores e a juventude. Além disso, como parte do conjunto de medidas para aprofundar a luta ideológica que viemos desenvolvendo e que se debateram em uma reunião nacional de mais de 200 companheiros e companheiras que se integrarão aos trabalhos de elaboração teórico-política e edição de livros e folhetos , se constituirá uma Secretaria Nacional de Propaganda para sistematizar e multiplicar os cursos e materiais de formação.
Em síntese, nos propomos multiplicar nossa intervenção e construção em todos os cenários que nos apresentam a realidade, mas sem perder o norte estratégico do partido que queremos construir: de combate na luta de classes, internacionalista e revolucionário.