FT-CI

A propósito do falecimento de Eric Hobsbawn

Um historiador a serviço da classe trabalhadora?

10/10/2012

Por Alicia Rojo, militante do Partido de los Trabajadores Socialistas - PTS - Argentina

O historiador Eric Hobsbawn nasceu em 1917 e acaba de morrer, no dia 1 deste mês. Junto a uma série de historiadores britânicos como Maurice Dobb, Rodney Hilton, E. P. Thompson e Christopher Hill, fundou em 1952 a revista “Past and present” e protagonizaram uma importante renovação historiográfica. Muitos deles abandonaram o Partido Comunista após a invasão ã Hungria em 1956; Hobsbawn permaneceu nele desde sua filiação em 1935. A desaparição de Hobsbawn deu lugar a uma manifestação de valorização quase unânime no mundo acadêmico a respeito de sua trajetória, ainda que a maioria prefira acentuar que, em que pese sua adesão ao marxismo, cujos traços julgam presentes em toda sua obra, “seu talento de historiador os relativiza e minimiza” [1]. Contudo, encontramos as maiores contribuições de Hobsbawn naqueles trabalhos que melhor expressam uma interpretação marxista da história. Sua análise acerca das revoluções burguesas, por exemplo, constituem trabalhos incontornáveis para compreender estes processos históricos.

Os historiadores da academia resgatam em Hobsbawn aquilo que supõem que nega ou “matiza” sua concepção materialista da história: o “anti-dogmatismo”, sua visão “não esquemática”. No entanto, uma concepção materialista dialética da história exclui o dogmatismo, seu ponto de partida é a própria realidade social e seu método permite explicar a complexidade do todo social; o esquematismo que caracterizou certos historiadores que se diziam marxistas não tem nada a ver com o materialismo histórico.

Por outro lado, há setores da esquerda que reivindicam Hobsbawn como um dos historiadores marxistas mais importantes; é resgatado também como uma referência de intelectual comprometido com as causas populares. Entretanto, os limites de sua visão provêm de sua concepção política que, como sabemos, não pode ser separada de sua produção intelectual: a identificação política de Hobsbawn com o stalinismo o conduziu a interpretações claramente antimarxistas. Na mesma medida, sua localização política diante dos fatos mais importantes da luta de classes do século XX o colocou no lado oposto ao da revolução.

Um historiador do Partido Comunista

“História do século XX” é um dos trabalhos nos quais Hobsbawn – diante dos processos históricos que não eram aqueles de séculos precedentes, mas sim dos tempos nos quais o stalinismo cumpriu um papel chave para a sustentação e a estabilidade do capitalismo – manifesta com claridade as consequências de sua concepção política. [2]

Tomamos aqui apenas um dos possíveis ângulos para polemizar com Hobsbawn, ainda que seja um ponto central: a Segunda Guerra Mundial. Em seu livro afirma que esta guerra “deveria ser interpretada não tanto como um enfrentamento entre Estados, mas sim como uma guerra civil ideológica internacional, nessa guerra civil o enfrentamento fundamental não era o do capitalismo com a revolução social comunista, mas o de diferentes famílias ideológicas: por um lado os herdeiros da Ilustração do século XVIII e das grandes revoluções, inclusa, naturalmente, a revolução russa; por outro, seus oponentes”. [3]

Aqui Hobsbawn opina que não se aplica o caráter de guerra interimperialista: entre 1939 e 1945, o enfrentamento fundamental no interior dos Estados e em nível internacional se deu entre “fascismo e democracia”, ou seja, entre ideologias e regimes, e não entre Estados imperialistas, em primeiro lugar, e uma guerra contra o Estado Operário soviético, em segundo.

Não podemos desenvolver aqui o debate com esta concepção e todas as suas implicâncias [4], mas digamos que uma visão destas características não consegue explicar, por exemplo, a intervenção imperialista em defesa do regime fascista grego que combatia o processo revolucionário que se desenvolvia na Grécia nestes anos. Esta intervenção respondeu a profundos interesses imperialistas e rejeitou por completo toda a defesa da “democracia”.

O que esta interpretação permite “explicar” a Hobsbawn é a “aliança, insólita e temporária, do capitalismo liberal e o comunismo para fazer frente a este desafio [o avanço do fascismo que] permitiu salvar a democracia” [5]. Esta visão é utilizada, por exemplo, para reivindicar a política do Partido Comunista na Espanha, com as “frentes populares” antifascistas, ainda que, como sabemos, esta política não pôde vencer o fascismo, mas sim derrotar a revolução.

Chega a tal ponto seu afã justificatório que, para Hobsbawn, os “anos dourados” do pós-guerra, a “conquista” do Estado de Bem-estar (Wellfare State), são tributários da existência da própria URSS; enquanto a justificativa da política stalinista se trata de uma grande reivindicação não apenas do stalinismo mas também da “democracia” imperialista que ajudou a “salvar”. Não é gratuito, portanto, o reconhecimento atual que se presta a Hobsbawn.

Historiadores a serviço da classe trabalhadora

Hobsbawn não foi, portanto, um intelectual neutro. Se é verdade que legou análises históricas notáveis, em seu papel de historiador contribuiu mais ã justificação do sistema dominante que ã causa dos explorados.

Pois a história é uma arma poderosa para as classes em luta; para os trabalhadores é um caminho para conhecer sua própria história – inclusive as traições de suas direções que os levaram ã derrota – e não começar em suas lutas a cada vez novamente do começo. O próprio Leon Trotsky, dirigente da revolução, escreveu a “História da Revolução Russa” mostrando, imbricada com os fatos de sua própria vida, toda a magnitude do maior processo revolucionário da história; milhares de páginas de suas obras estão destinadas a trazer para os trabalhadores as lições dos principais fatos da luta de classes mundial.

Historiadores como Pierre Broué, Milcíades Peña, Alberto Plá, são algumas das referências mais importantes, todos eles ligados de diferentes formas ã corrente trotskista, de uma verdadeira história militante. [6] Está nas mãos das novas gerações recuperar estas obras e produzir novos conhecimentos a partir do marxismo revolucionário, que constituam ferramentas para compreender e transformar a realidade e fornecer uma arma para a luta da classe trabalhadora.


Notas

[1] Luis Alberto Romero, Revista Ñ, 6/10/12

[2] Não desenvolvemos aqui outro exemplo de alguns deses limites, o último livro de Hobsbawn, “Como mudar o mundo: Marx e o marxismo, 1840-2011”³. Hernán Camarero resenhou este livro e, apontanto as contribuições do trabalho, conclui: “Mas existe um problema a assinalar sobre este inventário. Hobsbawn ainda não proporcionou uma explicação teórico-histórica acabada ou convincente da experiência soviética, mais especificamente do stalinismo (a cujo universo esteve vinculado, dado o seu pertencimento histórico ao PC britânico)”. E, acrecentamos nós, sequer considera o trotskismo como expressão do marxismo revolucionário e suas viscissitudes como alternativa política ao longo do século XX. Revista Ñ, 15/08/11

[3] Eric Hobsbawm, Historia del siglo XX, Crítica, Buenos Aires, 1998, pág. 150

[4] Para uma análise completa tanto do caráter da guerra em seus distintos aspectos, como uma polêmica específica com Hobsbawn, assim como uma análise das posições do trotskismo, ver “Guerra y Revolución, Una interpretación alternativa de la Segunda Guerra Mundial”, Ediciones CEIP, 2004. Os ensaios introdutórios de Andrea Robles e Gabriela Liszt podem ser lidos em www.ceip.org.ar

[5] Hobsbawm, op.cit. pág. 17

[6] Os trabalhos de Trotsky e os historiadores a que nos referimos podem ser consultados na biblioteca (em espanhol) do CEIP “León Trotsky” (endereço na nota 4)

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