Segundo turno no Peru
Quem é Keiko Fujimori? Quem é Ollanta Umala?
03/06/2011
A uma semana do segundo turno eleitoral no Peru, e em meio a uma extrema polarização política, todas as pesquisas têm declarado um empate técnico entre Keiko Fujimori e o nacionalista Ollanta Humala. A retórica amplamente usada por ambos os candidatos ao redor da democracia e consulta, junto a promessas de aumentos salariais e desenvolvimento, assim como contra a corrupção, inunda as ruas e comícios das principais cidades e povoados do país vizinho.
No entanto, a grande polarização desatada no Perú contrasta com as similaridades programáticas e de propostas que tanto a filha do ex ditador, e hoje detido, Fujimori como do ex oficial do exercito sustentam. Tanto Keiko como Humala aderiram ao Acordo Nacinal, proposto em 2002 como garantia de que todos os partidos respeitarão as bases do regime da “democracia para ricos” e o modelo econômico para tornar um Peru “competitivo”.
Quem é Keiko Fujimori?
Keiko Fujimori que já ‘serviu’ como primeira dama durante o governo de seu pai, pretende estabelecer uma coerente continuidade com as políticas levadas a frente em seu governo e continuadas por Toledo e García atualmente. Nomeou como parte de sua equipe técnica, o Dr. Alejandro Aguinaga, quem durante o governo de seu pai, foi o responsável pela planificação familiar do Estado e enfrentou um julgamento, do qual saiu impune, por ser o responsável de 300 mil esterilizações forçadas a mulheres de baixos recursos. Assim mesmo, enquanto a retórica democrática está na boca de todos, Keiko anunciou que não permitirá que se denomine “grupos beligerantes” a grupos “terroristas”, ou seja, todo aquele que questione a vontade dos Fujimori será tratado como na década de 90, com prisões e repressão. Keiko é a continuidade orgânica do chamado neoliberalismo, garantia da impunidade a seu pai e todos os genocidas da ditadura fujimorista. Se ganhar as eleições muito provavelmente seu pai e alguns poucos generais condenados obterão sua liberdade. Diante deste cenário, muitas organizações de esquerda (e centro-esquerda, além de setores burgueses como o que representa o ex-presidente Toledo) das mais diversas correntes ideológicas acordaram apoiar decididamente o nacionalista Humali para impedir que Keiko chegue a presidência.
No entanto, quem é Humala?
Com um discurso moderadamente nacionalista e anti-corrupção, com vagas promessas de mudança, Humala e sua coligação, sustentada pelo PNP (Partido Nacionalista do Peru) se apresentam como “progressista”. No entanto, Humala foi Capitão do exército peruano durante a luta contra o sedero Luminoso e o MRTA . Com o argumento da luta contra o terrorismo, o Estado peruano e seus respectivos governos levaram adiante um dos maiores genocídios que conhece o Peru, somente comparável com o da ditadura argentina ou chilena. Segundo a Comissão de Verdade e Reconciliação, organismo criado para justificar a luta anti-terrorista com a teoria dos dois demônios e isentar a maioria dos militares ao responsabilizar quase exclusivamente o Sendero Luminoso, o número de assassinatos subiria para quase 70 mil pessoas. Humala foi parte ativa de todo este plano sistemático de aniquilação e tortura nas serras do país vizinho, e junto a seu irmão, hoje preso, impulsionaram o movimento que hoje preside Ollanta. A família de Humala reivindica a pena de morte para os homossexuais. No plano econômico, ainda que começou questionando o TLC, ao longo da campanha seu discurso moderou-se cada vez mas, ao ponto que por exemplo o reacionário e direitista literato Vargas Llosa declarou que “Sem alegria, com muitos temores, vou votar em Humala e vou pedir aos peruanos democráticos que façam o mesmo que eu” (La Tercera, 20/4), com o argumento que votar em Keiko seria legitimar a ditadura de seu pai. Ou seja, o capitão Humala, que obedeceu ordens do plano antiterrorista a serviço de Fujimori, hoje se transformou em campeão nada menos que da democracia.
Assim mesmo, o ex presidente peruano, o “Cholo” Toledo, continuador das políticas de fome e entrega levada adiante por Fujimori, decidiu brindar seu apoio a Humala e chamou voto nele. Se este cenário é possível, é graças a moderação que tem mostrado Humala durante sua campanha, prometendo aumentos de salários e melhoras para a polícia (o mesmo que Keiko), respeitar os acordos pró-imperialistas como o TLC, ainda afirmando que protegerá a industria nacional “por outros meios”, respeitar a constituição de 93 que permitiu a entrega do Peru e um ataque brutal sobre os trabalhadores e o povo. Sobre os contratos de concessão das minas, que hoje alimentam o tesouro do estado peruano graças aos altos preços, Humala o máximo que chega é pedir mais impostos ao sobre lucro mineiro.
Nenhum dos candidatos anunciou que todos aqueles que participaram das violações, assassinatos, torturas, esterilizações forçadas, expropriação de terras, assassinatos de indígenas serão presos. E não podem fazê-lo, já que ambos participaram de uma ou outra maneira, como chefes ou como subordinados de uma das páginas mais negras da história do país vizinho. Ou seja, se cria uma polarização entre “corrupção vs. Honestidade” por importantes personagens da burguesia e da “gorilagem” latino-americana que apóiam Humala (ao mesmo tempo que nacionalistas e progressistas, desde Chavez aos kirchneristas), não pela eventualidade de reformas democráticas, mas por certo temor que Keito reedite os métodos ditatórias e repressivos de seu pai, inclusive ajustando contas com outros setores burgueses, o que em uma situação histórica distinta no início dos anos 90, poderia ter conseqüências desestabilizadoras para o regime.
O oportunismo “crítico” da LIT-CI
Frente a este cenário, é lamentável que algumas organizações que se reivindicam trotskistas como a LIT-CI e sua sessão peruana o Novo PST, façam uma particular interpretação do resultado eleitoral no primeiro turno onde tanto o ascenso de Humala como de Keiko Fujimori seria a expressão distorcida de um triunfo operário e popular: “a derrota dos candidatos patronais mais promovidos e da representação aprista representa um triunfo, distorcido por sua natureza eleitoral, dos setores operários e empobrecidos. Eles votaram por Ollanta vencendo a imunda campanha de toda a direita, e apoiaram suas propostas reformistas de mudança do modelo econômico neoliberal, de Assembléia Constituinte para transformar a Constituição da ditadura, de fim a exploração dos serviços, de gás para os peruanos a preço justo, de aumento do salário mínimo a 750, entre outras, que marcaram sua diferença a respeito aos demais que se reivindicavam continuista. (...) O voto por Keiko Fujimori, também de origem popular, ao reivindicar ao ex ditador Fujimori reflete outro fenômeno: frustração de outros setores populares com o sistema “democrático”, para aqueles que só vem trazendo mais pobreza, desigualdade e desatenção do estado e suas necessidades básicas.” Esta visão de um triunfo dos trabalhadores e do povo que se manifestaria na derrota dos principais candidatos, não só que não se pode sustentar desde nenhum ponto de vista já que a classe operária, o campesinato e os pobres urbanos não tiveram alternativa independente e de classe, mas está a serviço de estabelecer uma visão no marxista de uma luta de “campos”, segundo o qual, no primeiro turno eleitoral o campo operário e popular teria derrotado o campo burguês e imperialista – de forma distorcida, claro- e do que se trata neste segundo turno eleitoral é que esse mesmo campo operário e popular volte a expressar-se, e a única fórmula que permitiria isto é a de Ollanta Humala.
Esta concepção campista, ou seja, opor o campo “progressivo” ao campo “reacionário”, leva a liquidar qualquer traço de independência de classe. Além disso, leva a que qualquer organização operária que mantenha o que propõe a LIT-CI se transforme em conselheiro e “grupo de pressão” sobre um representante da burguesia como é Ollanta Humala. Por isso, a LIT-CI enquanto critica o cada vez mais rebaixado programa de Humala devido a busca de uma nova maioria que supere 31% ganhando o primeiro turno, lhe aconselha: “ É claro que necessita (Humala, nota do redator) construir uma maioria, mais isso ele deve fazer com as organizações operárias, populares e campesinas que votaram nele e que são os únicos que defendem seu programa, e não sacrificar seu programa só para obter apoio ou a condescendência dos empresários, seus partidos e seus poderosos meios de imprensa” (www.litci.org/inicio/newspai...). Com essas afirmações, a LIT-CI abandona toda luta pela independência de classe ao exigir de um representante da burguesia, como a própria LIT afirma, que construa uma maioria com a classe operária e o povo e termina semeando confiança na fantástica possibilidade de que o capitão Humala realize está formidável tarefa.
Por isso o PST e a LIT-CI terminam afirmando que “No entanto, o Novo PST respeita a esperança de amplos setores operários e populares em Ollanta Humala, e estamos dispostos a acompanhar-los em sua experiência votando criticamente nele. E o fazemos também acompanhando outro amplo setor juvenil e popular que sem iludir-se em Ollanta Humala pensam em votar nele somente para barrar o caminho de Keiko Fuijimori, que vêem como uma ameaça maior. Enquanto acompanhamos os trabalhadores na esperança que triunfe o candidato nacionalista, com a moral de não termos dado nenhum apoio político reafirmamos nosso compromisso de estar, desde o primeiro dia, impulsionando na primeira fila a luta operária e popular para exigir-lhe que cumpra suas promessas” (idem). Esta visão de campos burgueses progressivos, que neste caso sua manifestação mais vulgar que é de apoiar “o mal menor”, como nos dizem os mesmos companheiros da LIT-CI: “A candidata fujimorista pode ser derrotada. Seu triunfo só se explicaria pelo ofuscamento de Ollanta Humala e a cumplicidade dos dirigentes da CGTP e os chamados partidos de “esquerda” (PC, ‘Patria Roja’, PS) que justificam e acompanham todos seus retrocessos. E se este cenário acontece, os trabalhadores e o povo que já temos dado múltipas provas de sua combatividade, retomaremos as ruas para defender as liberdades e não permitiremos que o ditador e os ladrões e assassinos sejam libertos. (...) Na verdade: para que esta história de eleger pelo “mal menor”, que muitas vezes termina sendo uma fraude maior, não se repita, necessitamos construir nosso próprio partido operário independente, com programa e dirigentes classistas, que defendam nosso interesses imediatos e lute por uma alternativa de governo operário e popular” (idem). Aqui as alusões a independência de classe, de um partido independente e ao governo operário e popular é simplesmente uma manobra retórica sem nenhum valor. Se viemos discutindo com a LIT-CI sua posição política que consideramos cada vez mais democratizante sobre diversos eventos da política latino-americana, acreditamos que a utilização da concepção do “mal menor” no Peru, concepção alheia ao marxismo e a toda política de independência de classe, não ajuda a preparar a luta que tanto menciona a LIT, que virá logo após o 5 de junho, e pior, até mesmo semeia elementos de filosofia da resignação, da qual provem essa idéia de apoiar o “mal menor”.
1- MRTA - Movimento Revolucionário Tupac Amaru (Nota do Tradutor)